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Chefe único, chefe fixo

Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL – ​Por Ranulfo Pedreiro

Um dispositivo da Constituição de 1988 previa, no fim dos conturbados anos 1980, a realização de um plebiscito para discutir o sistema de governo. A votação ocorreu em 1993, com vitória ampla do presidencialismo. Há semelhanças entre aquele período e a atualidade. O Brasil passava por uma crise política e econômica após o impeachment do presidente da República – Fernando Collor de Mello -, e os rumos turbulentos do País suscitaram a polarização tão frequente, hoje, nas redes sociais.

O fato é que, 25 anos após o plebiscito, o debate entre parlamentarismo e presidencialismo continua dividindo opiniões, tendo como cenário, além da crise, as reformas tributária, política, previdenciária e trabalhista. Um jogo de tensões cuja regra, por enquanto, tem sido o toma-lá-dá-cá alimentado pelas benesses dos cofres públicos.

A somatória de crise política e econômica já levou o país ao parlamentarismo em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. Na ocasião, o vice João Goulart estava na China. Seu retorno para assumir a presidência causava apreensão em diversos setores, incluindo os militares.

Instituiu-se, então, um parlamentarismo transitório para que Jango voltasse ao país como presidente, tendo Tancredo Neves no cargo de primeiro ministro. Em sua curta existência – até o plebiscito de 1963 (garantindo o retorno do presidencialismo), há 55 anos – o parlamentarismo republicano brasileiro teve três primeiros-ministros em 17 meses.

Outra experiência, ainda mais antiga, deu-se no Império, e foi tão longa quanto esdrúxula. Durou de 1847 a 1889, e tinha uma peculiaridade. O chefe de governo, em vez de ser escolhido pelo Legislativo, era apontado pelo próprio imperador.

Monarquia presidencialista

Mas o plebiscito de 1993 também poderia ter gerado, digamos, uma jabuticaba. A cédula de votação permitia escolher a forma de governo (Monarquia ou República) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo). Ou seja, corremos o risco de instaurar uma singular monarquia presidencialista.

Historicamente, portanto, as discussões sobre mudança de sistema de governo surgem em momentos de instabilidade. “O plebiscito [de 1993] foi realizado num período de crise. É interessante que agora vem à tona de novo a questão do plebiscito, de se discutir o parlamentarismo, em razão de uma crise do próprio sistema. O parlamentarismo no Brasil nunca funcionou de fato”, alerta o professor Clodomiro Bannwart, do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina.

Com estudos voltados à Filosofia do Direito, Bannwart vê qualidades e problemas nos dois sistemas. “O parlamentarismo tem vantagens, mas também tem desvantagens. O fato de reforçar o parlamento, o Congresso Nacional, o Legislativo, seria importante. Mas qual seria o aspecto negativo? Você poderia ter uma maioria que não levasse em conta algumas minorias. Um parlamento forte tocará as medidas numa certa direção. E esse não é o histórico que nós temos no Brasil. Nós temos uma fragmentação de partidos. Se você perguntar se o partido é de esquerda, direita ou centro, eles não terão essa coerência”, ressalta.

O presidencialismo seria mais previsível, de acordo com o professor: “É um sistema que assegura a legitimidade por meio das eleições em relação à escolha do presidente. É uma escolha mais direta. E ela dá uma certa previsibilidade, porque tem um mandato fixo. O parlamentarismo não te dá isso. A cada crise, cai. O parlamentarismo consegue sair da crise de forma mais rápida. Porém, trocar o primeiro ministro não significa acabar com a crise. E você pode ter um estado permanente de crise. O presidencialismo dá mais estabilidade. Porém, se nesse percurso o governo entrar em crise, você terá uma dificuldade maior para resolver.”

A fragmentação partidária seria um empecilho à coalizão necessária para que o Executivo dialogue com o Legislativo. Assim, para formular uma base aliada e aprovar medidas, é preciso gastar.

“Nós precisamos de um aperfeiçoamento do próprio sistema de presidencialismo de coalizão. Hoje é praticamente insuportável um presidente gerir 35 partidos para formar uma base. Como esses partidos não têm de fato uma postura ideológica, eles mudam de lado a todo momento. E isso gera um custo para quem administra. E o custo, quem paga, somos nós”, revela Bannwart, destacando: “Os partidos não estão interessados que se faça uma mudança significativa porque eles são os que mais se beneficiam do sistema tal como ele está”.

Soma-se aos altos custos os benefícios concedidos pela Constituição de 1988, que acabaram aumentando as despesas públicas. Daí a importância de reduzir os custos do estado com as reformas política, tributária, previdenciária e trabalhista. Mas elas só poderiam ganhar a relevância necessária com a participação popular.

“O que falta é um aspecto democrático que envolva a participação da sociedade. E aí você chega num governo como o do Temer, que não tem nada a perder, sabe como funciona o Congresso Nacional e vai tocando reformas praticamente de costas para a sociedade. A reforma política no país só virá da pressão da sociedade”, assegura o professor.

Consulta desnecessária

Parlamentarista, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR) já estava na Câmara Federal durante o último plebiscito, em 1993. “Foi uma campanha e um plebiscito desnecessários porque a população foi levada a opinar sobre algo que ela não conhece”, comenta.

De lá para cá, no entanto, a discussão amadureceu. “Houve uma evolução muito grande desde aquela época. Na verdade, ninguém quer abrir mão do presidencialismo. Nós, que somos parlamentaristas, desejamos manter o presidencialismo e conviver com uma forma de administração que seja participativa entre o parlamento e o Executivo. A nossa proposta é não misturar a atual conjuntura adversa com a discussão parlamentarista”, acrescenta.

O parlamentarismo, portanto, não seria uma panaceia para crises, adiando o debate para conjunturas mais oportunas. “A discussão parlamentarista continua junto com o presidencialismo. Nós desejamos um parlamentarismo forte, como é na França e em outros países europeus. Mas não queremos agora. Esperamos tantos anos, vamos esperar um pouco mais”, conclui Hauly.

Pré-candidato ao senado, o ex-prefeito de Londrina Alexandre Kireeff (Podemos/PR) também acompanhou o debate de 1993, e acredita que o parlamentarismo entregaria o governo a um parlamento inconsistente. “Eu sou presidencialista. Uma proposta de parlamentarismo hoje no Brasil seria basicamente entregar o mando deste país a uma categoria, um conjunto de políticos no qual a população não confia de forma alguma. Eu continuo tendo minha visão em favor do presidencialismo, eu acredito que um passo fundamental seria a autorização das candidaturas independentes”, defende.

O deputado federal Alex Canziani (PTB/PR) já era parlamentarista na época do plebiscito. “Eu tive uma participação naquele momento. Eu acreditava e acredito que o parlamentarismo seria uma forma mais evoluída para a gente poder tratar nossa democracia”, assegura.

“Eu me lembro de que, na campanha, o pessoal do presidencialismo dizia que, no parlamentarismo, você iria votar sem saber quem seria o presidente, no caso, o chefe de governo. Isso foi uma coisa que pegou muito naquele momento. Nós perdemos. Eu defendia o parlamentarismo. Agora eu não sei se seria possível voltar a esse debate. Porque teoricamente a população decidiu que não queria o parlamentarismo. Em quanto tempo, então, nós poderíamos ter um novo plebiscito ou uma nova proposta? Volta e meia surge essa discussão lá [na Câmara]”, complementa.

A pluralidade de opiniões converge, porém, para uma unanimidade. O desejo de que a democracia brasileira continue amadurecendo com o embate saudável de ideias e propostas.


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