Fonte: Francismar Lemes – Revista Mercado em Foco/ACIL
O que será a década de 2020, é uma questão para os historiadores responderem no futuro. Os analistas econômicos cravam o olhar no presente. A América do Sul convulsionada. Fissuras sociais empurram mais de 120 milhões de latinos de volta à pobreza, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, da Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, metade da população vive, em média, com R$ 413 por capita, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada em outubro. Investidores também monitoram esse enredo e querem um ambiente de negócios com menos turbulência.
A ideia de que algumas mudanças podem ter consequências desconhecidas no futuro orienta o nosso olhar não só para esse contexto da América do Sul, mas em escala global. Tudo isso para tentar enxergar como será a configuração geopolítica do Brasil, a partir das últimas medidas econômicas do governo federal, e responder: o país conseguirá debelar a estagnação da economia?
O consultor econômico da ACIL, Marcos Rambalducci, professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), e os professores Sidnei Pereira e Carlos Eduardo Caldarelli analisam até que ponto as medidas governamentais podem contribuir para a economia andar, alcançando o crescimento de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) projetado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para este ano.
Pereira e Caldarelli são do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), respectivamente doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e PhD em Economia pela Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Entre os economistas está pacificado que algumas ações são paliativas, como a liberação do saque de R$ 500 do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
O professor Caldarelli ressalta que essas medidas não têm capacidade de alavancar a economia. Rambalducci circunscreve em até três meses o movimento dessa injeção de dinheiro, que nem esquenta no bolso dos beneficiados e vai para o pagamento de contas. Na avaliação de Pereira, as ações não mudam o quadro crônico instalado no país.
As reformas, como a da Previdência, e outras esperadas pelo estado brasileiro, não são a bala de prata que acabarão com todos os problemas da economia. Porém, sinalizam para o mercado o compromisso fiscal do governo, podendo sustentar o crescimento econômico com maior estímulo à demanda e ingresso de capitais estrangeiros como na tentativa do megaleilão do pré-sal.
Contudo, o tecido social em que as reformas são costuradas está surrado pela polarização política. Querelas podem contaminar as mudanças.
“Toda vez que se empreende reformas em um ambiente polarizado e com qualquer tipo de descontentamento, a chance de pintar com cores fortes alguns pontos é muito grande. Um exemplo é a própria Constituição Federal, que amarra muitas questões e cria uma série de situações. Tínhamos acabado de sair de uma ditadura, quando foi promulgada, e queríamos garantir tudo nos pormenores”, avalia Caldarelli.
Há ainda a lupa com que muitos observam a realidade de outros países, pensando em ampliar o debate sobre as reformas brasileiras. Essa visão, a partir de outra realidade social, econômica e política, pode ser desfocada.
Caldarelli lembra também que o Brasil está na região mais desigual do mundo e precisa encontrar as suas próprias soluções econômicas.
“O primeiro ponto é que sempre nos comparamos com países e contextos econômicos muito diferentes. O Brasil é um país pobre em que a população precisa de assistência. Quando se tenta transpor esses modelos, estamos falando de regiões diferentes. O segundo ponto é que alguns desses sistemas não são bem-sucedidos. Os idosos nos Estados Unidos têm dificuldades para se manterem. As taxas de pobreza na Califórnia, que é o estado norte-americano mais rico, avançam mais que na América Latina. Um estudo recente mostra que a Califórnia é o primeiro estado de terceiro mundo dentro dos Estados Unidos. Acredito que precisamos fazer reformas, mas levando em consideração que somos um país pobre e altamente desigual”, considera o economista.
É só olhar para os 65,2% de pretos ou pardos desempregados e 39% de taxa de desocupação de mulheres, de acordo com dados do Pnad Contínua Trimestral, divulgados em novembro do último ano, para compreender o que Caldarelli diz.
O professor Sidnei Pereira defende as reformas como reparos necessários à Constituição de 1988, que podem dar musculatura para a economia acelerar.
“É preciso fazer ajustes em quase tudo. Não nos adaptamos ao mundo e o mundo é nosso concorrente. Se o nosso preço interno for alto, a população vai comprar e se abastecer com produtos de outros países. Vamos gerar emprego lá fora e sacrificar os nossos empregos. A Reforma Trabalhista é passível de crítica? Sim, mas era extremamente necessária porque o resto do mundo já tinha flexibilizado e há geração de emprego”, afirma.
Medidas de eficiência
Para Rambalducci, taxas de juros baixas mantidas pelo governo podem fomentar a economia, mas o nosso colchão de poupança interna ainda é pequeno.
Segundo o economista, é preciso criar regras para que investimentos externos migrem para o Brasil e a economia deixe de patinar.
“É importante lembrar que o governo não tem mais capacidade de investimento. Quem são os players que podem investir na economia? O mercado privado nacional pode, mas essa capacidade é limitada. O que pode se tornar investimento é o que temos de poupança, o que nos obriga a fomentar o ingresso de capital novo. Esses capitais podem entrar, desde que despertemos confiança nos investidores ou com a venda, por exemplo, de áreas de exploração do pré-sal e de estatais”, afirma Rambalducci.
O economista diz que a taxa de desemprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está aquém da realidade ao considerar como o empregado, o indivíduo que trabalhou apenas uma hora, na última semana, e os que estão no mercado informal.
“Se colocarmos na bacia todos os desempregados e retirarmos os empregados, veremos que a taxa de desemprego pode chegar a 21%. Isso é dramático. É preciso que esses investimentos se consolidem e os empregos comecem a voltar. Empregos de qualidade e carteira assinada”, considera Rambalducci.
Na tentativa de dar respostas a essa dramática situação, o governo lançou, em novembro, um pacote para impulsionar contratações de jovens entre 18 e 29 anos, prometendo reduzir em 305 o custo de contratação nessa faixa etária. O cobertor foi curto para incluir pessoas de 55 anos ou mais, como tinha antecipado.
“O grande problema da economia brasileira é a informalidade do trabalhador. Esses informais têm dificuldades de gastos em bens duráveis. Todas as medidas que não fortalecem essa formalização são negativas. Temos também um paradigma ultrapassado na formação e qualificação de mão de obra baseado na massificação do ensino superior. O nosso grande problema é a produtividade da indústria e da mão de obra. É preciso quatro trabalhadores brasileiros para produzirem o que um norte-americano produz. Talvez, o que tenhamos que pensar é na qualificação, o que não significa a massificação do ensino superior, mas qualificações específicas. A questão do jovem é preocupante, mas precisamos pensar como vamos qualificar essa mão de obra e incluir os outros grupos da população trabalhadora”, conclui o economista Carlos Eduardo Caldarelli.
Deixe um comentário