Por
Renato Oliveira
Assim
como os dados sobre o imposto de renda, que são unificados e o
simples cruzamento de informações do contribuinte pode pegar os
sonegadores na malha fina, o governo federal está prestes a
implantar o e-Social, que visa acabar com o “jeitinho brasileiro”
nas relações entre patrões e empregados. E será fiscalizando
dados referentes à medicina do trabalho que vai ser possível evitar
fraude em exames admissionais, periódicos e demissionais.
De
acordo com o delegado regional da Receita Federal em Londrina, David
Oliveira, o sistema está sendo desenvolvido em conjunto pela Caixa
Econômica Federal, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
pelos Ministérios da Previdência Social (MPS) e do Trabalho e
Emprego (MTE) e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB). O
cronograma da Caixa prevê que a norma será obrigatória a partir do
segundo semestre de 2015.
“A
finalidade é integrar a gestão social das relações trabalhistas.
Assim como é exigido das empresas a gestão ambiental para não
afetar a natureza, o e-Social
vai simplificar a relação em termos de direitos trabalhistas,
previdenciários e sociais”, compara.
O
delegado da Receita ressalta que não haverá mudanças na legislação
vigente, mas somente na forma de fiscalização destas obrigações e
consequente punição. Com relação à medicina do trabalho, o cerco
vai se fechar no cumprimento da norma que obriga o funcionário a
fazer o exame admissional antes de começar a trabalhar.
Ele
acredita que as empresas de menor porte vão sofrer mais os efeitos
da nova regra e cita o contador, que geralmente é terceirizado
nestes casos, como o agente responsável por incutir na mentalidade
do empregador as mudanças. “Com o sistema não vai mais existir
informações pulverizadas e diferentes em cada órgão. Vai
prevalecer como vantagem a boa fé”, diz.
Rotina
contábil
De
acordo com o proprietário do escritório de contabilidade Pontocom,
o contador Euclides Nandes, para se adequarem ao e-Social, as
empresas especializadas em terceirizar serviços contábeis e de
recursos humanos para micro e médias empresas tiveram que investir
em treinamento e contratação de pessoal
especializado e na instalação de softwares específicos, além de
ter pela frente o desafio de mudar a cultura do empresariado.
“A
legislação é a mesma. A maior mudança será cultural. A gente vem
conversando muito no sentido de orientar os clientes (empresas que os
escritórios atendem) para que observem com mais rigor a legislação
trabalhista. Culturalmente, a gente vê que alguns procedimentos não
se cumprem à
risca”, contextualiza.
Nandes
cita como exemplo corriqueiro o registro em carteira de trabalho de
funcionários com datas retroativas. Segundo o contador, na prática
as empresas mandam para os escritórios a documentação para
registro do funcionário até 15 dias depois que ele começou a
trabalhar, muitas vezes com os exames admissionais prontos.
“O
grande foco do e-Social
vai ser obrigar todos os empresários a cumprirem à risca as 48
horas exigidas pela legislação trabalhista para registro do
colaborador. E essa prática de deixar para depois pode incorrer em
multa para a empresa se o MTE fizer uma fiscalização”, alerta.
Outro
caso clássico é o de agendamento de férias com menos de 30 dias da
data de saída para gozo do funcionário, exigidos pela legislação
trabalhista. “Isso já existe, mas muitos dão um jeitinho e
agendam faltando uma semana. Com o sistema integrado pelo e-Social
não vai ser mais possível. Vai ter que cumprir o que está na lei”,
completa.
Medicina
laboral
Para
o proprietário da Doutores do Trabalho, clínica especializada na
atividade médica laboral, Oscavo Santos, a mudança para o universo
digital vai ajudar a coibir o “jeitinho brasileiro”,
principalmente na hora de contratar um funcionário. Ele cita uma
situação corriqueira no mercado de trabalho: o patrão segura a
documentação, muitas vezes com o exame admissional em mãos, para
registrar o funcionário quando ele terminar de receber o
seguro-desemprego.
“É
um fato corriqueiro esse acordo entre empregado e patrão, mas é um
crime contra o cofre da previdência. O benefício de
seguro-desemprego serve para prover o trabalhador quando está
desempregado, e não como uma fonte de renda extra, além do salário
que é pago pelo patrão”, critica. “Tanto patrão como
empregados que fazem isso são desonestos”, completa.
Segundo
Santos, com o e-Social integrado à medicina do trabalho, a Receita
terá condições de saber se a empresa possui no seu quadro de
colaboradores algum funcionário sem o devido registro, e assim
coibir fraudes. O dono da Doutores do Trabalho frisa que vai ser mais
fácil para informar às empresas sobre outros exames periódicos. O
processo de solicitação de seguros do Instituto Nacional da
Previdência Social (INSS), como acidentes de trabalho ou doenças,
também deve ser facilitado.
Informatização
De
acordo com o coordenador administrativo do Instituto de Saúde
Ocupacional (ISO), Wellington Telles Soares, a grande dúvida das
empresas que utilizam sua clínica para exames laborais é sobre uma
possível mudança na legislação. “Não vai mudar nada nas leis
trabalhistas. Ela é a mesma. A informatização vai sim aumentar a
possibilidade de multar quem não estiver de acordo”, ressalta.
Segundo
Telles, o maior impacto será em médias e pequenas empresas que
possuem maior mobilidade entre as esferas de decisão. Em grande
empresas, por conta do volume de contratações e demissões,
raramente se posterga algum exame ou procedimento na medicina do
trabalho. “Mas quem tem o departamento fiscal ou de recursos
humanos terceirizado vai sentir muito mais na rotina diária”,
disse.
A
própria ISO está passando por mudanças, como treinamento de
funcionários, para poder atender quem solicita algum exame laboral
dentro das normas que passarão a valer a partir do ano que vem. “Mas
o sistema ainda não foi liberado para testes. Até lá ainda vai ter
que passar por alguns ajustes. Mas como já postergaram uma vez, com
certeza em 2015 ele entrará em vigor.”