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“Um líder que ouve e sente constrói propósitos”

Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL – Por Susan Naime

Olhar para a liderança nos dias de hoje é também olhar para as transformações do mundo. O velho conceito de que liderar se resume em comandar pessoas, do ponto de vista da hierarquia, não cabe mais dentro das organizações modernas. Esse espaço deve urgentemente ser preenchido pela liderança com propósito. É o que acredita Flávio Tavares, palestrante, mentor, investidor em startups e fundador do Welcome Tomorrow, um movimento que tem ajudado marcas e pessoas a pensarem sobre mobilidade, tecnologia e propósito. Para ele, liderança com propósito é um conjunto de fatores que as pessoas exercem ao longo da caminhada delas, contribuindo para que outras pessoas cresçam e se desenvolvam. Ela é muito mais colaborativa, as pessoas são mais altruístas, generosas e a mensagem tem que ser maior que o mensageiro. Na entrevista a seguir, Flávio Tavares aborda esse movimento do novo líder, e aponta os desafios para um universo corporativo que ainda é prejudicado pela vaidade.

 

MF – Podemos dizer que o cenário atual de pandemia ressignificou o conceito de liderança?

FT – Duas coisas me impressionaram nesse período de pandemia. A primeira é a imprevisibilidade, um mundo onde todos achavam que tinham controle sobre tudo, de repente ninguém tinha controle sobre nada. E continua imprevisível até hoje a ponto de não sabermos de fato quando sairemos dessa situação. O segundo fator que mais me impressionou foi a carência de líderes. Dizer que a pandemia ressignificou o conceito de liderança talvez seja profundo demais, mas ela mostrou o quão carente de líderes nós estamos. Diversas pesquisas apontam que hoje muitos CEOs, presidentes, diretores e grandes lideranças do Brasil e do mundo são pessoas abatidas, que sofrem de estresse ou da Síndrome de Burnout, e que não encontraram ainda significado e propósito no seu trabalho. Podemos ver isso refletido na maneira como essas lideranças reagiram à pandemia. Quantos líderes não foram pressionados para escolher qual lado defenderia? Mas nunca teve lado! Acho que todo líder que se posiciona em relação a lados já começa enfraquecido. Ele precisa ser, como se diz na cultura budista, nem 8 nem 80, é o 44. Ele tem que ser o meio, o ponto de equilíbrio. O líder é o que caminha para unir. Mas o que se evidenciou nesta pandemia foi a falta de liderança. E uma vez que nós percebemos isso, fica mais claro o quanto precisamos formar novos líderes.

 

MF – Muito se tem falado sobre não haver mais espaço para uma liderança que só planeja o “ter”, já que agora se faz necessário desenvolver a liderança do “ser”. Mas na prática, o que isso significa?

FT – Não dá mais para você ter um discurso que não esteja alinhado com a sua prática. Não falo sobre a prática que te cobra a excelência e a perfeição. É sobre você ser brutalmente autêntico e quebrar um pouco do mito de herói. Não há problema em ter suas vulnerabilidades e suas fraquezas, o que importa, na verdade, é mostrá-las. O conceito convencional e antiquado de liderança exige um líder herói, aquele cara que não erra, que tem todas as respostas e coragem para enfrentar todos os desafios. E não é isso. Houve ao longo dos tempos uma construção equivocada dessa identidade de liderança e fomos nos camuflando de personagens para atender a essas exigências. Hoje precisamos ser brutalmente autênticos e isso significa ser fiel aos seus valores e princípios. Neste novo mundo que está surgindo não vão caber mais aquelas pessoas que destoam entre o discurso e a prática. Então não se trata de uma escolha, mas sim de você ser uma pessoa única e entender que a expressão do seu propósito ao longo da sua jornada irá lhe conduzir para uma vida bem-sucedida.

MF – É cada vez mais evidente que há uma expectativa por maiores propósitos das empresas e que eles estejam alinhados aos anseios da sociedade, especialmente em um momento de crise. Como o líder deve atuar em um contexto como esse?

FT – Há alguns anos, propósito era você montar uma creche dentro da sua empresa ou doar parte da sua renda para uma entidade sem fins lucrativos, abatendo isso do seu imposto de renda. Você se achava moralmente bom ou aceito por desenvolver essas iniciativas. Mas há um grande desafio agora sobre como você alinha propósito e ressignificado ao seu negócio. Hoje você vê muitos empresários desatentos com o que está acontecendo no mundo, preocupados com o seu negócio do ponto de vista econômico, mas sem nenhum tipo de iniciativa para a formação de novos profissionais, por exemplo. A gente transfere essa questão como se fosse um problema do Estado, mas para mim é um problema de cada empresa. Cada empresa deveria ser uma empresa de educação. Você quer mais propósito do que isso? Formar colaboradores, novos líderes, mesmo que seja ligado ao seu negócio. E quando falo de educação não estou pensando naquela educação convencional, onde se monta uma escolinha. É um novo modo de aprendizado que está muito relacionado a entender que a vida e a nossa jornada são um trajeto educativo e eu preciso aprender com ele. Imagina quantas experiências uma empresa não gera a partir do seu próprio negócio? O olhar mais amplo permite que você enxergue mais potencial ali, enxergue que é possível construir propósitos e causas que criarão perspectivas ainda maiores nas pessoas. Dessa forma, elas deixarão de se relacionar com a sua marca apenas de maneira racional e passarão a ser fãs, a ter afeição e admiração pelo que a marca faz.

MF – Engajamento, relação humanizada e inteligência emocional, principalmente no que se refere à atuação com a equipe de colaboradores, são pilares essenciais para o líder?

FT – Dessas palavras que você cita a que mais se destaca para mim é a relação humanizada. Engajamento e inteligência emocional serão sempre importantes, mas a relação humanizada tem a ver com você entender que não existe um número. Existe um colaborador que é pai ou mãe, que tem tio, irmãos, pais, avós, que tem uma vida fora da empresa. Quando você olha para esses colaboradores percebe que existe um ser humano ali. Em uma conversa que tive no ano passado com Pedro Janot, ex-presidente da Azul, ele contou algo que me marcou muito. No começo da Azul ele chamou todos os diretores, gerentes e pessoas que tinham função de hierarquia, e disse a eles que todas as vezes que encontrassem qualquer colaborador deveriam fazer três perguntas, na seguinte ordem: “Como vai sua família?”. Depois de ouvir a resposta, a segunda pergunta seria “o que eu posso fazer por você hoje?”. E em terceiro lugar está “como vai a companhia, como vai o negócio?”. Ou seja, a primeira pergunta que todo líder deveria fazer à sua equipe é realmente como vai a sua família, porque nós sabemos que para qualquer colaborador, de qualquer empresa, a coisa mais importante sempre vai ser a família e não o negócio. Ele não está ali por causa do negócio. Ele está ali porque quer gerar sustento para a sua família, gerar valor para sua casa, e se isso é a coisa mais importante para cada colaborador, por que não dar atenção na mesma perspectiva e mostrar que aquilo que é importante para ele também é importante para você? Quando você faz isso, o que é importante para você também será importante para ele. É uma troca, uma reciprocidade. Então acho que a relação humanizada é um dos grandes desafios atuais.

MF – Se você pudesse citar três atitudes que ajudam a implementar uma liderança com propósito, além de satisfazer colaboradores, clientes e a organização, quais seriam?

FT – A primeira atitude é saber ouvir. Hoje, falar é uma urgência no líder. Mas acho que escutar significa você ser o último a falar, é você deixar as pessoas falarem. Agora, se existe uma coisa mais importante do que saber ouvir é você saber sentir. Sentir tem a ver com você traduzir o que as pessoas não conseguem traduzir, que são os seus anseios. Um líder que ouve e sente constrói propósitos. A segunda atitude tem a ver com a capacidade de adaptação. Um líder tem que entender todas as mudanças que estão havendo no mundo e desenvolver cada vez mais sua capacidade de se adaptar. E a terceira atitude é a resiliência. O líder hoje precisa ser resiliente, saber apanhar, enfrentar as dificuldades ao longo de sua jornada, ter capacidade de lidar com a dor, com o sofrimento, a perda, o problema e entender que existe aprendizado em cada dificuldade que enfrenta.

MF – Como a liderança deve olhar para frente depois de um período como esse?

FT – Todo líder deve perceber que ele também é um ser humano, que tem família, perceber que, mais do que construir memórias, ele deveria se preocupar em produzir momentos memoráveis por onde passa. Momentos memoráveis são as atenções mais singelas e simples que você dá ao longo do seu caminho, mas que marcam profundamente a vida das pessoas. Existe uma frase de Martin Luther King que eu gosto muito e diz que “quando você for subir o primeiro degrau de uma escada, suba com fé mesmo que você não veja a escada, porque quando você der o primeiro passo verá que a escada estará lá”. Eu vejo muitos líderes com pouca ousadia de subir o primeiro degrau. Faça além! Comece a olhar com uma perspectiva mais humana o seu negócio e entenda o quanto ele irá prosperar ainda mais quando você conseguir aplicar isso lá dentro. Rompa a barreira da ideia que foi colocada em nossa mente ao longo dos caminhos de que empresa é um lugar apenas para ganhar dinheiro, como se ganhar dinheiro fosse a única maneira de fazer com que os negócios sobrevivam. Não é. Tem milhares de negócios se reinventando e o seu também pode fazer isso. Eu não acredito que você descobre propósitos. Você cria propósitos. O que você descobre é você mesmo. Propósito não é meta, é jornada! É tudo aquilo que você faz enquanto caminha. Ao invés de ficar apenas tentando vender o que você vende, tente fazer com que as pessoas acreditem no que você acredita e os negócios serão consequências disso. E faça desses propósitos grandes movimentos para que as pessoas tenham desejo de caminharem na mesma direção junto com você.


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