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A ideia como matéria-prima

Fonte: Revista Mercado em Foco – Por Celso Felizardo

Até bem pouco tempo atrás, a ideia de sucesso profissional estava atrelada a um diploma pregado na parede de uma confortável sala em um escritório particular. Nos últimos anos, contudo, cada vez mais pessoas estão descobrindo as vantagens de compartilhar espaços, experiências e, principalmente, ideias. Ao adotarem um conceito um pouco mais amplo, que tem a criatividade e a inovação como matéria-prima, profissionais de pelo menos 13 setores têm encontrado mercado em expansão dentro da economia criativa.

Referência mundial no assunto, a futurista, mobilizadora sociocultural e consultora Lala Deheinzelin explica que, por ser um conceito ainda em formação, a economia criativa possui muitas definições. Segundo ela, algumas são ligadas à economia da cultura, outras à indústria criativa, que trabalha com artes, conteúdos e serviços criativos. Lala prefere uma definição mais ampla: a do trabalho com produtos intangíveis, aqueles que não podem ser tocados. "Essa reserva de valor dela não é como o petróleo, por exemplo, que um dia acaba, mas intangível, inesgotável", compara.

Ao defender a criatividade como produto, o novo tipo de economia visa também o crescimento inclusivo e sustentável, com ênfase nas características de cada comunidade. Lala observa que a reserva de valor em si não é economia criativa. "Se um grupo de artesãos sabe fazer um trançado único, com material especial, isso é bom, mas só será economia criativa quando houver interação com outras áreas, como as de comunicação, comercialização, design. É esse processo que vai gerar riqueza e qualidade de vida."

No Brasil, a economia criativa gera cerca de R$ 126 bilhões ao ano, o que representa 2,6%  do Produto Interno Bruto (PIB), abaixo da média mundial que atinge 10% do PIB. Os setores que mais se destacam são os de tecnologia, mídias, cultura, publicidade, arquitetura, design e moda. De acordo com o mais recente estudo sobre o tema no Brasil, o Mapeamento da Indústria Criativa, divulgado em 2014 pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), o Brasil havia atingido 251 mil empresas criativas em 2013.

A genial Londrina

Depois do rótulo de Capital Mundial do Café, Londrina aposta suas fichas agora no setor criativo. Para promover essa nova era, calcada principalmente na área de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), foi criada a marca Cidade Genial. Escolhida como sede do Instituto Senai de Tecnologia (IST), Londrina já é referência nacional quando o assunto é transformar ideias em soluções. Se a cidade fosse um Estado, seria o 6º do País no ranking das certificações em software.

“É um conceito que para muitas pessoas ainda parece utópico, mas não é. Já passamos da época do trabalho braçal, do maquinário. Muita gente está ganhando dinheiro com a criatividade, que é o produto da economia criativa", conta a secretária municipal de Cultura, Solange Batigliana. "A Londrina do futuro começa a ser desenhada, mas o passado também pode fazer parte dessa cadeia”, explica. “A Rota do Café é um exemplo de quão versátil pode ser a economia criativa".

Um primeiro passo sentido por Solange foi a substituição do físico pelo virtual para a divulgação dos artistas. "O sonho de uma banda antes era gravar um CD. Hoje eles fazem videoclipes e publicam no YouTube. O alcance e retorno são muito maiores". A maior rede social de vídeos do mundo resultou até em nome de profissão: youtuber. E, no Brasil, o mais acessado deles é um londrinense.

Pedro Afonso Rezende, de apenas 19 anos, é o primeiro brasileiro a alcançar dois bilhões de visualizações. Seu canal sobre game no YouTube, RezendeEvil, trocadilho com o nome do jogo "Resident Evil", tem mais de seis milhões de inscritos. O faturamento do canal com anúncios já atinge cifras milionárias. "A nova geração não consome a TV aberta. Eles escolhem o que e a que horas vão assistir. A produção de conteúdo voltado às novas mídias é um grande filão da economia criativa", projeta Solange.

Quanto vale seu sentimento?

No melhor estilo "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça", do ícone brasileiro do Cinema Novo, Glauber Rocha, três jovens londrinenses resolveram colocar as aulas em prática e fazer cinema. Junie, o primeiro curta-metragem de Gustavo Nakao, 21, Lucas Meyer, 21, e Luciano Albuquerque, 28, ganhou o prêmio Kinoarte de Cinema no ano passado. Este ano, o segundo curta, O Canto do Claustro, foi selecionado para ser exibido no Festival de Cannes, na França, o mais importante do mundo.

Nakao conta que o filme gravado em Londrina e Rolândia teve orçamento de R$ 500, quantia desembolsada por amigos que financiaram o projeto. Um dia antes de embarcar para a Europa para acompanhar a exibição de O Canto de Claustro, em 11 de maio, Nakao conversou com a Mercado em Foco. Sem esconder a ansiedade, ele comentou sobre a questão da criatividade como fonte de renda.

Na produtora Muvk, Nakao é diretor e roteirista. Ele contou que a produtora surgiu com o intuito de produzir filmes próprios. Em seguida, ele, Meyer e Albuquerque tiveram a ideia de oferecer serviços publicitários de filmagens com linguagem de cinema para empresas, além de criar um banco de vídeos. Para quem queria fazer filmes para colocar em prática as aulas de Cinema, o conceito de faturar com a arte causou certo estranhamento inicial. "No começo tinha um pouco de dúvida em fazer para vender. Ficava no ar o pensamento de 'quanto vale seu sentimento?' Mas depois vencemos esse preconceito e enxergamos uma oportunidade. Tudo é prática", comenta. Com parte da receita, eles pretendem filmar um longa metragem no ano que vem.

Ambiente e intercâmbio, amigos da criação

Quando surgiu a necessidade de um espaço para fazer o atendimento aos clientes, o trio da Muvk até pensou em abrir um ponto comercial tradicional. Depois de uma avaliação do conceito de economia criativa e colaborativa, eles resolveram recorrer a um espaço de co-working. Além de reduzir gastos, a interação e a troca de experiências com profissionais de várias áreas conquistaram os cineastas.

O espaço escolhido foi o Juntus Coworking, no centro da cidade. Criado há quatro anos pela advogada e diretora da ACIL Alexandra Yusiasu, o empreendimento aposta em espaços comuns de trabalho. Atualmente, são 81 profissionais entre designers, arquitetos, publicitários, produtores de conteúdo, desenvolvedores de soluções na web, além de advogados, professores e geógrafos.

Segundo Alexandra, o mais importante é que a criatividade seja estimulada de uma forma natural. "Tem que fluir de forma orgânica, não pode ser uma coisa imposta, forçada."  A advogada se diz recompensada ao ajudar pessoas a encontrar o prazer no trabalho. "O ser humano foi muito instrumentalizado, viramos quase máquinas. O uso da criatividade nos negócios promove transformação", avalia.

Canja com a galinha dos ovos de ouro

Nos anos 1980, Lala Deheinzelin atuou em novelas e dirigiu a peça teatral Clara Crocodilo, baseada nas canções do álbum homônimo do músico londrinense Arrigo Barnabé, autor de composições consideradas à frente do seu tempo com marcas como o atonalismo. Duas décadas depois, ela se considera uma ex-atriz, por pensar que a antiga profissão a limitava. Hoje, prefere ser identificada como futurista, um profissional que tem a missão de antecipar o que ninguém viu ainda, em um misto entre ciência e arte.

O principal receio de Lala é que o Brasil continue a fazer "canja com a galinha de ovos de ouro". "Perdemos muitas oportunidades de inovar, agregar valor e competitividade à nossa cultura. É necessário que fiquemos mais atentos".


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