Leia na Mercado em Foco: Mulher coragem

O trauma de perder o marido, o escárnio no encontro com os assassinos, o desafio de tocar o negócio da família: Luciney de Souza teve apoio dos filhos, dos clientes […]

Apiki

Compartilhe com o universo

Compartilhar Leia na Mercado em Foco: Mulher coragem no Linkedin Compartilhar Leia na Mercado em Foco: Mulher coragem no Twitter Compartilhar Leia na Mercado em Foco: Mulher coragem no Facebook

O trauma de perder o marido, o escárnio no encontro com os assassinos, o desafio de tocar o negócio da família: Luciney de Souza teve apoio dos filhos, dos clientes e funcionários para superar a dor

Por Renato Oliveira

Assistir ao noticiário e ver um trabalhador perder a vida por
alguma banalidade, como em muitos casos de latrocínio ocorridos
diariamente, é revoltante e já virou parte da rotina do brasileiro.
Em Londrina, em março de 2013, o empresário José Luiz de Souza,
dono do Depósito São Marcos, foi morto dentro de seu
estabelecimento, na Avenida Leste Oeste. O caso comoveu a cidade. Um
adolescente de 16 anos foi o autor do disparo que tirou a vida de
Souza no único assalto sofrido em mais de 30 anos à frente de seu
comércio.

O incidente causou uma reviravolta na vida da família. A esposa
Luciney e os filhos Murilo e Samanta tiveram de tomar as rédeas dos
negócios. Diante de uma possível situação de impunidade, Luciney
encampou um movimento pela redução da maioridade penal.

Sete pessoas foram presas e o que chamou atenção foi a
participação de três menores de idade. Um deles executou o
empresário. Outra adolescente, que ajudou a arquitetar o assalto,
trabalhava havia pouco tempo no depósito. Segundo Luciney, os quatro
maiores de idade que responderam o processo foram absolvidos em julho
do ano passado. No entendimento do juiz Délcio Miranda da Rocha, da
2ª Vara Criminal, “não havia provas suficientes para condenar os
suspeitos”. O menor que efetuou o disparo cumpriu um ano e meio de
internamento e já está em liberdade.

“Foi muito difícil quando fomos ao Fórum e encontramos todos
os envolvidos. Quando os menores passaram por nós, a maioria ria na
nossa cara. Você se sente com os braços e as pernas atadas. A
Justiça não consegue se fazer cumprir. As leis existem, mas o
regime é muito fraco. O menor é protegido. Eles foram libertados e
aquilo foi uma punhalada. Foi um processo longo e doloroso”,
comenta Luciney sobre o desfecho do processo.

Uma decisão do Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná, proferida em
outubro deste ano, mudou a sentença da 2ª. Vara. Dois dos quatro
maiores de idade envolvidos no latrocínio foram condenados. David
Willian Machado, o Gordinho, por ser o mentor do assalto, pegou 21
anos e quatro meses de prisão. Sandra Aparecida da Silva foi
condenada a dois anos pelo crime de ocultação de armas e corrupção
de menores; no entanto, sua pena foi convertida em prestação de
serviços à comunidade.

“Graças a Deus, neste ano veio a notícia de que o mentor foi
preso. A gente já sabe que os advogados dele estão recorrendo para
pegar prisão em regime semiaberto. Não sabemos onde vai parar.
Depois de um tempo penso que, mesmo se todos tivessem sido
condenados, isso não tiraria a dor da família. Acredito mesmo na
justiça de Deus”, diz Luciney.

União para continuar

Depois do impacto inicial, Luciney conta que retomar a vida não
foi simples, mas o envolvimento da família, clientes e funcionários
foi fundamental para superar a dor. “No primeiro dia que abri o
comércio, reuni o pessoal e muita gente queria sair. Falei que
precisava deles. Ninguém tinha estrutura emocional. Não era o mesmo
ambiente, mesmo com a contratação do segurança. Foi quando eu
disse que só iríamos conseguir se nos uníssemos. Assim ninguém
saiu”, conta.

A viúva do comerciante achava que os clientes não voltariam,
fosse por medo ou receio depois do assalto. “Mas foi o contrário.
Até aumentou o movimento. Por isso eu digo que não venci sozinha.
Foi por essa união. E, apesar do medo de fracassar, eu acreditava
que juntos nós éramos fortes”, ressalta.

O aumento da responsabilidade dos filhos no negócio da família
também demandou mais dedicação. Luciney conta que Murilo assumiu
algumas funções do pai e contou com o apoio dos colaboradores. “Ele
ficou no lugar do meu marido. Eu entendia de todos os setores, menos
daquela parte da empresa, que é logística de entregas e caminhões.
Como meu filho há quatro anos e meio cuidava das compras, ele
assumiu”, diz.

Instalado no atual endereço desde 1989, o Depósito São Marcos
surgiu pequeno na Rua Araguaia, na região da Vila Nova, dez anos
antes. “Era (administrado pelo) o pai, três filhos e duas filhas,
que eram as secretárias. Era um depósito muito pequeno, um
barracão. Havia uma pequena cozinha. Herdamos a tradição de comer
na empresa, que dura até hoje”, lembra Luciney.

A empresária diz que a visão de futuro e o instinto empreendedor
do marido fizeram-no comprar o terreno onde hoje está localizado o
negócio. Quando os outros irmãos saíram da sociedade, assumiram o
depósito seu marido e o sogro, Jordão Baptista de Souza, que se
instalaria no endereço atual. “Com isso, o movimento aumentou. E
quando estava começando a crescer, senti necessidade de trabalhar
com eles e deixei meu trabalho de bancária. Pedi demissão e vim”,
conta.

À frente da empresa, Luciney lembra que viveram o auge do ramo em
1995. “Compramos terrenos vizinhos. O próprio movimento precisava
de um espaço maior. Foi o primeiro auge do depósito. Para
acompanhar esse crescimento, José montou duas filiais, uma na
(avenida) Saul Elkind e uma loja de acabamentos na Leste Oeste”,
diz.

Tudo corria bem até o ano 2000, quando a maré do setor começou
a mudar. Ela lembra que a grande concorrência fez o empresário ter
que baixar as margens e vender menos. “Nessa época, muitos
pensavam que depósito era a ‘galinha dos ovos de ouro’ e bastante
gente abriu. Quem estava no mercado não conseguiu se manter”,
lembra ela, e acrescenta que a filial da Saul Elkink fechou após
cinco anos de funcionamento e a loja de acabamentos ficou fechada por
dois anos.

Nove anos depois, com o falecimento do sogro, a empresa passou por
uma nova reformulação e modernização. Luciney, que já havia
informatizado parte da empresa quando saiu do banco, conta que o fato
do depósito ser administrado por ela, o marido e os dois filhos
ajudou a dar novo fôlego nos negócios. “Com a vinda dos meus
filhos, houve uma mudança e passamos quatro anos e meio mantendo
essa estrutura. Nesse período, tiramos a empresa do vermelho e
adquirimos alguns bens. Era um novo momento.”

Atualmente, Luciney divide seu tempo entre a empresa e algumas
ações na ACIL, que acolheu sua luta contra a maioridade penal à
época do crime. Neste ano, o Depósito São Marcos entrou para a
campanha Londrinatal 2015. Ela utiliza o sistema de consulta de
crédito oferecido pela associação e avalia que os cursos
oferecidos para qualificação profissional também são importantes.
“Sempre me sinto acolhida. É uma entidade séria.”

Leia também