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Voto, o ápice da cidadania

Fonte: Revista Mercado em Foco – Por Celso Felizardo

Toda manhã, quando as primeiras lojas do Calçadão de Londrina começam a subir suas portas, lá já está Paulo Aversa, de 90 anos. Os passos lentos do protético dentário aposentado revelam o peso da idade, mas também a persistência que sempre marcou sua vida. No bate-papo matinal com os amigos de caminhada, ele comenta sobre o progresso da cidade e sobre sua parcela de contribuição para isso.

Nascido em Botucatu (SP), Aversa chegou a Londrina aos 21 anos de idade. A profissão de protético permitiu que ele criasse seus três filhos, que lhe deram quatro netos. O maior orgulho de Aversa é de não ter colocado seus produtos a serviço da corrupção. Ele é do tempo em que políticos se elegiam distribuindo dentaduras e toda a sorte de mimos em troca do voto. "Chegava ao cúmulo de eles doarem um pé de botina antes da eleição com a promessa de entregar o outro só se fossem eleitos", lembra.

De lá para cá, o processo eleitoral ganhou mecanismos de fiscalização para coibir a compra descarada de votos. As cédulas de papel e sua contagem interminável deram lugar ao moderno sistema eletrônico, modelo em todo o mundo. Para o aposentado, o país evoluiu, mas uma coisa nunca muda: a falta de conscientização política do brasileiro. "Pensam só em si, tanto os políticos quanto os eleitores. Precisamos votar melhor e cobrar de nossos representantes para que eles trabalhem em prol do povo", opina.

Nascida sob o novo conceito da era digital, Beatriz Cardoso Goulart, de 17 anos, é uma adolescente que vai muito além do perfil do jovem que usa as redes sociais para ganhar curtidas com selfies ou se divertir com jogos online. Não que ela não goste dessas atividades, mas em uma rápida passada de olho em sua página pessoal é possível perceber todo um engajamento social da estudante. E a consciência política da garota não se restringe ao espaço digital. No grupo de amigos, destaca-se pelo nível crítico.

Beatriz admite que ainda tem muito o que aprender quando o assunto é a política, mas segundo ela, os erros grosseiros de muitos eleitores foram a motivação para “tirar” o título e votar pela primeira vez. “É muita coisa errada que a gente vê. Muitos 'adultos' jogam o voto no lixo com suas escolhas não acertadas. Então, acho que a juventude tem que fazer a sua parte para ajudar a mudar tudo o que ainda há de errado”.

Paulo e Beatriz têm hábitos completamente diferentes. Ele procura se informar sobre os candidatos pelos telejornais e pelo jornal impresso. Já Beatriz busca informação nos sites de notícias e nas redes sociais. Ele mora no centro; ela na zona sul. Mas, afinal, o que eles têm em comum? Ambos não são obrigados a votar mas já confirmaram presença no próximo pleito eleitoral, marcado para 2 de outubro, que vai definir o prefeito e os vereadores de Londrina para os quatro anos seguintes. Pela lei, o voto é facultativo para pessoas com mais de 70 anos e para jovens com idades entre 16 e 18 anos.

Voto, uma experiência recente

Em um cenário político conturbado, os votos facultativos de Paulo Aversa e Beatriz Cardoso são exceções. Nas últimas eleições presidenciais, há dois anos, o nível de abstenção no primeiro turno foi o mais alto desde 1998, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2014, 19,4% do eleitorado não compareceu às urnas, o que corresponde a 27,7 milhões dos 142,8 milhões de eleitores no país. No pleito de 1998, o percentual foi de 21,5%. Já nas eleições municipais de 2012, 8,85% dos eleitores londrinenses deixaram de escolher seus representantes.

Para Clodomiro Bannwart, cientista político e professor do curso de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Londrina (UEL), alguns fatores explicam o desinteresse da população pelas eleições. O principal deles é a crise sistêmica que permeia todos os partidos. "No fundo, temos um processo de criminalização do sistema político, com denúncias generalizadas de corrupção. Nós estamos transformando o Supremo Tribunal Federal (STF) num tribunal penal que vai julgar o sistema político. Isso gera um desencanto muito grande na população".

Em um resgate histórico do processo eleitoral no país, Bannwart também ilustra a falta de intimidade do eleitor com as urnas. "A nossa experiência de votar é muito recente no país. Se a gente olhar a história política do Brasil, vamos perceber que o povo pouco participou desse processo. A demonstração plena dessa soberania do povo no século XX foi ineficaz, não existiu", analisa.

O cientista político ressalta que o primeiro presidente eleito do Brasil, Prudente de Moraes, ocupou o cargo com apenas 3% da população exercendo o direito do voto. Já Jânio Quadros, o último presidente antes do Regime Militar, foi eleito com 20% da população de votantes, em 1960. "Por muito tempo, a sociedade civil inexistiu. No Brasil da República Velha, nos tempos dos coronéis, quem fiscalizava as eleições eram os próprios deputados. Apesar de todos os avanços que tivemos, isso ainda reflete nos dias de hoje".

O cenário só começa a mudar a partir da promulgação da Constituição de 1988, apelidada de constituição cidadã. "A partir daí temos uma inserção da participação social com democracia. Em 1989, quando Collor foi eleito, tivemos quase 70% da população alistada, apenas um décimo abaixo da participação registrada na última eleição presidencial", comenta Bannwart.

Com a participação maciça dos brasileiros nas urnas, o especialista avalia que o grande desafio agora é melhorar a qualidade do voto. "Temos que analisar não mais a quantificação, mas a qualidade de nossa participação. Esse é o ponto nevrálgico que ainda precisamos melhorar. Aqui está o nó da questão". Segundo ele, a questão hoje é o eleitor tomar ciência da importância de escolher criteriosamente cada candidato.

"O voto é extremamente importante, porque a legitimidade do mandato é assegurada pela nossa escolha. Ele é a expressão popular. É o ápice da soberania popular que legitima o exercício do mandato", enfatiza. "Por isso temos que ter um cuidado muito grande com as eleições porque é o processo pelo qual inicia o mandato. Pelo que temos observado, parte do processo de corrupção está instaurado na eleição", completa.

O ponto de vista é compartilhado pelo sociólogo e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ricardo Costa de Oliveira. "O voto é fundamental na democracia, é a soberania do voto popular que fundamenta a legitimidade. Neste ano, na atual conjuntura que o país vive, teremos ainda mais valor e importância na participação no voto popular", observa Oliveira.

O sociólogo comenta sobre a importância de se fortalecer a sociedade civil. "É muito importante o cidadão acompanhar o voto com outras instituições, como associação de moradores, sindicatos, associações profissionais. Integrar-se à sociedade civil procurando sempre a democracia, a pluralidade", orienta.

Bannwart concorda sobre a importância dos laços sociais, mas avalia que a sociedade está seguindo em um caminho contrário, cada vez mais individualista. "Os hábitos não podem influir no nosso discernimento. O que tem que ficar bem claro é que a política é feita para o bem da coletividade e não pode atender interesses específicos de uma pessoa", diferencia.

"Ao mesmo tempo em que a sociedade cobra honestidade dos representantes, ela tem que dar o exemplo", critica Oliveira. Para isso, ele orienta que é muito importante o cidadão conhecer a função dos políticos. "Isso evita que o eleitor peça para que o político pague uma conta de luz, contribuindo assim para fomentar a corrupção", exemplifica o sociólogo.

Oliveira diz que a situação acima é muito comum nos casos de candidatos a vereadores. "A população tem uma noção maior do papel do prefeito, mas a vereança ainda é confundida com assistencialismo". O especialista ensina que o papel do vereador é de fiscalizar o prefeito, secretários municipais, além de formular políticas públicas locais. "O vereador não é apenas um despachante de interesses, ou alguém que vá realizar clientelismo ou fisiologismo, distribuindo coisas ou garantindo bens ou mercadorias. O trabalho do vereador é um trabalho crítico, de formulação", detalha.

Pecado comum

Os especialistas lembram um erro muito comum do cidadão ao votar: separar as pessoas das instituições. "Não são as pessoas, mas as instituições que devem fazer as políticas sociais. Se o cidadão tem o direito de um benefício, é porque está amparado pela lei, não porque o candidato ou o político eleito é bonzinho", argumenta Oliveira. "Nossa tendência é esperar que apareça um salvador, um Joaquim Barbosa, um juiz Sérgio Moro e salve a população. Não é assim que funciona a democracia. A democracia não coaduna com salvadores da pátria", diz Clodomiro Bannwart.

Para o eleitor não "errar" o voto, Ricardo Oliveira ressalta o valor da informação. "É fundamental o cidadão procurar se informar, estudar, ler, acompanhar as notícias de seus interesses e participar do voto. Isso faz a diferença para que depois o eleitor não se arrependa", instrui.

Desconfiar sempre é a principal dica de Bannwart. "A primeira questão a identificar em um candidato é se de fato, o discurso dele é coerente com as condições institucionais do cargo. Perceber se o candidato não está prometendo algo que foge à condição que ele pode oferecer."


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