Eles estão morrendo basicamente em duas situações: em supostos confrontos com a polícia e no tráfico de drogas. E sempre em situação de bastante violência. “Nunca é apenas com um tiro. É extermínio, sem chances de defesa”, relata a gerente de média complexidade da Secretaria Municipal de Assistência Social, Sandra Coelho. A mortalidade de adolescentes e jovens negros em Londrina e no Brasil revela a face mais cruel do racismo que ainda existe e cresce.
O Mapa da Violência 2014/Jovens do Brasil, divulgado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), mostra que, entre 2002 e 2012, enquanto o número de homicídios de jovens brancos diminuiu 32,3%, o de negros cresceu 32,7%. Em Londrina, não há estatística que aponte toda a dimensão do problema, mas um recorte feito pelo Creas 2, serviço municipal que atende adolescentes em conflito com a lei, dá uma amostra do que está acontecendo com os jovens negros. No ano passado, dos 47 adolescentes, com idades entre 13 e 19 anos, que morreram por homicídio, 33 eram negros (22 pardos e 11 pretos).
Sandra Coelho afirma que o jovem negro sofre mais violência do que a comete. Até chegar ao destino fatal, ele é exposto a uma série de situações de vulnerabilidade: pobreza, baixa escolaridade, pouco acesso aos bens de consumo e ao mundo do trabalho, assédio do tráfico de drogas. Outro recorte também mostra que os meninos são os que mais morrem por serem mais cobrados pela sociedade para serem provedores. “Por isso acabam se lançando mais a situações de risco.”
Essa realidade será discutida, no próximo sábado, em uma audiência pública na Câmara de Vereadores: “Genocídio da juventude negra: devemos mudar esta realidade”. A promoção do evento é do Legislativo, do gabinete da vereadora Elza Correia (PMDB), do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo e do Ministério Público (MP).
O Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo foi instituído há quase três e é coordenado pelo MP, com integrantes do poder público, do movimento negro, das universidades, entre outros representantes da sociedade civil organizada. Sua atuação, de acordo com o promotor Paulo Tavares, tem sido no sentido de promover a reflexão e combater o racismo e a discriminação racial. Um dos objetivos da audiência pública é refletir sobre ações que mantenham o jovem negro vivo. Segundo Sandra Coelho, quanto mais medidas de proteção – acesso à escola, trabalho, cultura, esporte, lazer – mais longe da violência este jovem fica.
“É secular a ideia de cor relacionada à marginalidade”
A docente do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Maria Nilza Silva, integrante do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo do Ministério Público (MP), afirma que não há como negar que os jovens negros morrem mais e de forma violenta e de que essas mortes estão relacionadas ao racismo. “É secular a ideia de que a cor está ligada à marginalidade, à moral inferior. Assim, o jovem negro seria mais propício a cometer crimes.”
Essa mentalidade, segundo ela, surgiu no século 18, com a ascensão do racismo científico. A ciência vai ratificar a existência de raças superiores e inferiores. O ápice é a Segunda Guerra Mundial, com a perseguição a todos que não eram brancos e, portanto, estariam em processo evolutivo inferior.
A partir do final da Segunda Guerra Mundial, são criadas instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) que começam a lutar contra o racismo. “Hoje a ciência diz que não existem raças, o que há é a raça humana. Mas estas ideias antigas ainda permanecem.”
Histórias de violência
Irmã, tia e namorada relatam algumas situações de violência vividas por jovens negros na periferia de Londrina. Nenhuma delas se identificou, porém, por medo de represálias.
A moto tão sonhada, a primeira aquisição assim que começou a trabalhar, custou-lhe uma abordagem policial sob a suspeita de roubo. “Ele conseguiu provar que a moto era dele, mas ainda assim bateram nele”, conta a tia.
A ex-namorada de outro jovem relata que ele queria casar, ter filhos. “Ele tentou algumas vezes conseguir um trabalho bom, mas era só falar onde a gente mora e ninguém dava emprego.” O rapaz acabou morto por traficantes, segundo ela.
Outra garota diz que o irmão trabalha e estuda, nunca usou nenhum tipo de droga, mas teria ter sido abordado pela polícia de forma violenta. “Ele dizia que não mexia com isso, mas os policiais disseram que ou ele falava onde estava a droga ou colocariam droga e arma com ele. Meu irmão chorou muito e por sorte acabaram liberando ele.”
Outra jovem conta que levou um susto quando viu o namorado. “Ele chegou com a boca ensanguentada e a perna machucada. Disse que a polícia parou ele, dizia que ele estava com droga, mas ele não estava.”
O promotor Paulo Tavares afirma que o Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo tem relatos de mães que mostram que a abordagem policial é mais intensa quando se trata de jovens negros.
Segundo ele, há situações em que as mães relatam que, em um grupo de jovens onde há brancos e negros, só os negros são abordados.
O JL não conseguiu falar com a Polícia Militar (PM), porque ontem à tarde não havia expediente na corporação.