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Sobreviva – e ganhe depois

Por Cristiane Correa

 

Revista EXAME – O”mito” se transformou em homem de carne e osso na última Quarta-Feira de Cinzas. Às 19h30 de uma noite chuvosa em São Paulo, o empresário Elie Horn, presidente e controlador da Cyrela Brazil Realty, a maior incorporadora de imóveis do país, entrou numa das salas de reunião da sede da empresa para conceder sua primeira entrevista a um jornalista brasileiro. Aos 64 anos de idade, 46 deles à frente de sua companhia, Horn forjou ao longo da carreira a fama de empreendedor arguto e discreto. Aproveitou como ninguém o recente boom imobiliário brasileiro e a onda de aberturas de capital. Com o IPO da Cyrela, em 2005, levantou 900 milhões de reais e ingressou no reduzido grupo de bilionários brasileiros. Praticante fervoroso do judaísmo, Horn sempre evitou qualquer exposição pública – em grande medida porque os ensinamentos religiosos pregam a humildade.

 

A crise mundial colocou fim a um período de exuberância do mercado imobiliário brasileiro – e a Cyrela não foi poupada. Nos últimos seis meses, suas ações perderam quase 60% do valor, queda muito mais acentuada que os 25% do Ibovespa. A turbulência, assim como a fortuna, parece não ter abalado a fé de Horn. Numa entrevista pontuada por citações religiosas, ele fala sobre crise, pressão do mercado de ações, filantropia, sucessão e, seu assunto preferido, Deus. Horn é um daqueles raros homens de negócios que não foram treinados para o discurso corporativo. Não parece preocupado em impressionar. E, por isso mesmo, impressiona. Nas próximas páginas, os principais trechos da entrevista.

 

O mundo está enfrentando uma das piores crises da história. Qual é a melhor coisa a fazer diante dela?
A chance de quebrar a cara numa época de crise é muito maior do que a de ganhar com ela. Por uma questão de sensatez, o melhor é ficar quieto. Aprendi que a melhor maneira de lidar com esse tipo de situação é se recolher, esperar as coisas acontecerem e sobreviver. Se você sobrevive, consegue ganhar depois. Se não sobrevive, não vai ganhar nunca. O negócio é pensar que o melhor lucro será o lucro futuro, e não o presente.

 

Como o senhor aprendeu isso?
Vivendo. Tenho 46 anos de trabalho, já passei por vários ciclos, e esta crise para nós não é a pior. Eu já vi coisa muito mais feia antes.

 

Quando?
Quando vivemos a época de congelamento de preços, por exemplo, foi uma catástrofe. Mas aprendi a apanhar, calar a boca e não ter orgulho. Talvez seja a maior lição que esta crise traz para todos nós. Em geral a humanidade é arrogante. Mas esta crise fez todo mundo pagar o preço. Teve gente que pagou muito, teve gente que pagou pouco, mas todo mundo pagou. Desde que a crise começou, já ouvi palestras e conversei com uns 100 especialistas. A verdade é que ninguém consegue prever nada. Para mim, é uma lição divina para a humanidade: “Fique mais quieto, não seja arrogante, seja mais humilde, não pense só no lucro”.

 

O senhor disse que todo mundo pagou pela crise. Quanto o senhor pagou?
Paguei como todo mundo. (Depois de figurar por três anos na lista dos bilionários da revista americana Forbes, Horn foi excluído do recém-divulgado ranking de 2009. No ano passado, sua fortuna havia sido estimada em 2,1 bilhões de dólares.)

 

O mercado imobiliário brasileiro viveu um boom nos últimos anos e a crise interrompeu essa euforia. Quanto tempo vai demorar para o mercado voltar a crescer?
No mínimo um ano. Em 2009 o mundo assenta. Em 2010 o mundo se regenera e volta a crescer.

 

E como será o mercado imobiliário pós-crise?
O setor não terá a pujança dos últimos anos. Mas é preciso explicar uma coisa. No Brasil não tivemos subprime, em consequência disso não tivemos loucura. Tivemos um boom de crescimento, mas não de preços. Até uns dois, três anos atrás, as empresas do mercado imobiliário não viam a cor do dinheiro. Elas só viram dinheiro grosso com a onda de IPOs. O problema é que esse dinheiro grosso, dos IPOs da vida, acabou. Não tivemos tempo de fazer megaimpérios ou meganegócios. No Brasil não houve mega para nada.

 

Qual o maior temor que o setor imobiliário tem em 2009? O desemprego?
Sim. Porque o desemprego pode derrubar a demanda. Se bem que a impressão que eu tenho é que a crise aqui será menor que no exterior. Aliás, não se pode comparar o Brasil com o que acontece lá fora. Pela primeira vez, o país está pagando o preço pelos erros dos outros. Em razão de nossa solidez financeira e bancária, o Brasil vai pagar um preço muito menor que outros países. Quanto vai custar, eu não sei dizer.

 

Que tipo de mudança vocês estão fazendo para se adaptar a esse novo cenário?
É preciso cortar custos, aprender a trabalhar com menos metas de crescimento – aliás, muito menos. Vou falar um negócio estranho: se você lançar muito (prédio) pode quebrar a cara. Nosso negócio tem fluxo de caixa negativo por definição. Se amanhã faço um prédio e vendo tudo, mesmo assim o fluxo de caixa será negativo. Terei de comprar um terreno, fazer o lançamento, arcar com despesas comerciais, tocar a obra e no começo o dinheiro que recebo é menor do que o dinheiro que gasto.

 

O senhor mudou sua postura em relação ao controle do caixa?
Monitoro o caixa o tempo todo. Mas a crise chegou muito rápido e ninguém estava preparado para uma parada tão brusca nas vendas. Em agosto do ano passado tivemos o melhor mês de vendas na nossa história. Foram 550 milhões de reais, um número absurdo. De repente, em setembro, vem a crise e as vendas caem pela metade de um dia para o outro. Desde então, a queda nas vendas tem sido constante. A meta é que as vendas futuras se mantenham nos níveis atuais e parem de cair. Aí a gente volta a acelerar. Quando tem crise, a gente para, fica bonzinho. Quando tem boom, acelera. Não quero ir contra a crise, não quero ser herói de causas perdidas. Não adianta falar agora: “Vou vender de qualquer maneira”. Quem diz isso é ignorante ou estúpido. Falta dinheiro, falta demanda. Fazer o quê? Minha prioridade, neste momento, é preservar o nome, a honradez, a empresa.

 

E as pessoas que trabalham com o senhor na Cyrela entenderam isso de cara?
Foi muito difícil, um inferno. A luta interna foi muito pior do que a externa. As pessoas não conseguem entender o cenário macro. Lá fora havia sintomas da crise desde julho de 2007. Os sintomas americanos estavam muito claros, e o fato de mantermos contato contínuo com economistas, analistas e banqueiros que vêm todo dia aqui fez com que percebêssemos o que ia acontecer. Não sabíamos com que intensidade nem com que rapidez, mas sabíamos que a tempestade chegaria. Quanto mais perto a crise chegava, mais eu me dedicava a entendê-la. Mas valeu a pena. Se amanhã ficar claro que erramos um pouco nas previsões, podemos até perder um pouco de participação de mercado. Mas é melhor perder mercado do que perder as calças.

 

Seu horizonte, então, é de longo prazo?
Tudo o que a empresa faz hoje tem relação com o conceito de perenidade. Estou com 64 anos. Trabalho para que a empresa sobreviva 1000 anos. Hoje mesmo tivemos uma reunião estratégica na qual discutimos como a empresa vai sobreviver às crises que virão no futuro.

 

O senhor já pensa em sucessão?
Sim, é óbvio que eu penso. Com minha idade, seria irresponsável se não pensasse. Comecei a refletir seriamente sobre o assunto há uns cinco, seis anos. Estamos num processo de transição lento.

 

A empresa ainda é muito dependente do senhor, não é? O senhor é conhecido por acompanhar todos os detalhes, todos os projetos…
Qual é o problema? É pecado? Tenho prazer em olhar a parte estética dos prédios que construímos. É pecado? É melhor fazer isso do que ficar em casa apodrecendo. Assim ajudo a empresa a melhorar. Ou você trabalha direito ou não trabalha. Não tem um terreno que eu não veja, não tem um prédio pronto que eu não veja. Para fazer este prédio onde estamos agora, foram necessárias 20 maquetes. Vi todas.

 

Alguns analistas disseram que a Cyrela foi uma das empresas mais afetadas na bolsa porque concentra suas atividades em imóveis para a alta renda. O senhor concorda?
Não é verdade. A Cyrela é uma empresa flexível, com dois terços do faturamento vindos da média renda e um terço da baixa renda. Agora estamos tentando reverter isso. Vamos aumentar muito nossa porcentagem em imóveis populares. A Cyrela não é estática, é uma empresa viva. Acredito que nos próximos 12 meses teremos aumentado em 50% nossa participação na baixa renda. E se o mercado exigir mais vou fazer mais. Hoje a moda é popular, então vamos fazer o popular.

 

Recentemente a Cyrela divulgou a previsão do resultado do quarto trimestre. O mercado reagiu mal e as ações caíram 5% em apenas um dia. Como é que o senhor lida com esse tipo de pressão?
Você é casada?

 

Sou.
A primeira vez em que seu marido pegou na sua mão, como você se sentiu?
Na segunda vez, aposto que não foi a mesma coisa… E hoje deve ser diferente… Com os analistas é a mesma coisa. Na primeira vez em que eles falam sobre sua empresa você vai atrás. Hoje já não presto muita atenção nisso, caso contrário mataria a empresa. É preciso olhar as reações do mercado com bom senso para que a companhia se preserve. Os números de vendas caíram – e era natural que isso ocorresse. Quero saber quem é o herói que consegue vender mais na crise. Eu não sei como se faz isso. Quero aprender. Se você me ensinar, agradeço.

 

Pessoas que trabalham ou trabalharam com o senhor o definem como workaholic…
Trabalho seis dias por semana, numa média de 15, 16 horas por dia. Durmo 5, 6 horas e acabou. O resto é trabalho. Isso tem sido minha rotina há 46 anos. Aos sábados, eu paro. É uma bênção, porque é o único dia em que sou obrigado a parar. Aos sábados, leio, me espiritualizo, converso e passo meu tempo em casa. É o único dia em que estou livre, em que não sou escravo. Nos outros dias da semana sou escravo, no bom sentido.

 

E aos domingos o senhor continua marcando reuniões a partir das 5 e meia, 6 horas da manhã?
Domingo é dia de produção normal.

 

Qual seu maior erro nos negócios?
Não vou revelar meu ponto fraco. Não posso. O importante é não repetir nossos erros. Errar é humano, perseverar no erro é diabólico. Se você repete um erro, você é burro.

 

Como o senhor reage quando um negócio não dá certo, como a associação com a Agra (desfeita recentemente) ou a tentativa de compra da Klabin Segall no passado?
Calo a boca, tento aprender com os erros e faço outra coisa. Estou acostumado a perder e seguir em frente. Se não for humilde, vou apanhar mais. O humilde sofre menos porque está acostumado a apanhar. Tive uma aula (de religião) muito boa ontem. O que é este mundo? Por que Deus o criou? A resposta é: teste. Sou testado o tempo todo como homem, pai, marido, empresário, construtor. O teste consiste em evoluir, cada um na sua profissão, e deixar o mundo um pouco melhor do que quando chegamos a ele. Deus criou o homem imperfeito de propósito, para que ele possa melhorar o mundo. Se você acerta mais do que erra, você já evoluiu. Se for o contrário, você é um desastre.

 

Que tipo de executivo o senhor gosta de ter trabalhando ao seu redor?
Primeiro tem de ser honesto. Depois tem de ter boa índole e ser trabalhador. O mais importante é o caráter. A inteligência vem depois. E tem de vestir a camisa da empresa.

 

O senhor é muito religioso. Como essa característica se manifesta na condução dos negócios?
Deus cria seres diferentes, com credos diferentes, para cada um, no fim, chegar a Ele à sua maneira. Acredito em Deus e na missão humana. Qual a minha missão nesta Terra? Primeiro, fazer o bem. Grande parte do meu patrimônio, não vou dizer quanto, irá para a caridade. Meu pai doou 100% do que tinha. Como isso dá um significado ao trabalho? Eu posso transformar o produto do trabalho em dinheiro e depois usar o dinheiro para ajudar pessoas menos favorecidas. O dinheiro pode ser santificado, quando ajuda a salvar pessoas.

 

Mas em alguns momentos o lado empresário e o lado religioso devem entrar em conflito…
Não. Estamos aqui com a missão de ligar o espiritual ao material. Na hora em que você ganhou um tostão e esse tostão ajuda a salvar uma criança, você santificou e dignificou o dinheiro fruto de seu trabalho. Nessa hora, tudo o que parece ser egoísta deixa de ser.

 

O senhor pensa em deixar sua fortuna para uma fundação, como Bill Gates?
Hoje, Bill Gates e Warren Buffett são os maiores heróis do empresariado e da filantropia. Eles deram o exemplo de como as coisas têm de ser e conseguiram unir as duas coisas. Ainda não está claro o que eu vou fazer. Parte da minha missão é fazer com que o homem se aproxime mais de Deus. Hoje ser crente está um pouco fora de moda, mas isso está errado. A gente não pode ter vergonha de acreditar em Deus. Se todos os homens fossem mais religiosos e respeitassem a ética e o bem, não haveria tanta violência no mundo, nem maldade nem pobreza. O que precisamos é fazer com que isso aconteça. Não é tão fácil, não é tão óbvio e não está na moda também. Mas essa é a nossa missão.

 

Fonte: Portal Exame


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