Tributo ao pagador de impostos

Três personagens reais fazem um fiel retrato deste herói brasileiro erroneamente chamado de contribuinte e forçado a carregar a máquina pública nas costas

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Fonte: Paulo Briguet – Revista Mercado em Foco – ACIL


Como diria o Padre Quevedo, contribuinte “non ecziste”. O
que existe é o pagador de impostos. Todo brasileiro é pagador de impostos desde
o momento em que adquire qualquer produto — de um carro zero a um saco de
feijão — no qual estão embutidos os tributos, taxas e contribuições que a cada
dia se modificam e multiplicam, desafiando a capacidade de entendimento dos
mais atentos especialistas.

Atento especialista é o mínimo que se pode dizer sobre
Frederico Theophilo, advogado com experiência de mais de 40 anos em causas
tributárias. Desde o final da década de 1970, quando deixou de ser fiscal da
Receita e passou a defender contribuintes, ops!, pagadores de impostos, Doutor
Frederico luta para garantir o cumprimento da lei e a sobrevivência das empresas
em um cenário que se modifica a cada hora. E quando dizemos “a cada hora”, não
é força de expressão. “A quantidade de medidas fiscais publicadas a cada ano
beira a casa de 200 mil, somando a União, os 27 estados e os 5.600 municípios”,
diz Theophilo. “É impossível acompanhar tantas mudanças. Tento seguir apenas os
casos que afetam diretamente os meus clientes.”

Dentro dessa floresta de normas e regulamentações em
constante crescimento, o chamado planejamento tributário torna-se impossível.
Dr. Theophilo não quer enganar ninguém: “Não sou pessimista, sou realista. E
preciso ser sincero com as pessoas. Quando um empresário me procura, eu digo
que não posso oferecer um mínimo de previsibilidade. Não há como fazer
planejamento tributário, a não ser em coisas triviais, como optar por lucro
presumido ou lucro real. Eu poderia até fazer um planejamento com boa intenção,
mas o Estado vai mudar tudo antes que eu o coloque em prática”.

Frederico Theophilo enumera, em cascata, as recentes
modificações mais impactantes propostas ou impostas pelo governo. Primeiro foi
a tentativa de cobrar 25% de imposto de renda na fonte para viagens ao
exterior, depois baixado para 6%, no típico exemplo de “bode russo na sala”,
uma vez que esse tipo de tributação, por se referir a serviços prestados fora
do país, não deveria existir. A tabela do IR está sem correção há muitos anos,
com defasagem de mais de 60%, empurrando milhões de brasileiros para a boca do
Leão. As alíquotas do PIS-Cofins podem ser alteradas a qualquer momento pelas autoridades
econômicas. Existe um movimento do governo para tributar a exportação de
produtos agrícolas — o que seria um tiro no pé do único setor que ainda resiste
à crise. A inflação, considerado o pior de todos os impostos, já voltou. E, é
claro, não poderíamos esquecer a CPMF, que tem sido a obsessão dos atuais
ocupantes do Palácio do Planalto.

Numa economia marcada pela queda de 7% no PIB dos últimos
anos, a carga tributária de 36% fica ainda mais pesada. Se somarmos a isso à
forte presença das estatais no cenário econômico, veremos que o Brasil
praticamente trabalha para carregar o governo nas costas. “Essa montanha de
dinheiro é cobrada porque as despesas do Estado são muito grandes. E pior: não
há contrapartida na prestação de serviços públicos de qualidade”, observa
Theophilo. (Nem falemos na corrupção.)

Sem segurança jurídica, sem possibilidade de planejamento
tributário, sem confiança nas ações do governo — o que fazer, Doutor Frederico?
“A primeira atitude é ter um pensamento coletivo, não individualista. O
empresário tem que pensar nos interesses da coletividade, e não apenas nos
seus. Precisamos nos unir, porque estamos todos no mesmo barco”, aconselha o
tributarista. É o lema que norteia as ações da ACIL: o “nós” vem antes do “eu”.
Só o “nós” poderá desatar esses nós.

A curva dos impostos

O que mais preocupa Marcus Vinicius Gimenes é o fechamento
de empresas por causa do aumento de impostos e custos de produção. Empresário
do setor metal-mecânico e diretor industrial da ACIL, Gimenes viu com pesar,
nos últimos meses, o fechamento de indústrias como a Dako-Continental, há
várias décadas no mercado nacional de fogões. À frente de duas plantas
industriais ligadas ao setor automobilístico e de máquinas para construção
civil, o empresário teve de se adaptar a uma brutal queda de demanda. “Nossos
clientes estão comprando muito menos, e não poderia ser diferente: o mercado de
caminhões caiu 37% no ano passado e em janeiro de 2016 caiu 50% em relação ao
mesmo mês do ano anterior”, explica. Nos anos 90, as suas empresas chegaram a
empregar 270 pessoas. Nos últimos anos, a média foi de 130. Hoje são apenas 80.

“Quando o tributo aumenta, a primeira tentativa do
empresário é repassar aos preços”, diz Gimenes. “Mas isso não é possível agora.
Além da concorrência, a demanda está em queda. Se você aumenta o preço, caem as
vendas.” O empresário pagador de impostos vive numa corda-bamba tentando
produzir e continuar gerando empregos em meio ao cenário de crise. “A escalada
de aumento da tributação — seja através de mecanismos como a substituição
tributária, seja pelo reajuste de alíquotas — é inegável. O único tributo
extinto foi a CPMF, que agora o governo tenta ressuscitar.”

A carga tributária elevada acaba por engessar o crescimento
econômico. Muitas empresas, quando começam a produzir mais, são obrigadas a
“puxar o freio de mão” para não sair do Simples e passar ao regime normal de
tributação. “Faturar um real a mais do que o limite de enquadramento do Simples
pode causar um grande prejuízo à empresa.”

Na opinião de Marcus Gimenes, falta aos nossos governantes
levar em consideração a curva de Laffer, criada pelo economista americano
Arthur Laffer (1940-), que mede a relação entre a carga tributária e a
arrecadação. A curva mostra que há um ponto de saturação em que a arrecadação
atinge seu limite; a partir daquele ponto, começa a cair. “Quando um país
entende que uma carga tributária menor significa mais dinheiro nas mãos da
sociedade e mais investimentos, começa-se a trilhar o caminho da prosperidade”,
afirma o analista político Alexandre Borges. Infelizmente, os políticos
brasileiros estão longe desse entendimento. “A conta não fecha. O tamanho do
Estado é incompatível. É muito governo para pouco país”, resume Gimenes.

O Simples complicado

O comerciante João Batista Nunes é um caso clássico de
pagador de impostos. “Hoje em dia, quem mais sofre é quem paga todos os
impostos. Nós somos assim: trabalhamos na legalidade e sofremos uma carga muito
pesada”, diz o empresário, que há 15 anos tem uma loja de materiais elétricos
na Avenida Tiradentes, em Londrina. Vendedor de lâmpadas, muitas vezes com
margem de lucro próxima de zero, Nunes não consegue enxergar a tal luz no fim
do túnel. Mesmo assim, não desanima e não perde a energia. “Estamos lutando,
fazendo propaganda, tentando atrair o cliente de todas as maneiras”, garante.

O maior pesadelo de João Nunes começou quando várias
indústrias do setor saíram do Paraná e foram para São Paulo em busca de um ICMS
menor. “Quando o governo do estado se viu sem essas indústrias, veio com tudo
para cima dos comerciantes, com a tal substituição tributária. O resultado é
que os comerciantes estão se arrastando no chão para tentar sobreviver”,
relata.

Na semana em que foi entrevistado, Nunes havia acabado de
fazer um financiamento bancário, pagando juros altíssimos, para tentar manter o
negócio. Os números são cruéis. Na loja da Avenida Tiradentes, o faturamento
havia sido de R$ 423 mil em janeiro de 2015; caiu para R$ 267 mil em janeiro de
2016.

Além de continuar investindo em qualidade de atendimento e
comunicação, João Batista Nunes acredita que o empresariado tem que unir forças
para simplificar o regime tributário. “No começo, o Simples era realmente bom,
unificado. Mas foi distorcido com a criação de novas regras e obrigações. O
Simples se tornou complicado.”

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