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Pensar antes de abrir a boca

Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL – Por Janaína Ávila

Na segunda metade dos anos 1930, o historiador Sérgio Buarque de Holanda desenvolveu o conceito do “homem cordial” para definir o brasileiro. Somos hospitaleiros, generosos, gente boa, camaradas, mas…puxa conversa sobre política para ver o que acontece?!? A paixão cega das torcidas organizadas passou para os posts nas redes sociais, amizades foram detonadas, inimigos foram declarados e sobrou até para quem se protegia na marquise da isenção. Se antes éramos milhares de técnicos de futebol, agora somos uma legião de sábios analistas políticos.

A facilidade da comunicação trazida pela tecnologia poderia ser uma ótima ferramenta para aprendermos mais sobre o que é política e democracia, mas ser bloqueado no Facebook por aquele amigo de infância prova que isso não acontece.

Antes, não tínhamos um instrumento de acesso à manifestação pública e nosso posicionamento social era só nosso, mas, com a tecnologia, tudo mudou. Isso é positivo na avaliação de Clodomiro Bannwart, doutor em Filosofia e professor de Ética na Universidade Estadual de Londrina (UEL). “Por outro lado, temos um déficit de formação para o exercício da cidadania. Posicionamentos nas redes sociais fogem ao bom senso e geram discursos de ódio. Esse é um aspecto negativo para a política”, analisa. A vitrine virtual e a impossibilidade de direcionar as discussões para a solução de problemas da sociedade só expõe, ainda mais, o nosso déficit de formação democrática. “Talvez a consolidação da nossa jovem democracia esteja acontecendo do ponto de vista institucional, com os primeiros mecanismos de controle funcionando. A efetiva participação popular pede um processo de formação que não tivemos, uma educação e amadurecimento que nos qualificassem ao exercício da democracia”, diz.

Para os estudiosos faltam conhecimento e educação de base na hora de pensar e discutir política e sede pelo conhecimento, que deveria nos acompanhar sobretudo na vida adulta. O período confuso que vivemos, na opinião do psicólogo Amador Batista, professor da rede estadual de ensino e doutorando em Educação, é resultado da falta de gosto do brasileiro pela teoria. Seguindo a tradição grega, Batista define política como uma ação social guiada pelo conhecimento de como as pessoas devem viver em sociedade. Também é na Grécia que surge a democracia, com as pessoas que passam a decidir e participar do governo. Para ele, é essencial conhecer a perspectiva histórica para entender o presente. “As pessoas querem debater sem estudar, sem esforço. Ficam com o que aprenderam em casa ou na escola”.

A nossa classe política não é imune ao déficit educacional. “Formar um cidadão significa dar condições para a participação política e, ao mesmo tempo, promover a consciência de que a democracia é uma gestão pública do poder”, diz Bannwart.

No Brasil, existe uma separação entre representantes e representados, e isso, para o pesquisador, é a consequência da histórica baixa participação da população na vida política – só a partir de 1988 tivemos uma considerável parcela da população com direito ao voto. “Foi quase um século da vida política brasileira com a sociedade ausente da política institucional. O direito a participar através do voto exige qualificação e ainda não temos maturidade para o exercício pleno da soberania popular”, completa.

Para Elve Cenci, professor de ética e filosofia política da UEL, falta preparo político até para quem se candidata a um cargo público. Para ele, os políticos estão mais focados na carreira, distanciando-se das demandas da população e sem representar a sociedade. “São egos que não trabalham para a coletividade com esses discursos incendiários e desrespeitosos”, afirma. Para Cenci, competência e formação política só acontecem com estudo, informação, conhecimento das teorias políticas e do ideário do partido.

Sobre a discussão visceral sobre política acontecendo no País, Cenci teme que ao invés de uma consciência maior do que é política, aconteça a radicalização e a busca por discursos autoritários e extremistas. “Isso prejudica o debate qualificado e vai no sentido oposto de uma sociedade democrática, que acolhe e reconhece o direito das maiorias e minorias”, explica. “O debate político se radicaliza nas redes sociais onde as pessoas se cercam dos iguais, quem pensa diferente será expulso, bloqueado. O discurso dos iguais reforça o discurso do grupo que vai se fechando e provocando posturas mais intolerantes”, analisa.

Discursos autoritários sempre seduziram o brasileiro, não acostumado a participar ativamente da vida política. “A população não vê na política um instrumento de participação e gestão do poder social, uma possibilidade de soluções coletivas. Para o cidadão, a política é um instrumento de poder para o beneficio de determinadas classes. Claro que o distanciamento, ceticismo e receio vai acontecer”, explica Bannwart. A tendência é a de uma postura paternalista. “Ficamos torcendo para alguém assumir o Estado e resolver a nossa situação. Queremos um pai que manda e concede; uma sociedade patrimonialista”, diz.

Cenci também coloca esse comportamento como um perigo para as próximas eleições com a velha proposta do “Salvador da Pátria” ou dos que se apresentam como “não políticos”, algo impossível na avaliação do professor. Junto com os “não políticos” temos os “isentões”, tentando se proteger dos bombardeios, mas até quem diz que não se interessa ou se importa, está se comprometendo. “Quem e omite para o preço de ser governado por aqueles que se envolveram de alguma forma. Seria o momento das pessoas tomarem as rédeas dos seus destinos políticos. O País está no caos e as pessoas estão em casa, assistindo tudo à distancia, passivas”.

Quando perdemos o sentido da coletividade, abandonamos o elemento essencial da política. Aristóteles já dizia que o homem é, por natureza, um animal politico: “Estamos perdendo essa essência da nossa natureza política. As pessoas não querem se envolver, se preocupam com a vida privada. Ser isento está impregnado na cultura, na história política brasileira”, completa Bannwart. A discussão sobre direita versus esquerda, continua Bannwart, não existe. “A nossa deficiência estrutural de formação política não deixa percebermos que essa dicotomia é uma farsa. Existe na cabeça das pessoas, na briga nas redes sociais. Não dentro do sistema político brasileiro. Eles estão numa massa unificada, homogênea de manutenção do poder, um sistema político que trabalha de forma blindada contra nós”, afirma.

Redescobrir os gregos pode nos trazer muito alento. No período de ouro da democracia grega, os cidadãos eram livres para escolher o modo de vida que consideravam mais justo. Isso hoje, na opinião de Amador Batista, não é ensinado na escola quando estudamos a Grécia Antiga. “Ensinam que vivemos no pior dos mundos possíveis. Se olharmos o passado histórico, nós melhoramos muito e essa é uma das razões para a confusão atual. As pessoas precisam retomar a discussão política para entender o que aconteceu, onde foi o desvirtuamento, onde aquela herança grega se perdeu ou foi, de certa maneira, ameaçada, atacada”.

Para Bannwart, é importante a clareza que vivemos numa sociedade complexa. “Com o avanço da democracia grupos minoritários ganharam voz. O primeiro passo é aceitar que não temos a verdade estabelecida. Temos a diversidade e aprender a conviver com essa diversidade, evitando conflito, coação física ou psicológica, promovendo o respeito ao outro é o grande desafio da educação e da formação do cidadão. Não coexistirá uma cidadania plena se não aprendermos a viver na pluralidade”.


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