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Financiamento público de campanha: desafio para a democracia

Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL – Por Francismar Lemes

A campanha eleitoral 2018 tem, simplesmente, o "desafio de produzir os efeitos pretendidos", com menos dinheiro em caixa: convencer os eleitores do porquê este candidato é melhor que aquele.

A definição entre aspas, emprestada do filósofo britânico Bertrand Russell ao delinear o poder, não está na superfície, quando se trata de política brasileira.

É um arcano que as urnas irão decifrar, juntamente com o impacto na forma de obter recursos de campanha, com a instituição de R$ 1,7 bilhão de Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – tema de mais uma reportagem da série sobre as Eleições 2018.

De acordo com o Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea), 118 países contam com algum tipo de financiamento público para partidos ou campanhas eleitorais.

Em outubro, o Brasil escolherá presidente, governadores, deputados estaduais/distrital, renovando 513 cadeiras na Câmara dos Deputados Federal e dois terços (54 vagas) do Senado.

Será o primeiro pleito sem financiamento empresarial, que desde 1889 estabeleceu relações nada republicanas com o poder, escancaradas por malas abarrotadas de dinheiro, saltitantes pelas ruas.

"A transformação dessa relação não se dará do dia para a noite. Acho que o famoso “caixa dois” ainda deve perdurar por um grande tempo até que se consiga equacionar isso em outros moldes", acredita o presidente da ACIL, Claudio Tedeschi.

Com a medida, abastecer campanhas, como a presidencial de 2014 em que postulantes arrecadaram valores superiores a R$ 300 milhões por campanha, esbarra em limites.

O fundo tem regras de distribuição. Uma pequena parte é rateada entre todos os partidos e o restante de acordo com a votação das agremiações e sua representatividade no Congresso.

As campanhas também terão tetos, que vão de até R$ 70 milhões para candidato a presidente da República a R$ 1 milhão para campanhas a deputado estadual e distrital.

Os candidatos também poderão se autofinanciar e a internet ganhou mais espaço, com a liberação da arrecadação por ferramentas de financiamento coletivo – o crowndfunding – e a legalização do impulsionamento de conteúdo nas redes sociais com empresas especializadas.

 

Valor insuficiente’

"A gente não sabe como vai se comportar isso. A única coisa que tenho absoluta certeza é que esse valor do fundo será acrescido por outros meios. Quais meios, eu não sei. Mas, este valor proposto pela lei é insuficiente para as campanhas. Se colocarmos no papel o que foi arrecadado nas eleições anteriores e o valor do FEFC, isso fica muito claro", avalia o jornalista e publicitário, Cláudio Osti, marqueteiro londrinense de campanhas vitoriosas, como a do candidato outsider, na época, Alexandre Kireeff, que venceu a tradicional família Belinati na corrida pela prefeitura de Londrina em 2012.

Uma transformação complexa e crescente tensão no país, desde os protestos de 2013, ainda não fechou o ciclo. Influencia decisões, como a do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2015, proibiu a doação de campanhas por empresas.

"Acho que isso vem na esteira dos casos de corrupção que vieram à tona. Impactou forte numa tentativa de pressionar por reformas políticas, de um modo geral, e a questão do financiamento, que é por onde vem o dinheiro ilícito, a formação de caixa dois e uma série de coisas. Vários países proíbem o financiamento de campanha por empresas. Isso também é uma tentativa de organizar, passar a limpo a influência das empresas sobre o poder político e garantir financiamento", ressalta o professor da Universidade Tecnológica Federal (UTFPR-Londrina), Daniel Guerrini, doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Urgs), complementado na Universidade de Tampere, na Finlândia.

Na avaliação do cientista político da Pontifícia Universidade Católica (PUCPR – Curitiba), Cezar Bueno de Lima, o financiamento estatal é próprio da maturidade democrática.

"Há um consenso entre países com maturidade democrática na busca pela separação do público do privado. Seria mais barato para a sociedade desvincular esses interesses. Os agentes públicos têm mais liberdade para tomar decisões sem dar algo em troca para os financiadores da campanha. Ao ser o financiador, o estado tenta romper com a dependência estrutural para se tornar mais democrático", ressalta Lima, doutor em Ciências Sociais pela PUCSP.

Já no pleito municipal de 2016, verificou-se que a proibição do financiamento das campanhas por empresas limitou, em menos da metade, os gastos em relação há 10 anos atrás, de acordo com o publicitário Cláudio Osti.

"São valores que dependem muito do momento, tipo de estratégia de campanha, uma série de coisas, mas o que temos percebido é que o dinheiro nas últimas eleições tem encurtado absurdamente. Leio matérias sobre a Lava-Jato, que algumas empresas chegaram a dar R$ 40 milhões para uma campanha presidencial. Observando o teto previsto agora, a gente vê que não vai dar", ressalta o publicitário.

Há mais de uma década a internet e as redes sociais são uma plataforma de adesão do eleitorado. Somente o Facebook tem mais de 100 milhões de brasileiros compartilhando conteúdos todos os meses. Um nível impressionante de participação, se considerarmos o uso político, que pode se misturar ao cotidiano, conjunto de valores e crenças postados pelas pessoas.

"As redes sociais poderão ajudar quem não terá tantos recursos para financiar a sua campanha. É um fenômeno que está mudando muito até a política. As pessoas passam a ter uma integração que não tinham antes. Uma possibilidade de a comunidade estar bem informada ou até do candidato poder fazer uma divulgação maciça. O poder das redes implicará na participação maior da sociedade no processo político", avalia o presidente da ACIL, Claudio Tedeschi.

O Brasil é um dos poucos países que implantará o financiamento público antecipado. Entre as polêmicas e dúvidas sobre o FEFC, está a preocupação de que não sobrarão cadeiras para os candidatos de primeira viagem e pequenos partidos.

"Há duas questões importantes: uma é a preocupação de deixar de fora partidos minoritários com representação pequena; interesses de pessoas que não são abastadas; que não são ruralistas ou grandes empresários. Excluir também partidos de esquerda, que lutam por causas como a LGBT; partidos que não terão apoio de grandes grupos econômicos; apoiados, no máximo, por uma classe média intelectualizada”, pondera Guerrini.

“Por outro lado, uma coisa muito importante que a lei pretende acabar é que possíveis brechas poderiam estimular a criação de partidos ou pequenas organizações que abasteceriam os partidos maiores. Ao mesmo tempo em que é preciso proteger a representatividade das minorias, especialmente desses partidos com pouca chance de financiamento próprio e que não possuem uma base abastada e não compactuam com interesses de grandes empresas. Também é necessário não permitir a instrumentalização do sistema", afirma o professor.

Ele destaca que 35% dos recursos do fundo vão para partidos que possuem ao menos um deputado federal, o que contemplaria uma quantidade significante das 35 agremiações registradas, independente do número total de cadeiras da bancada. Dois por cento são divididos igualmente entre todos os partidos.

"Tem uma parte considerável do valor total do fundo que vai para a proporção de senadores do partido. Isso é uma coisa um pouco mais problemática, uma vez que a gente sabe que o Senado é sempre mais conservador. O Nordeste e outras regiões brasileiras possuem uma representação que é desproporcional para a população brasileira, especialmente a densidade populacional do Sudeste e Sul. Isso poderia gerar o abastecimento de partidos que, proporcionalmente, representam menos a população”, acrescenta Guerrini.

Complementando a avaliação, o cientista político Cezar Bueno de Lima acredita que ainda faltam mecanismos para que todos os que concorrerão tenham direitos iguais, fator que, consequentemente, promoveria uma renovação política.

Para o presidente da ACIL, Claudio Tedeschi, é preciso desmontar totalmente o modelo político que favorece a corrupção através do financiamento de campanhas. "Implica numa mudança radical com a redução do tamanho do estado brasileiro. Diminuir a participação em estatais porque a maioria dos deputados e senadores se elegem para se manterem no poder, pegam posições nas estatais, que fazem com que tenham recursos para a manutenção dentro do poder. Se esse modelo não for desmontado, dificilmente a corrupção deixará de existir. A corrupção pode diminuir em função de todos os escândalos que aconteceram, mas continua existindo. Estado grande é um estado corrupto", conclui Tedeschi.


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