Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL – Por Marco Feltrin
Missão, visão, valores. Os três pilares do planejamento estratégico são itens fundamentais na trajetória de uma empresa de sucesso.
Quem não pensa o modelo de negócio a médio e longo prazo tende a sentir na pele a triste estatística na qual seis em cada dez empresas abertas não sobrevivem após os cinco primeiros anos de atividade, segundo levantamento do IBGE.
A lógica que vale para o mercado corporativo também pode ser aplicada à gestão pública no âmbito municipal?
Para o coordenador do MBA em Gestão e Estratégia Empresarial da Unifil, Luis Marcelo Martins, a “receita do bolo” é a mesma para as gestões privada e pública.
No “modo de fazer” estão: analisar o ambiente, os recursos disponíveis, conhecer os fatores que vão dar a base do planejamento, criar um diagnóstico e gerar um cenário. O problema, no caso das prefeituras, está na instabilidade política.
“Você nunca planeja se não tiver objetivo definido. No caso da prefeitura, em 20 anos pode haver cinco gestões diferentes. Este novo prefeito não segue o planejamento, vai trabalhar em cima das prioridades dele. Isto causa transtornos e desvirtua o planejamento”, compara Martins. “Na organização privada é diferente. Qualquer seja a diretoria que está no comando, o planejamento segue sendo trabalhado de forma independente.”
O presidente da ACIL, Claudio Tedeschi, também aponta a descontinuidade das gestões como entrave para a elaboração do planejamento estratégico. No caso de Londrina, o cenário ainda foi agravado por crises políticas. “Chegamos a ter quatro prefeitos em um período de quatro anos! Perdemos muito em função de todo tumulto causado por estas mudanças. A descontinuidade tem um reflexo: toda hora mudam os rumos e não há expectativa de futuro”, analisa, reforçando que também cabe à sociedade cobrar da prefeitura que o planejamento seja feito e, independente do gestor, tenha sequência.
Se a análise do ambiente é o primeiro passo para a criação de um planejamento estratégico, pelo menos neste quesito Londrina está no caminho certo.
Desde 2006, o Fórum Desenvolve Londrina produz um manual de indicadores de desenvolvimento que serve como base para estudo com proposta para áreas como educação, segurança e mobilidade urbana. A visão de futuro mira a cidade em seu centenário, em 2034, com uma comunidade ativa e articulada, construindo uma urbe humana, saudável, tecnologicamente avançada, com uma economia diversificada e dinâmica.
“Precisávamos de um grupo para pensar Londrina a longo prazo. No setor público, as preocupações são sempre a curto prazo. E planejamento exige conhecimento factual das coisas”, explica o membro da diretoria do Fórum e consultor de inovação da
Adetec, Paulo Sendin. “Por isso criamos o caderno com cerca de 60 indicadores que analisam pontos importantes para o desenvolvimento de Londrina. Estes números são fotografias da realidade que nós tiramos da cidade e servem como base para as propostas”, ressalta.
Para realizar o exercício de imaginar a cidade lá em 2034 sem utilizar bola de cristal ou outro exercício de futurologia, o Fórum aposta na objetividade.
“Temos cuidado na elaboração dos estudos para não ter propostas absurdas. A gente se preocupa com coisas mais macros, uma visão de percepção das pessoas”, esclarece. “Uma das propostas levantadas foi o ensino de empreendedorismo nas escolas. Não é ensinar para, em 2034, ter mais dez mil empreendedores em Londrina. Mas achamos que para ter uma cidade com boa qualidade de vida precisamos de gente com visão empreendedora, no sentido de organizar as coisas para atingir um objetivo”, justifica. “Estas propostas não têm uma ligação direta, numérica, com um prazo futuro. É o que vai contribuir para chegarmos na visão de futuro que traçamos”.
Rota definida
Uma das cidades exemplo do País em relação ao planejamento estratégico é Belo Horizonte. A cidade já está na terceira versão do plano “BH no Rumo Certo”, um caderno de 340 páginas que traz tendências e cenários de longo prazo e estabelece desafios, metas e estratégias de desenvolvimento. O documento ainda tem uma divisão por áreas de resultado e sustentação de diretrizes como redução da pobreza, mobilidade sustentável, excelência na gestão orçamentária e financeira, smart city, entre outras.
A economista Marilena Chaves, coordenadora da terceira fase do projeto, trata como fundamental que o ponto de partida seja o conhecimento das metodologias de planejamento por parte de todos os envolvidos. No caso da capital mineira, houve uma confusão conceitual dos gestores e servidores com relação aos principais termos de planejamento durante a elaboração do plano.
“É preciso saber as diferenças entre projeto, programa e ação continuada, entre objetivos, metas e indicadores, estratégias e diretrizes. Estas confusões dificultavam muito a elaboração e avaliação dos textos, principalmente na hora de escrever e sintetizar as ideias”, conta, lembrando a importância da presença do prefeito em todo o processo.
“Foi um agente facilitador em momentos relevantes da elaboração do plano. Fez com que os gestores se engajassem com maior presença. Conheço casos em que as ausências do prefeito e dos gestores dificultaram a implementação”, relata.
Metrópole mais forte
Chama a atenção no planejamento estratégico de Belo Horizonte a importância dada à região metropolitana, que reúne 34 municípios e tem população estimada de 5,4 milhões de habitantes, sendo 47,9% moradores da capital.
Transportando para a realidade local, não há como pensar em um planejamento estratégico de Londrina sem falar nas cidades da região metropolitana, principalmente Cambé e Ibiporã.
Para o urbanista Nestor Rezente, professor da Universidade Estadual de Londrina, desde a década de 1970, quando foram fixadas regras para o uso dos espaços e expansão das cidades, o capital imobiliário se expandiu para as periferias, provocando também o crescimento das cidades vizinhas, integrando serviços e quebrando limites geográficos.
“Temos uma região metropolitana de fato e que precisa ser discutida quando se analisa Londrina. As interdependências entre os municípios são imensas, mas ainda não temos uma definição clara”, avalia. “As regiões metropolitanas sofrem de um mal congênito. Não se consegue o mínimo de atuação para o desenvolvimento. É preciso uma combinação entre prefeitos para que a gente crie uma nova situação. Este aglomerado urbano, que não é mais só Londrina, precisa desenvolver políticas públicas que atentem às necessidades da população”, cobra o urbanista.
A opinião é compartilhada por Paulo Sendin, do Fórum Desenvolve Londrina, que enxerga a cidade como um polo de atração devido ao atendimento diferenciado nas áreas de saúde, educação e no comércio. Para ele, tal característica deveria vir acompanhada de protagonismo político. “A gente não tem nenhum mecanismo decente de integração regional. São entidades políticas que raramente fazem algo de prático. Temos a Agência Terra Roxa, mas é uma iniciativa privada. Não houve nenhuma iniciativa governamental que tratasse vender a região para investidores”, lamenta o consultor, lembrando da criação nos anos 1970 da Metrópole Linear Norte do Paraná (Metronor), que durou apenas três anos como uma tentativa de planejamento estratégico regional. “Mudou o governo e o projeto ficou para trás. Se tivesse funcionado, estaríamos organizados de uma forma regional, e não como um arquipélago de municípios que não se falam muito. Estamos 40 anos atrasados”.
Como está o planejamento de Londrina?
Apesar de não ter documentos oficializados e formatados com o planejamento estratégico para os próximos, a atual gestão da prefeitura de Londrina trabalha na elaboração de projetos e metas para diversas áreas da administração pública.
O prefeito Marcelo Belinati afirma que o grande foco é a retomada do desenvolvimento econômico. “Estamos trabalhando em várias frentes, com grupos de trabalho que fazem o diagnóstico e já apresentam as soluções, medidas importantes que visam a desburocratização da prefeitura, criando um ambiente favorável ao empreendedorismo”, aponta, exemplificando com a criação de um novo plano de desenvolvimento industrial para substituir a lei de incentivo à industrialização de 1993, há 24 anos.
O presidente do IPPUL e da Codel, Nado Ribeirete, aponta que, além de driblar o excesso de leis e procedimentos burocráticos, o plano industrial visa a transparência para obter a confiança do empresariado. “Os investidores procuram garantias, políticas definidas. Não querem vir para um local que só pode vir se tiver amizade com prefeito, vereador. A clareza e celeridade no processo vão fazer com que o empresário se identifique e tenha boas referências. Vai ser um legado para a cidade”.
Marcelo Belinati entende a necessidade de pensar a cidade a longo prazo e admite a adoção de medidas impopulares para que erros do passado sejam corrigidos e a Londrina do futuro conquiste seus objetivos. “Todo o planejamento está sendo feito, é preciso executar, tirar as coisas do papel. O prefeito não pode ser apenas um bombeiro e ficar apagando incêndios”, pondera. “A cidade de Londrina tem um potencial que talvez nenhuma outra cidade no Brasil tenha. Mas precisa ser rediscutida. Sei exatamente qual é a minha missão: corrigir tudo o que está errado e dar um rumo para o futuro da nossa cidade. Mesmo que para isso eu tenha que pagar um preço alto do ponto de vista político. Vou fazer todas as discussões e debates que precisavam há anos serem feitos, com diálogo com a sociedade e transparência. Londrina precisa e vai voltar a pensar grande, do tamanho da sua importância para o Paraná e para o Brasil”.