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“Os prêmios da ética são a tranquilidade e a felicidade”

Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL – Por Susan Naime 

Ele fala sobre tudo. História, comportamento humano, ética, religião, política, vida. Leandro Karnal é a prova perfeita de que é possível reunir profundidade intelectual, popularidade, sarcasmo e simpatia. Com sua agenda movimentada, o historiador brasileiro e professor Doutor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) dissemina conhecimento através das palestras que realiza por todo o Brasil. A Mercado em Foco foi saber o que o intelectual pensa a respeito de temas que exigem reflexão da sociedade, especialmente da classe empresarial. No bate papo Karnal evidencia que os brasileiros vivem numa encruzilhada ética e provoca reflexões que vão tirar você da zona de conforto. Confira!

Mercado em Foco: Qual a melhor definição para ética e como ela deve ser aplicada nas corporações?

Leandro Karnal: Existem dois conceitos muito próximos, mas distintos. Um é a moral. A moral é de ordem religiosa, pressupõe os 10 mandamentos, pressupõe castigo ou prêmio a quem for bom ou mau. A moral é um campo muito importante, mas é próprio das igrejas. Ética é um campo da filosofia, não é oposta à moral e até é complementar. Mas a ética deve perguntar por que as coisas são certas ou erradas em si, e não por que alguém está me observando ou por que uma entidade religiosa irá me punir. Ética é um estudo sobre o comportamento e o correto comportamento que, para Aristóteles, inclusive, é o início da felicidade. Os prêmios da ética são a tranquilidade e a felicidade.

Mercado em Foco: Por onde as corporações devem começar?

Leandro Karnal: Onde houver seres humanos existe desvio do caminho do padrão ético, onde houver a presença de uma sociedade humana existe o erro, onde houver gente existe o problema. Mas há uma diferença muito grande entre o problema esporádico, ocasional, como acontece em alguns países que são notáveis pela ética, como a Dinamarca, em comparação a países onde a falta de ética é um sistema. Então o que precisamos fazer em primeiro lugar é desmanchar uma cultura da não ética.

Mercado em Foco: Em suas viagens por todo o Brasil é possível notar a mudança desse comportamento não ético?

Leandro Karnal: Nós precisamos pensar o comportamento a médio e longo prazo. Comportamento não é eterno. Há 30 anos ninguém usava cinto de segurança e hoje esse comportamento mudou. Há 30 anos ninguém se preocupava com o destino da água e hoje nossos filhos são educados e temos escolas com preocupações ecológicas e hídricas. Comportamento pode ser mudado e para isso nós precisamos de duas coisas: consenso, através de palestras e debates; e coerção, através de leis. Existir uma lei na nossa constituição de 1988 que tornou o racismo um crime inafiançável ajudou a uma evolução ética da sociedade. Ou seja, o consenso está aumento através da coerção. O racismo ainda existe, mas é mais prudente do que era há 30 anos, ainda que ocorra, infelizmente, até hoje. Precisamos criminalizar os desvios éticos e precisamos também aumentar o consenso, melhorar a educação. Já temos avanços em alguns campos: a Lei Maria da Penha e a Lei da Ficha Limpa. Essas duas leis trouxeram preocupações mais éticas nesse momento. Não é o paraíso, mas já estamos conseguindo evitar o inferno. Hoje, a corrupção deixou de ser natural, por mais que ainda seja praticada. Nós estamos num grande debate de uma revolução ética no Brasil.

Mercado em Foco: Vivemos um cenário onde as pessoas gostam de falar e opinar sobre todos os assuntos. Isso é bom ou ruim para a construção da ética?

Leandro Karnal: Sou um defensor apaixonado da liberdade de expressão. A liberdade de expressão não é apenas para expressar ideias bonitas com as quais eu concorde, ou bem elaboradas. É também abrir o fluxo da bobagem, dizer asneira. Liberdade e consciência é o direito de uma pessoa dizer barbaridades desde que nas democracias isso não seja contra a lei. Não há liberdade de expressão para defender a pedofilia ou para defender a violência contra a mulher. Acho que estamos quase embriagados dessa liberdade que a internet nos dá. Sim, ganhamos um direito de expressar rapidamente tudo o que queremos. Mas para que possamos aprimorar o privilégio dessa liberdade, devemos pensar que opinião deve ser dada quando ela existe, quando for bem construída e fundamentada. Nos outros casos nós devemos aprender a ouvir. Não porque alguém saiba mais do que eu, mas porque nem sempre eu tenho opinião sobre tudo. Aprender a ouvir também é um exercício de liberdade.

Mercado em Foco: A preocupação com o ganho rápido de lucro ainda é um entrave para as empresas?

Leandro Karnal: Hoje há certa consciência de que a não ética funciona exatamente como um anabolizante nas corporações, ou seja, ela aumenta o volume, mas também provoca danos colaterais imensos. A ética passou a fazer parte da planilha Excel. Ela dá lucro. Empresas socialmente responsáveis e ecologicamente consequentes estão ganhando mais dinheiro. Ética afeta o balancete da empresa. Gosto de questionar o empresário sobre o lucro excessivo, provocado pela não ética. O crime compensa? O problema é que não compensa para sempre. É mais sensato trabalhar com um projeto empresarial administrativo, consequente, metódico e que garanta um ganho real de 6% ou 7% no fim do ano, sistematicamente.

Mercado em Foco: Qual é o papel da sociedade para se ter organizações éticas?

Leandro Karnal: Reclamar do governo como cidadão e arrumar atestados médicos falsos só prova que eu sou um ladrão não ético e com menos poder de prejudicar as pessoas; enquanto que os governantes que eu reclamo são os ladrões com mais poder de prejudicar pessoas. Qual é o resultado disso? Eu sou incompetente como ladrão, mas tenho a mesma moral deles. Quem frauda imposto de renda é exatamente como qualquer governante corrupto, só que mais medíocre porque só atinge um pequeno grupo. Sendo assim, nem como ladrão eu sou bom. Precisamos entender que ética é ensinar o filho a ir no banco de trás do carro, respeitar o sinal vermelho, não dizer frases cafajestes no trânsito e não educar para o preconceito. Aí sim compreenderemos que esta é a base de uma pirâmide e, no topo, apenas como consequência final, estará o presidente da República. Quero dizer que enquanto não existir uma mudança social de relações em família, no trânsito e nas escolas, nunca teremos um país ético, apenas teremos governantes que infelizmente são espelhos da sociedade.


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