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A obstinação que venceu todas as barreiras

Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL – Lúcio Flávio Moura

Quando a linha do trem dividia o núcleo urbano da jovem Londrina, a casa do menino Alberto ficava de um lado e a escola do outro. Nas manhãs do pós-guerra, o garoto precisava transpor trilhos e dormentes para chegar à escola. Muitas vezes, era preciso se esgueirar pelos vãos dos carros parados para prosseguir, uma lição prática para entender que nada é muito fácil na vida. De tão interessante, a estação deixou de ser passagem para se tornar ponto de partida. Foi ao som dos apitos da máquina que o filho de eslovacos começou a telegrafar sua história.

“Eu era muito curioso e o diretor de comunicação da estação autorizou que eu ficasse um pouco antes da aula acompanhando a operação do telégrafo. Fazia isso todos os dias. Em seis meses, eu já entendia muita coisa do ofício. Na verdade, procurei o conhecimento antes de procurar o emprego”.

A memória de Alberto Rapcham – hoje um senhor de 81 anos que fala com lucidez e sagacidade – recupera sem muitas dificuldades a própria trajetória.

A cada passagem contada, o eminente rotariano, fundador da Indrel, do Sindimetal e ex-presidente da ACIL (1988-1990), confirma sua reputação de ser um homem tenaz, cheio de convicções e especialista em transpor obstáculos.

O trabalho precoce e bem feito na estação ferroviária abriu portas para ingressar na Hermes Macedo. A rede varejista que marcou época no Paraná contratou o chefe da estação, que levou o jovem Alberto para ser o operador de telégrafo, elo da filial com a matriz na capital. “Fui um dos três primeiros funcionários em Londrina”, lembra.

Com o tempo passou a montar geladeiras, fogões e outros eletrodomésticos que à época eram importados e chegavam encaixotados às lojas. Até a maioridade, Rapcham foi se aperfeiçoando em estudos técnicos e durante o serviço militar no Rio de Janeiro, certo de que seu conhecimento precisava ser aperfeiçoado, começou a investir em cursos por correspondência de uma escola norte-americana, primeiro o de engenharia eletrônica e depois de projetista de transmissor de rádio (para radioamadores). O que mais atraiu Rapcham foi o predomínio de aulas práticas do programa. “Era 75% do curso e isso acelerou muito meu aprendizado. Por isso defendo que o ensino público profissionalizante seja desta maneira, com menos teoria. A inspiração pode ser as autoescolas”.

Na volta a Londrina, no início dos anos 1960, concluiu outras duas faculdades – Matemática e Administração.  Ao mesmo tempo, o feeling para os negócios era depurado em duas frentes de empreendedorismo: a montagem e a venda de transmissores de rádio (a clientela era basicamente composta pelos fazendeiros da região) e a venda e a instalação de aparelhos de raio X (negociados com clínicas e hospitais).  Alguns anos depois, foi representante autorizado para a região da marca Brastemp, oferecendo assistência técnica ao crescente mercado.  

Fatos memoráveis

A curiosidade, iniciativa, disciplina e obstinação do filho de eslovacos resultaram na Indrel Scientific, uma empresa com mais de 50 anos de história e que atualmente exporta sofisticadas máquinas de refrigeração científica para as áreas médico-hospitalar, laboratorial e de pesquisas científicas para dezenas de países latino-americanos e do Oriente Médio.

As décadas de trabalho foram pontuadas de episódios de superação e de pioneirismo. Orgulha-se, por exemplo, de ter sido um dos fabricantes de freezers horizontes para a Coca-Cola e a Pepsi. 

Outro fato memorável, conta o industrial, foi sua participação no primeiro transplante de rim do Paraná, realizado no antigo prédio do Hospital Universitário, onde funciona hoje a Cohab, esquina das ruas Pernambuco e Alagoas. Com prestígio na classe médica, foi incumbido de fazer um engenho que garantisse a filtragem absoluta do ar na sala onde ocorreu o procedimento.  “Não havia uma referência, desenvolvi tudo passo a passo. E deu tudo certo, felizmente”.

A alma inquieta de Rapcham, que deixou para os filhos a tarefa de conduzir a Indrel nos últimos anos, não permite que a maturidade roube seus sonhos, de diversos quilates. O cidadão do mundo, um poliglota fluente em espanhol, eslovaco e inglês,  ainda acredita nos fundamentos que levaram seus ascendentes a migrar do Leste Europeu para a América do Sul, escapando por antecipação da opressão comunista.  Na sua imaginação, cabe um país moderno, desburocratizado, que resolve suas chagas a partir da livre iniciativa, do trabalho incessante,  do alto valor dado à inovação e ao conhecimento.  No idealismo de Rapcham, o desenvolvimento humano é a pretensão final.

“Eu me interesso em produzir o que eu produzo para melhorar a vida das pessoas. O lucro é apenas uma consequência”, diz o londrinense, chancelado por um amplo histórico de atitudes altruístas.

Para que outros empreendedores brasileiros consigam melhorar a vida das pessoas, o industrial sugere a mudança da cultura política. “O grande problema do Brasil é o mesmo que existia quando minha família desembarcou aqui”,  lamenta. “Os governos passaram, a política mudou, mas a questão central permaneceu a mesma. O grande problema é o travamento que o setor político faz com o setor empresarial”. 

E põe o dedo na ferida. “No Brasil as pessoas acham que os políticos e o governo vão produzir alguma coisa. Mas quem produz é o setor privado. O governo vive do setor privado. Foi criado um sistema desenvolvimentista, achando que o governo ia desenvolver a economia e controlar as coisas. No fim das contas, não desenvolve e não controla”, dispara.

Direitos e deveres

Rapcham enxerga uma permissividade no pacto social brasileiro. “Há um desprezo pelos deveres. No fundo, é o dever cumprido que funciona como a chave real que dá acesso aos direitos. O governo tem obrigação de criar deveres e cobrar a população”, recomenda.  Mas tudo na medida certa. Para ele, por exemplo, a carga tributária deveria ser reduzida drasticamente. “Não é eliminar completamente o tributo. É não sobrecarregar o empresário a ponto dele não suportar pagar”.

O ex-presidente da ACIL sonha com um país que use três elementos na construção de novos alicerces. A cooperação (“Sozinho a gente pode ir longe. Em grupo, no entanto, a gente pode ir muito mais longe ainda”), a formação (“O modelo de ensino público deveria ser inspirado na rede do Sistema S”) e a desregulamentação.

O líder empresarial que colocou o I na Associação Comercial de Londrina, no entanto, não gosta de incentivos fiscais. Ele espera que a cidade aposte em outros ativos para manter e expandir a atividade industrial, sem criar distorções e injustiças.

“Deveríamos atrair empreendedores e investidores, ressaltando a qualidade do padrão de vida que nós temos em Londrina. E temos que lutar sempre também pelo incremento da nossa infraestrutura. Não estamos tão longe assim dos grandes centros. É preciso apenas simplificar os deslocamentos”, aposta.

A mesma ideia que o fez perseguir novas tecnologias em feiras industriais no mundo desenvolvido explica sua esperança de contemplar um Brasil e uma Londrina diferente no futuro. “Eu acredito na evolução da coisas”, sentencia, com um olhar que transborda sinceridade.


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