Fonte: Folha de Londrina
"Lamento dizer, mas, dada a experiência brasileira, o que puder ser privatizado, é melhor privatizar. Esta não é minha formação cultural nem meu sentimento mais íntimo. Ou aumentamos a dose de privatização ou vamos ter de novo um assalto ao Estado pelos setores políticos e corporativos."
A fala do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em recente debate sobre o setor elétrico pode parecer radical, mas se torna uma avaliação mais do que apropriada se observarmos a gravidade dos fatos.
Estamos vivendo no Brasil uma situação extrema de preservação de privilégios adquiridos das corporações em detrimento dos interesses do brasileiro comum.
Muitas vezes, a regulamentação e a Justiça estabelecem como legal o que qualquer alma minimamente sóbria consideraria absolutamente imoral.
Esta legislação parte de um estado tutor que se coloca acima de uma sociedade que deveria exercer e se responsabilizar pelo seu livre arbítrio. É o país do "coitadismo", da vitimização e dos aproveitadores que eclodem de forma sorrateira dos ovos da demagogia.
Chamo aqui a atenção para a tendência de um revisionismo jurídico na esfera trabalhista, em especial nas organizações públicas. Embora costurados após lenta e ampla discussão, não raro estes acordos são revertidos por canetadas e causam duplo prejuízo ao bolso do povo. A busca por economia resulta, então, em desperdício de recursos e na recondução dos reclamantes aos privilégios.
Acordos tecnicamente bem costurados, consumados com base no diálogo franco entre empregados e empregadores, são ignorados nos tribunais, também contaminados pelo culto ao descumprimento da palavra empenhada, fruto do desprezo a valores como a honradez. Institucionaliza-se a farsa, a Lei do Gérson, o famigerado jeitinho.
É o triunfo do "legislado acima do acordado", onde um compromisso assinado se esvai na primeira ventania, por vezes com a complacência de algum magistrado, sensível apenas ao "direito" da corporação, sem se comover com a escalada de degradação que solapa as contas públicas.
É triste – para não utilizar outras expressões até mais adequadas – assistirmos a este enredo onde o corporativismo se sobrepõe ao bem coletivo, o usurpando e o destruindo.
As decisões em favor do funcionalismo podem ser justas, evidentemente. As relações trabalhistas estão sujeitas a transgressões deliberadas ou inadvertidas. Com pesar, diria que são "possibilidades do jogo". O que defendemos é um comportamento ético e íntegro do governo em acordos de demissões premiadas, por exemplo, mas também do funcionalismo. Repito: o que é acordado deve prevalecer sobre o legislado.
É preciso ficar atento para que o erário não seja abalado por revisões judiciais posteriores, que não só anulam o esforço de economia, como tem efeito reverso nas contas públicas. A propósito, é preciso rigor no monitoramento do Programa de Desligamento Voluntário, anunciado mês passado pelo governo federal, que de acordo com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, pode receber a adesão de 5 mil servidores, enxugando R$ 1 bilhão da folha salarial anual.
Não é razoável que estes servidores que estão consentindo com o desligamento hoje, contestem amanhã no tribunal o valor das próprias assinaturas. Indefeso, o contribuinte é, neste caso, acionado mais uma vez para pagar a conta.
Sem dúvida, vivemos dias de apreensão e de amadurecimento. Com a entrada em vigor da nova legislação trabalhista, prevista para novembro, o setor produtivo espera mais segurança nos acordos. Defendemos a combinação ideal nas mesas de negociação, o consenso e o bom senso. A partir deles é que as relações entre funcionalismo e governo, emprego e empregadores, devem ser regidas. Enquanto o Brasil não é capaz de reformar o Estado justamente pela musculatura das corporações, enquanto não conseguimos ter uma máquina pública de dimensões realistas, é o mínimo que podemos alcançar.
CLAUDIO TEDESCHI é presidente da Associação Comercial e Industrial de Londrina
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