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A arte da sobrevivência

Fonte: Ranulfo Pedreiro – Revista Mercado em Foco/ACIL 

Fique em casa. Para muitos empresários, o conselho expresso pelos órgãos de saúde virou sinônimo de turbulência. A recomendação, que em determinados momentos foi imposta como lei, veio para combater a pandemia. No entanto, a lógica do mercado é capaz de surpreender até mesmo os mais pessimistas. Pois mesmo com um cenário difícil, cheio de incertezas e turbulências, houve quem conseguiu navegar com segurança rumo a um bom desempenho empresarial.

Em alguns casos, segmentos inteiros tiveram resultados positivos diante da pandemia. A generalização, como sempre, tem seus riscos. Mesmo entre os setores que se destacaram houve problemas e readaptações. A pandemia também exigiu reformulação nos modelos de gestão, e quem não se mexeu dificilmente obteve algum sucesso. Um ramo que apresenta bons resultados não está isento de luta e sofrimento. Muitas empresas venceram, outras não deram conta.

Como, felizmente, muita gente seguiu o conselho para evitar a rua e as aglomerações, beneficiando a saúde, os hábitos de consumo mudaram. O dinheiro que era reservado para o lazer fora de casa foi convertido em eletrodomésticos, computadores e internet. O lar deixou de ser um ambiente estritamente familiar para também abrigar o trabalho e a diversão.

“As pessoas estão trabalhando em casa, comendo em casa e se divertindo em casa. Então elas estão procurando melhorar o computador, a internet, o celular, o fogão, a geladeira, a televisão. Quem trabalha com esses produtos, está indo bem, porque atende à mudança de hábito do consumidor”, comenta Fernando Moraes, presidente da ACIL e diretor comercial da rede Móveis Brasília.

Em pouco tempo, as vendas de eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos alcançaram níveis mais altos do que antes da pandemia. Segundo a Receita Estadual do Paraná, Londrina contava em junho com 91% de suas empresas em atividade, tendo como base para comparação o índice de 100% na primeira quinzena de março, antes da pandemia.

Alguns produtos destinados a pessoas físicas, com vendas no varejo em todo o Paraná, tiveram grande procura na semana do dia 15 de junho. Eletrodomésticos da linha branca, por exemplo, apresentaram alta de 53% em relação a março, período anterior à pandemia. A venda de televisores cresceu 29%, enquanto os celulares atingiram 16%. Os dados foram divulgados em boletim do Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social) no dia 24 de junho, baseado em informações da Receita Estadual. No mesmo período comparativo, também cresceram as vendas de móveis (38%), colchões (19%) e produtos de iluminação (19%). Automóveis tiveram alta nas vendas de 19%.

Para se ter uma ideia, a indústria moveleira de Arapongas levou o CAGED da Região Metropolitana de Londrina a crescer em 478 postos de trabalho no mês de junho. Só em Arapongas, no mesmo período, foram criados 593 vagas. Mas em Londrina ficou negativo, com 409 postos fechados. A situação londrinense, porém, mostrou recuperação diante da grande queda registrada em maio, de -1.789 vagas.

Previsões, números e expectativas

Em meio a prognósticos negativos, porém, o empreendedor londrinense, em sua maioria, acredita que o cenário econômico da cidade vai crescer. Na Pesquisa de Opinião do Empresário, divulgada pela Fecomércio do Paraná em julho, Londrina é a região do estado menos pessimista. Isso porque 40,4% dos empresários entrevistados acreditam que as coisas vão melhorar neste segundo semestre, contra 36,21% que disseram o contrário.

A pesquisa também mostra como as empresas que não foram afetadas ou até conseguiram crescer são minoria. Afinal, 82,7% dos entrevistados responderam que seus negócios no comércio, serviços ou turismo tiveram redução de receita por conta da pandemia. Apenas 9,9% não sofreram qualquer impacto, enquanto só 5,2% aumentaram o faturamento.

Mesmo assim, o impacto da pandemia deve ser bastante negativo no PIB per Capita de Londrina, que já vinha apresentando um crescimento inferior à média do Estado do Paraná. Em 2011, por exemplo, o PIB de Londrina ficou em R$ 24.515,17 (IBGE), pouco acima da média paranaense de R$ 24.459,00. Já em 2017, o cenário mostrou-se diferente. Londrina chegou a R$ 34.444,56, enquanto o Paraná alcançou R$ 37.221,00.

A explicação para a queda no crescimento está na dependência do setor terciário, que acrescenta menos valor ao PIB do que a indústria. “Cidades em que o setor industrial contribui mais para a formação do PIB apresentam PIB per Capita maior. Fundamentalmente porque, no processo de industrialização, a agregação de valor, especialmente em setores de uso intensivo de tecnologia é, na média, 24% superior em relação ao comércio, por exemplo”, explica o economista Marcos Rambalducci, consultor financeiro da ACIL e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Para ele, o PIB londrinense vai mal porque a cidade vem perdendo indústrias. “A queda no PIB per capita em Londrina acompanhou a redução da participação da indústria no PIB da cidade, que caiu de 19,3% em 2010 para 17,2% em 2017”.

Ao confrontarmos o número de empresas com o volume da atividade empresarial, surgem outros dados reveladores, reunidos no Manual de Indicadores de Desenvolvimento 2019 do Fórum Desenvolve Londrina. Enquanto o volume de empresas da cidade permaneceu estável entre 2009 (3,14 empresas em funcionamento para cada 100 habitantes) e 2018 (3,17 para cada 100 habitantes), a atividade empresarial caiu drasticamente no mesmo período, chegando a -1,68 durante a recessão de 2016.

A explicação estaria no aumento do número de MEIs (Microempreendedores Individuais). No mesmo período, de 2009 para 2018, o número de MEIs na cidade saltou de 241 para 23.087, crescendo exponencialmente enquanto o nível de atividade empresarial despencou. Não se trata, aqui, de criticar os MEIs, pois a iniciativa é importante e tira muita gente da informalidade. Mas os MEIs geram menos renda e, por consequência, menos emprego.

Ao pegarmos os dados de 2018 do IBGE, Londrina conta com 41.555 pessoas empregadas em 6.728 estabelecimentos comerciais, dos quais 5.896 são varejistas, empregando 34.460 pessoas. Mas, pela ótica da Prefeitura, baseada na arrecadação com o comércio em 2018, somam-se 14.282 contribuintes. Uma queda, se for comparado com os 17.885 registrados em 2017. Os dados são do Perfil Londrina 2019, da prefeitura, e mostram o quanto o mercado encolheu entre 2017 e 2018.

Essa conjuntura econômica tem um outro aspecto. A crise internacional de 2008 chegou ao Brasil atrasada, provocando uma recessão de -1,2 no PIB de 2009. Houve, em 2010 e 2011, uma forte recuperação, que logo entrou em queda até despencar para -4,6 em 2016. A recessão foi vencida apenas em 2017, mas sem grande crescimento. Levando-se em conta a queda econômica provocada pela pandemia, o país pode entrar em sua terceira recessão em pouco mais de uma década.

A queda da atividade econômica pode ser ilustrada em nível regional por dados do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho), que mostram um saldo positivo de 993 postos de trabalhos criados em Londrina no mês de fevereiro. Em março, com a chegada da Covid-19, caiu para -758, despencando para -1789 em maio. A recuperação, citada no início da matéria, foi forte, alcançando -409 (apenas Londrina) em junho. Ou seja, o mercado estava reagindo bem, com tendência de voltar ao azul, mas a quarentena imposta pelo Governo do Paraná tende a atrapalhar essa retomada.

Crescer, diante de um cenário desses, é mais do que um simples desafio. É um esforço fora do comum. Muitos setores de Londrina têm conseguido, mostrando como o mercado local é resiliente em sua estrutura econômica. Até mesmo uma pandemia pode ser superada em nome da sobrevivência.


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