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Sob o domínio do medo

Fonte: Revista Mercado em Foco – Por Cristiane Oya 


Será impossível esquecer os dias 29 e 30 de janeiro deste ano,
quando Londrina foi marcada por uma série de assassinatos, que
vitimaram o policial militar Cristiano Luiz Botino, 34 anos, e outras
onze pessoas, além de terem deixado 15 feridos. Desde então, toda a
sociedade voltou os olhos para um único problema: a insegurança
pública.

Nos dias seguintes à chacina, o medo tirou as pessoas das ruas e
a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Administração
Penitenciária montou uma força-tarefa com mais de 100 policiais
militares de outros batalhões, mas as perguntas recorrentes sobre os
motivos que levaram a tamanha violência continuam sem resposta.

“Como cidadã, gostaria de saber quem praticou [os
homicídios], qual a motivação para saber até que ponto cada um de
nós corre o risco de sair na rua ou estar na frente de casa e passar
alguém atirando por todos os lados”, afirma a promotora Cláudia
Piovesan, da Promotoria de Inquéritos Policiais (PIP).

A promotora assina uma ação civil pública ajuizada em fevereiro
contra o Estado do Paraná e o secretário de Segurança Pública,
Wagner Mesquita de Oliveira, que pede o aumento do efetivo da Polícia
Civil de Londrina.

Conforme a ação, a cidade tem um policial civil para cada 3.405
habitantes, enquanto em Curitiba a proporção é de um policial para
cada 1.170 habitantes. A diferença no efetivo se repete também em
relação a delegados e investigadores. Londrina tem 14 delegados e
125 investigadores, enquanto na capital do Estado há 146 delegados e
1.193 investigadores.

“A segurança pública tem sido negligenciada na nossa
comarca. Ao longo dos anos fomos perdendo delegados, investigadores,
escrivães, e as novas contratações e remoções não foram
suficientes para cobrir a perda e muito menos atender à demanda que
aumentou ao longo do tempo, mas eu também não tenho como afirmar
porque não sei dizer quantos boletins de ocorrência foram feitos no
ano 2000, por exemplo”, disse a promotora.

Além dos crimes contra a vida, a falta de policiais nas ruas
atinge diretamente a economia da cidade, como relata o diretor da
Rede Móveis Brasília, Fernando Moraes. “Nas onze lojas do
nosso grupo, tivemos, em 2015, 20 assaltos à mão armada. Está
muito difícil trabalhar no comércio dessa forma”, desabafa. “O
que precisa ter é um policiamento maior. O agravante é que, como
não tem policiamento, temos que colocar segurança nossa, o que
eleva demais as nossas despesas. Tem segurança que ganha mais do que
um gerente. É muito caro e temos que passar isso no preço. A gente
já paga muitos impostos, mas para ter segurança temos que pagar de
novo.”

E são dos impostos pagos pelos contribuintes que saem os recursos
que o Estado destina à segurança pública. Conforme o orçamento do
Paraná de 2016, o setor deverá receber 6,69% do orçamento total, o
que representa R$ 3.647.191.401,00, e um investimento de R$ 326,72
por habitante do Estado. Em comparação aos demais estados do Sul do
País, o valor destinado à segurança pública pelo Paraná perde
para Santa Catarina, que repassa 9,84% do orçamento para a
atividade. Este investimento, no Rio Grande do Sul, é de 4,76% do
orçamento anual.

“A prevenção do delito é a política mais cara e não dá
tanto ‘ibope’ político. A segurança pública tem que ser uma
política de governo, de Estado, ainda que mude o governante”,
avalia Pedro Marcondes, capitão da reserva da Polícia Militar,
delegado aposentado da Polícia Civil e professor de Direito Penal da
Universidade Estadual de Londrina (UEL).

O especialista ressalta que a criminalidade é um fenômeno que
tem aumentado no mundo todo. “A sociedade vem se tornando cada vez
mais violenta e estamos em um processo de absoluta erosão de valores
tradicionais que, de certa forma, constituíam um freio ao
comportamento delinquente das pessoas”, avalia. “Além disso,
vivemos em um processo de injustiça social que joga grande parte da
sociedade em uma vala comum, abaixo do padrão de vida desejável.”

Marcondes explica que a prevenção de delitos se sustenta em três
perspectivas: a primária, que trata das políticas sociais de
formação do cidadão, como educação e profissionalização; a
secundária, que consiste na presença da polícia nas ruas para
coibir os atos de delinquência dos que, apesar da prevenção
primária, ficaram vulneráveis ao delito; e a terciária, que busca
a ressocialização de detentos do sistema prisional.

“O sistema de prevenção da delinquência no Brasil não
anda bem. Quando falamos em prevenção de delito, falamos em três
perspectivas: a prevenção primária, a secundária e a terciária.
As duas mais importantes são a primária e a terciária. A
secundária é a mais imediata, mais coercitiva, mas tem que ser
compatível com a dignidade humana”, afirma. “Mas,
efetivamente, a ação do Estado é muito ruim. A quantidade de
policiais militares é muito pouca. A função da PM é prevenir o
delito. Cada vez que se prende alguém em flagrante é um atestado da
incapacidade da PM, que não fez blitzes para tomar a arma de fogo,
que não abordou o motorista bêbado antes do acidente.”

Conforme Pedro Marcondes, cerca de 70% dos delitos estão
relacionados com drogas. “É o tipo de delinquência que
preocupa a sociedade – são os delitos contra a pessoa e contra o
patrimônio. O combate à criminalidade passa por uma política
eficiente de combate às drogas.”

Outro ponto destacado pelo especialista é a impunidade. “Estudos
apontam que apenas 3% dos delinquentes são responsabilizados. Muitos
cometem crimes que não chegam ao conhecimento das autoridades e
outros poucos têm o processo de responsabilização iniciado.
Desses, tente ver quantos foram para as penitenciárias. No Brasil,
há mais de 200 mil mandados de prisão em aberto.”

A impunidade também é vista como um ponto crucial do sistema de
segurança pública pelo consultor em segurança Coronel Jorge Costa
Filho. Para ele, o envio de policiais de Curitiba para Londrina após
a série de assassinatos registrados em janeiro serviu apenas de
“calmante” para a população.

“Quais as respostas dadas pelo Estado até o momento?
Infelizmente não só para a população de Londrina, mas para toda a
população paranaense, a resposta é sempre a mesma: nenhuma nada
eficaz. A Secretaria de Segurança Pública fez a única coisa que
estava ao seu alcance: deslocou uma parte do Batalhão de Choque de
Curitiba para Londrina para poder dar ao menos uma satisfação, mas
os policiais que foram deslocados para lá serviram apenas como um
‘calmante’ para a população, que, vendo um reforço no
policiamento, se sentiu mais protegida e, tão logo a sensação de
tranquilidade voltou, a tropa retornou para Curitiba e, como se diz
em muitos locais, ‘segue o baile’”, afirma. “E é essa
certeza da impunidade que está alavancando a violência, de tal
forma que quem ainda não está no mundo do crime acaba se sentindo
motivado a entrar, pois tem a certeza de que mesmo que seja preso em
flagrante, estará solto e livre, em pouco tempo, para cometer novos
crimes”, conclui.

No início de março, quando foram apresentados cinco presos
suspeitos de participação em assassinatos em Londrina, o secretário
de Estado da Segurança Pública Wagner Mesquita de Oliveira pediu
mais tempo para concluir as investigações da chacina de janeiro. “A
sociedade e a imprensa esperam uma elucidação rápida desses
crimes, mas o tempo da polícia é o tempo da investigação, é o
tempo da prova. Queremos uma investigação profunda, técnica e que,
ao final, possa garantir com 100% de certeza a participação de cada
indivíduo em cada crime, e se um crime teve relação com o outro”,
afirma.

Vigilância por câmeras deve ser aprimorada

As cerca de 250 câmeras de vigilância da Guarda Municipal de
Londrina registram uma média 115 ocorrências por mês.

Além da vigilância dos prédios públicos, as câmeras, cujas
imagens são monitoradas 24 horas, captam diversos delitos como
furtos, arrombamentos, acidentes de trânsito, uso de entorpecentes e
pichações.

“Na rua Sergipe, por exemplo, a câmera pegou uma pessoa
arrombando uma vitrine. A pessoa foi presa pela Guarda Municipal. Tem
gente que é pega arrombando carros. A gente detecta a ocorrência e
aciona o serviço que faz o atendimento. Não há tempo de comunicar
a PM, a não ser que seja uma situação mais vultuosa”, relata
Rubens Guimarães, secretário Municipal de Defesa Social.

Apesar da efetiva contribuição da Central de Monitoramento da
Guarda Municipal na segurança pública, a ACIL está iniciando as
tratativas com a Secretaria Municipal de Defesa Social para melhorar
a utilização das câmeras de segurança.

“O ideal seria montar uma estrutura que funcionasse com
várias câmeras de monitoramento, que ampliasse a rede e
centralizasse a comunicação das forças de segurança”,
explica o vice-presidente da ACIL Rogério Chineze. “Iniciamos o
diálogo, mas é hora de nos unir para fazer o projeto caminhar”,
conclui.  


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