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Quem pode me representar?

Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL – Por Marco Feltrin

O ano de 2018 começa com uma enorme interrogação no País. A quem poderemos entregar o Brasil nas eleições de outubro? Quais lideranças colocarão o nome à prova nas urnas, diante de tanta repulsa do brasileiro à classe política? O cenário demonstrado até o momento reforça a dificuldade no surgimento de novos nomes, com ideias que representem os anseios da população, bem distantes dos tradicionais caciques que compõem o poder.

Enquanto o Congresso não corta na própria carne e aprova uma reforma política que altere para valer as regras eleitorais, diminuindo a influência do poder econômico e a dependência dos partidos, a escolha do cidadão por seu representante se torna cada vez mais difícil.

Para o cientista político Mário Sergio Lepri, o quadro partidário atual não oferece alternativas de renovação, apesar dos modelos atuais serem questionados. “Os políticos não conseguem mais dar as repostas que a sociedade precisa. Ela já entendeu que, neste momento, é melhor que o estado não atrapalhe. Existe uma mudança de comportamento exigindo que a política se transforme. Mas o grande questionamento é em relação aos nomes que vão preencher essa lacuna”, analisa.

Quem me representa?

Além de novas ideias, a sociedade brasileira precisa resolver também questões de representatividade racial e de gênero.

Ao analisar o perfil dos 513 deputados que compõem o Congresso Nacional, fica fácil entender por que a população brasileira está longe de ser representada na política. A maioria dos parlamentares é de homens, brancos, na faixa dos 50 anos, com formação superior e dono de patrimônio superior a R$ 1 milhão.

De acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os negros (pretos e pardos) representam a maioria da população brasileira, com 53,6% do total. Na Câmara, a proporção chega a 20,1%.

O mesmo se aplica às mulheres, 51,6% da população, mas que se tornam minoria absoluta na política. Na Câmara de Vereadores de Londrina, há apenas uma mulher entre os 19 vereadores. Na Assembleia Legislativa do Paraná, são quatro entre os 54 deputados estaduais. Já na Câmara dos Deputados, o índice sobe para 10% com 51 mulheres entre as 513 cadeiras.

Isto porque uma lei em vigor desde 2009 obriga os partidos políticos a terem, no mínimo, 30% de mulheres candidatas. Como muitas das leis brasileiras, esta também tem o seu “jeitinho”. Basta ver no resultado das eleições o alto número de candidatas que aparecem com zero votos. Ou seja, colocam o nome à disposição do partido mas não participam do processo eleitoral.

Para a ex-deputada estadual e vereadora por três mandatos, Elza Correia, a ideia da lei ainda esbarra em conceitos históricos que travam a participação da mulher na política. “Essa sociedade foi construída sob a égide do machismo. O homem sempre ocupou o espaço público enquanto a mulher cuidava do privado. Sou favorável a este sistema de cotas para mulheres. O problema é que os partidos colocam os nomes sem nenhum apoio político ou financeiro”, aponta. “É importante que as mulheres entendam que conseguimos, a duras penas, votar e sermos votadas. Mas a caminhada é longa para não perder o que foi conquistado e avançar nos direitos de cidadã. Não queremos continuar sendo espectadoras, coadjuvantes. Precisamos figurar na política para trabalhar por uma sociedade mais generosa e igualitária”.

Política é coisa de criança

A esperança de um país melhor, com representes mais qualificados, passa obrigatoriamente pela educação. Mais do que isso: uma mudança cultural de costumes e valores para que as crianças de hoje se interessem pela política e enxerguem a oportunidade de serem protagonistas no futuro.

Uma experiência do Colégio Educativa, em Londrina, leva o universo da política para dentro do ambiente escolar em uma iniciativa inédita no Paraná. Desde 2014, a unidade conta com uma minicidade, com direito a prefeitura e câmara de vereadores com sessões lavradas em ata, discussão de projetos e até cobrança de impostos.

“O projeto é baseado nos sete princípios do cooperativismo e trabalha muito a questão da transparência. A escola não injeta um real. Os alunos sustentam a cidade com o dinheiro dos impostos, do comércio, onde já é trabalhada também a educação financeira. O cidadão precisa entender que ele paga seus impostos e quer saber de que forma isso vai voltar para ele”, comenta a pedagoga Edilene Kurten, uma das coordenadoras do projeto.

Além das melhorias dentro do ambiente escolar, os políticos mirins também trabalham em favor da comunidade externa, com arrecadação de donativos para entidades de Londrina. “A ideia é fazer com que eles façam a diferença também lá fora, mudando não só a realidade deles, mas de outras pessoas”, aponta a pedagoga, reforçando a nítida evolução em quem participa do projeto.

Julianna Tomitan, de 12 anos, é a atual prefeita da minicidade. A ideia de fazer parte do processo eleitoral veio do desafio de passar por cima da timidez para falar em público. “Isso me ajudou muito na hora de apresentar os trabalhos em sala de aula e no relacionamento com os colegas. Sou cobrada e aqui tudo precisa ser muito bem conversado para ser aprovado com os vereadores. Aprendi muito sobre política, principalmente sobre a necessidade de ser transparente. A gente coloca tudo no mural para saber para onde o dinheiro dos impostos está indo. Na cidade, não é possível ver isso de forma tão clara”, critica a estudante, que fica no cargo até março deste ano.

A transmissão para a sucessora será feita em cerimônia na Câmara de Vereadores, a de verdade, no Centro Cívico. Quem assume a responsabilidade é Mariana Amaro Zangirolani, de 13 anos. “Na campanha, conversei bastante com os alunos, passei minhas propostas. Quero realizar todas, principalmente incentivar a leitura e a arte dentro da escola. Mas ainda tem muito a fazer que não está escrito no papel”, projeta.

Isadora Vizetti Quinetoni, de 12 anos, disputou a eleição para prefeita e ficou em segundo lugar. Por isso, vai ser a vice-prefeita da minicidade, depois de dois mandatos como vereadora. “Depois deste processo, você aprende a ouvir mais, ser mais aberta a outras opiniões”, aponta. Com a experiência dentro da escola, Isadora acredita ser possível mudar a imagem atual de que todo político é ruim. “É só mostrar o que faz, ter contato com a população fora da época de campanha. A visão já ia mudar. Os eleitores também precisam acabar com essa coisa de votar em um candidato por falta de escolha, mas sim porque vai ter boas ideias e fazer com que os cidadãos saibam o que está acontecendo. É só ouvir mais o povo”.

Já a futura vereadora Lavinia Gambarini Pardal, de apenas 10 anos, vai além e cobra que os cidadãos dividam responsabilidades. “É preciso se preocupar com problemas da cidade que estão mais próximos de nós. As pessoas acabam ficando alheias a estes problemas, e ninguém aponta uma solução”. Discursos de quem começa a aprender o que é política, mas ao mesmo tempo tem muito a ensinar às velhas raposas que continuam adotando maus hábitos na condução do país.

Interesses Coletivos

Independente de candidatos ou siglas, passa pela própria sociedade entender o papel dos governantes no processo político. Antes de exigir algo do estado, é preciso pensar primeiro nos interesses coletivos. “Caiu a ficha de que não é melhor para ninguém ter vantagens individuais sobre aquilo que é público. Política é para o todo, então às vezes é preciso saber perder algo. Olha a reforma da previdência: por que eu não posso deixar de levar uma vantagem se a reforma for para um bem maior, como o equilíbrio fiscal do estado?”, questiona o cientista político Mário Sérgio Lepri.

Para ele, a maré de escândalos de corrupção que antecede as eleições deste ano também é uma boa oportunidade para o brasileiro repensar sua forma de fazer política. Tal ato não deve se restringir à escolha de um candidato ao ouvir promessas no horário eleitoral, mas sim participar ativamente do processo, desde as iniciativas mais simples. “Se você tem um vizinho que está jogando o lixo de qualquer jeito na rua, pode ir até lá e convencê-lo a fazer do jeito certo. Isso também é política. Essa atitude cria uma corrente de valores, forma grupos com interesses em comum sem depender de órgãos públicos. E destes grupos podem sair novas lideranças capazes de influenciar pessoas e participar do processo eleitoral”.

O cientista político ainda faz um paralelo com a corrupção, mostrando que a imoralidade presente e tão criticada no alto escalão também está em atitudes que fazem parte do cotidiano do brasileiro. “Se o deputado ou ministro é corrupto ao negociar propina para aprovar um projeto ou liberar uma obra, o cidadão também é ao furar uma fila, infringir as leis de trânsito. A política é reflexo do que a gente faz”.


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