A Assembleia Legislativa (AL) do Paraná aprovou ontem o parecer do líder do governo, Ademar Traiano (PSDB), que desautoriza o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a dar prosseguimento à Ação Penal (AP) 687, referente ao suposto uso irregular de recursos da saúde pelo governador do Estado, Beto Richa (PSDB), na época em que ele era prefeito de Curitiba. A votação aconteceu em duas sessões extraordinárias a portas fechadas, com a justificativa de se tratar de um processo em segredo de Justiça. Com isso, as investigações só poderão continuar quando Beto sair do Palácio Iguaçu, perdendo assim o foro privilegiado. Neste caso, não haveria prescrição.
A imprensa foi autorizada a entrar no plenário apenas às 11h05, uma hora após o início da votação. Apesar do sigilo, inédito na Casa desde a redemocratização, o resultado foi registrado no painel eletrônico e, instantes depois, apareceu normalmente no Portal da Transparência da AL. No segundo turno, foram 40 votos pelo arquivamento, cinco contrários, dos parlamentares petistas Elton Welter, Enio Verri, Luciana Rafagnin, Péricles de Mello e Tadeu Veneri, e uma abstenção, de Toninho Wandscheer (PT).
A denúncia, proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2011, corresponde ao período de 14 de novembro de 2006 a 31 de dezembro de 2008, relativo à primeira gestão do tucano à frente da prefeitura da capital. Conforme consta nos autos, o MPF apura se ele empregou de forma irregular R$ 100 mil recebidos de um convênio com o Fundo Nacional de Saúde. Segundo Traiano, os fatos narrados na denúncia não responsabilizam o governador, “até porque o valor foi devolvido à União e todas as providências cabíveis foram tomadas à época”.
Líder do PT, Veneri criticou, por outro lado, o “excesso de mistério” em torno do processo. “Primeiro porque esse processo estava aqui há dois anos, aguardando que o presidente (da AL, Valdir Rossoni, do PSDB) colocasse em votação”, afirmou. “Segundo, me parece desnecessário falar em sigilo quando o próprio governo manda uma nota à imprensa com algumas inconfidências que nem nós tínhamos conhecimento na íntegra”.
Na nota citada por Veneri, o Palácio Iguaçu informou que o governador abriu mão do sigilo e que o segredo de Justiça foi decretado a partir de um pedido do MPF, sem qualquer interferência dele. Disse, ainda, que o dinheiro seria destinado à reforma de três unidades de saúde. Como a administração concluiu que havia também a necessidade de ampliação das unidades, teria optado por realizar as obras com recursos próprios. “Os valores conveniados foram integralmente restituídos à União Federal, com os devidos acréscimos legais”, diz trecho do documento. A devolução foi atestada por um parecer da divisão de convênios e gestão da pasta, emitido em janeiro de 2009.
Beto argumentou que não era o coordenador de despesas do Fundo Municipal de Saúde e que, por isso, “não pode ser responsabilizado pessoalmente pelos créditos e débitos efetuados na conta do convênio em questão”. A responsável pela movimentação, segundo o chefe do Executivo, era a ex-chefe do setor de finanças da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Marinete Afonso de Mello, “demitida a bem do serviço público, por ter confessado o desvio de verbas do Fundo”. Em 2009, ela, o então marido, Marcelo Jorge de Mello, e uma sobrinha de ambos foram acusados de se apropriar indevidamente de mais de R$ 2 milhões da pasta. Além da demissão, a gestão tucana argumentou que adotou “todas as medidas legais para reaver os valores desviados pela ex-servidora”.
Como a AP 687 foi aberta um ano depois de o tucano se tornar governador, a continuidade do caso no STJ dependia da aprovação da licença prévia, por dois terços dos membros da AL. A exemplo do que ocorre em outros 17 Estados brasileiros, a Constituição do Paraná obriga que o trâmite passe pelo aval do Legislativo. A exigência é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adi) proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que ainda aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 2011 e 2012, o STJ encaminhou dois ofícios à AL, pedindo que a Casa se manifestasse a respeito da AP. No final de setembro, sabendo que o processo fora “esquecido”, a bancada do PT cobrou um posicionamento do plenário, o que só veio a acontecer ontem. Rossoni, que dissera ter na gaveta “coisas até do ex-governador Roberto Requião (PMDB), de muito tempo”, ontem não quis comentar quantas solicitações do STJ estariam, de fato, pendentes de análise. “Sabíamos de pedidos do STJ que não vieram a plenário. Agora, eu não vou especificar e também não estou aqui para entrar em gestões de outros presidentes”. Já o líder do PT contou que deve protocolar na segunda-feira um pedido de informações à Mesa Executiva, para que todos os ofícios enviados pelo STJ sejam trazidos a público.