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É hora de votar de novo

Fonte: Nelson Bortolin – Revista Mercado em Foco/ACIL

Ainda com as feridas abertas pela polarização política de 2018, os brasileiros voltam às urnas em outubro deste ano para eleger prefeitos e vereadores. Muita gente deverá votar com “sangue nos olhos”, repetindo em âmbito municipal a guerra ideológica deflagrada há dois anos no país.

Mas deve crescer a parcela dos brasileiros desencantada com a política. No segundo turno das eleições de 2018, a abstenção foi de 21,3%. Somando-se os que anularam seus votos ou votaram em branco, são mais de 30% dos eleitores que deixaram de apostar em um candidato ou em outro.

E esse não é um problema exclusivo dos brasileiros. “Ser pouco participativo na política é uma característica do ser humano, não só do brasileiro. Vejamos o exemplo recente da Inglaterra, com o Brexit (processo de saída da Inglaterra da União Europeia). Ninguém acreditava que seria aprovado no referendo. Muita gente que era contra, não foi votar. E o Brexit venceu”, ressalta o cientista político e professor da UEL, Mário Sérgio Lepre.

O também cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fabrício Tomio, dá outro exemplo: “A participação do eleitorado nas eleições nacionais na Suíça, país com mecanismos institucionais de participação nas decisões políticas, é inferior a 50% desde os anos 80.”

Na opinião de Lepre, não existe uma sociedade com “plena consciência” política. “Há sim sociedades com educação mais efetiva, nas quais as pessoas entendem que, para ter alguma coisa, também precisam contribuir com as outras. Sociedades em que o próprio cidadão respeita mais o cidadão. Mas isso também se explica porque elas têm um nível de escolaridade maior.”

Na média, o brasileiro é um eleitor como os demais. “Não há uma singularidade especial do Brasil quanto às expectativas dos eleitores. Em cada país, pode haver uma visão idealizada de como seria a política em outro país. As queixas em relação à política não são restritas ao Brasil.”

Corrupção

Os brasileiros têm mania de achar que seu país é o mais corrupto do mundo. Para rebater o que seria um mito, o professor Mário Sério Lepre cita o relatório Barômetro Global da Corrupção – América Latina e Caribe 2019, da Transparência Internacional. Segundo o levantamento, 90% dos brasileiros achavam que a corrupção era um grave problema do país e 54% acreditavam que ela havia aumentado no último ano. O relatório foi publicado em setembro de 2019.

Apesar disso, somente 11% disseram que haviam pago propina nos últimos 12 meses, um dos menores índices entre todos os países pesquisados. Chilenos e argentinos, por exemplo, pagaram mais propinas que brasileiros. “Os brasileiros têm uma percepção muito forte de que há corrupção. A imprensa dá muita ênfase à corrupção. Outros países não percebem tanto. Não acho que a corrupção é algo que está matando o país”, declara Lepre.

Turbulência

De acordo com o professor Tomio, a tendência é que todos os países passem a viver mais turbulências políticas e criem novos partidos e movimentos políticos. “Não só no Brasil, mas em toda América e na Europa. A estabilidade do sistema partidário na maior parte das democracias deve se alterar aceleradamente nas próximas décadas”, afirma. O Brasil estaria um pouco à frente nesse processo. “Institucionalmente, poucas democracias e sistemas eleitorais dão tanta liberdade para o eleitor realizar alterações no governo e escolher partidos e candidatos em eleições proporcionais quanto o Brasil.”

Educação

Há quem defenda que o Brasil precisa de mais instâncias de participação, como os conselhos populares. O professor Mário Sérgio Lepre discorda. “Já há muitos conselhos. E vários deles reclamam da falta de participação das pessoas. Ou seja, não é criando mais conselhos que vamos aproximar o cidadão da política.”

Na visão dele, nem mesmo as entidades de classe têm contribuído para reduzir a distância entre representantes e representados. “De modo geral, elas são corporativas e atendem a setores privilegiados. Basta ver quantas entidades de classes de magistrados existem.”

Para o professor da UEL, a educação é o único caminho viável para aproximar mais a sociedade dos espaços de decisão política. “Só a educação pode levar a um compromisso do homem com o que está ao seu redor, ensiná-lo a ser mais empático.”

Fabrício Tomio defende a atuação das entidades de classe, mas concorda que elas tendem a atuar de forma corporativa. “Mas essas organizações corporativas tendem a perder espaço para outras formas de organização ligadas a movimentos políticos, identitários, religiosos, etc.”

Democracia

Para o professor Mário Sérgio Lepre, a democracia brasileira está a caminho da consolidação e dificilmente o país sofreria retrocessos. “Nossa estrutura constitucional é boa. Há gente que acredita que a democracia não termina por tanques, mas por imposição vagarosa sobre as instituições. Não visualizo esse tipo de coisa. Temos uma democracia forte.”

Para ele, a “guinada política” que foi a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL) mostra a “pujança” do sistema democrático brasileiro. “Antes tínhamos PT e PSDB. A eleição mostrou que outros grupos podem comandar o país.”

Já o professor da UFPR afirma que as democracias sempre correm risco. Mas não seria o caso do Brasil atual. “Creio que as instituições políticas democráticas são razoavelmente sólidas e há mais interesses contrários às ameaças de ruptura do que qualquer ameaça de fato à democracia no curto prazo”, declara.

Ele alerta, no entanto, para a possibilidade de queda da qualidade da democracia brasileira. “O maior risco é de medidas legislativas que violem os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos e de minorias. Francamente, espero e torço para que isso não ocorra a médio prazo”, ressalta.


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