Por Francismar Lemes – Revista Mercado em Foco – ACIL
O urbanista Flávio Villaça é um estridente opositor dos planos diretores, sentenciando em uma entrevista para a Folha de S. Paulo que planejar a cidade é mito.
A radicalização a favor e contra ou a moderação fazem parte do cardápio de opiniões sobre o instrumento criado pelo Estatuto da Cidade – um marco legal para o desenvolvimento das cidades definido pela Constituição de 1988.
Na mesma entrevista, Villaça diz que a discussão não pode esquecer que a sociedade brasileira é injusta e a grande maioria não participa.
São pesos e contrapesos como esses que acaloram os debates da atualização do Plano Diretor Municipal de Londrina (PDML) e o futuro da cidade. Será que a sociedade está realmente representada no texto?
De acordo com a lei federal, o projeto tem que ser revisado pelo menos a cada dez anos. A última revisão do plano londrinense foi em 2008. O prazo para a nova discussão na Câmara de Vereadores é até 24 de dezembro deste ano.
Depois da aprovação, o PDML 2018 norteará as ações de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana para o bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, assim como do equilíbrio ambiental.
Da forma como o Instituto de Pesquisa e Planejamento de Londrina (Ippul) enxerga a atualização do PDML, a revisão impulsionará a industrialização da cidade, como defende o diretor-presidente do órgão Roberto Alves Lima Junior.
"Comparando os planos diretores de 2008 e 2018, a gente percebe que Londrina se tornou uma cidade dormitório. As áreas industriais perderam espaço para zonas residenciais. O que aconteceu é que recebemos pessoas para morarem na cidade, especialmente na Região Norte, só que os empregos se concentram nos municípios vizinhos. Isso significa que utilizam dos serviços públicos como escolas e postos de saúde, no entanto, as receitas vão para as cidades vizinhas", justifica Junior.
Alguns setores da sociedade que participaram das quase 30 audiências e reuniões públicas para a formulação do texto não ficaram satisfeitos com a proposta do Executivo.
Leis complementares
O Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Norte do Paraná (Sinduscon) é uma das entidades contrárias ao Projeto de Lei nº 207/2018, colocado para apreciação do Legislativo sem as oito leis complementares que devem ser encaminhadas em até três anos.
A lei geral do PDML de 2008 foi aprovada sem as complementares. A última complementar teve aprovação só no final de 2015, o que, na avaliação do ex-presidente do Sinduscon, Gerson Guariente, causou efeitos colaterais para a administração da cidade.
Guariente considera a revisão atual desastrosa e contaminada por problemas de entendimento, como a proposição de criar apenas duas áreas industriais na porção noroeste e nordeste do município. Indústrias não poderão ser instaladas fora desses dois eixos.
"Um dos grandes equívocos da sustentação da proposta apresentada pelo Ippul é a interpretação sobre vazios urbanos. Cerca de 65% das áreas apontadas são para desenvolvimento industrial, criadas na legislação de 2008. Isso se concretizará ao longo do tempo com a proposta de resolver o problema do emprego. É óbvio que se a leitura que fizemos na revisão passada estiver certa, essas áreas ainda não estariam ocupadas em 2018. O Executivo propõe IPTU progressivo nessas áreas e, com cinco anos da tributação, será obrigação da Prefeitura desapropriar todas elas por não estarem cumprindo função social", explica Guariente.
Para ilustrar com uma imagem mental a afirmação de Guariente, seria o mesmo que colocar um elefante no meio da sala, o que, no caso de Londrina, travaria o crescimento.
Um exemplo real sobre o impacto das decisões do presente no futuro da cidade é a Gleba Palhano, que se transformou em uma cordilheira de concreto e vidro no horizonte sul londrinense. A área foi objeto da primeira intervenção, em 1986, que criou um zoneamento para desenvolver a região. As consequências do projeto são percebidas hoje com a valorização do metro quadrado e os problemas de mobilidade que surgiram.
Outro exemplo do que seria Londrina sob uma demarcação do Plano Diretor é a vocação da Zona Leste, que perdeu espaço industrial para residências, mas está inserida no corredor do Arco Leste, um contorno com ramal ferroviário, rodovia e no limite com o município de Ibiporã. Infraestrutura e logística disponíveis para a instalação de indústrias que, hoje, têm a concorrência do setor imobiliário.
O presidente da ACIL, Fernando Moraes, observa esse dinamismo da cidade. "É importante que o cidadão londrinense saiba os impactos do plano no dia a dia. Gostaríamos que tivéssemos mais discussões sobre a lei, que foi entregue ao Legislativo no fim do ano. Acredito que as discussões foram poucas para um projeto tão significativo. Londrina está crescendo demais, é uma cidade pujante e se não tiver uma organização teremos problemas lá na frente”, ressalta Moraes.
O Executivo acredita que a revisão corrigirá distorções. O diretor-presidente do Ippul, Roberto Alves Lima Junior, cita a lei de ocupação do solo, a última complementar aprovada só em 2015, e que não observou as atividades econômicas já instaladas.
"Queremos entregar um zoneamento a partir das atividades pré-existentes, mas, no momento, a revisão é da lei geral do Plano Diretor, que é de políticas públicas. Traça um diagnóstico de como Londrina está, o que queremos e quais são as ações e diretrizes para alcançarmos os resultados. A lei geral não produz efeitos práticos na evolução urbana", afirma Junior.
O diretor-presidente do Ippul diz ainda que o discurso de alguns setores sobre o travamento do desenvolvimento é um combo completado pelo interesse em antecipar como ficarão as leis de parcelamento do solo, uso e ocupação do solo, e também a preocupação com a delimitação da zona de amortecimento.
Indústrias ameaçadas
Gerson Guariente contrapõe com uma previsão sobre o futuro de Londrina em que zoneamentos equivocados ameaçariam parques industriais já instalados em regiões onde não poderá ter a atividade.
Na avaliação dele, o PDML também restringe polos geradores de tráfego, como na área central, o que poderia atrair para a região problemas que são enfrentados por outras grandes cidades, por exemplo, o esvaziamento e decadência do centro.
Roberto Junior destaca que não é uma proibição de instalação de empreendimentos de grande porte, mas trata-se de uma política de desestímulo.
"Pela primeira vez está sendo proposta uma política para a área rural do município, mas ao invés de desenvolvimentista, é de restrição, com ampliação grande das áreas de conservação ambiental sem justificativa técnica, inclusive sobre uma região com mais de 4 mil residências instaladas, de pessoas que compraram em uma área urbana que será transformada em rural", questiona Guariente.
Sobre a argumentação, o diretor-presidente do Ippul ressalta que a visão de fomento à industrialização proposta na lei geral do PDML pretende dar outra característica à zona rural. Os distritos rurais abrangem mais de 80% do território do município, mas são dependentes da sede.
De volta ao urbanista Flávio Villaça, na mesma entrevista à Folha de S. Paulo, o arquiteto disse que peculiar é “acreditar que uma lei aprovada pela Câmara Municipal terá o poder de planejar a cidade”.
Descontado o ceticismo dele, a análise da lei geral do PDML é uma tarefa e tanto para os vereadores londrinenses.
O presidente da Câmara de Vereadores, Ailton Nantes (PP), acredita que a matéria ainda precisa ser mais discutida com a comunidade. “Alguns vereadores preferiam votar também as leis complementares. Outros não enxergam prejuízos à ausência, mas acredito que votar em conjunto seria mais eficaz”.
O vereador concorda que as maiores polêmicas são os vazios urbanos, como aponta o Sinduscon, e a delimitação da zona rural e urbana.
Para fechar a discussão, a entrevista de Villaça foi publicada dia primeiro de setembro de 2002. Entre tantas coisas, o urbanista explicou a razão de acreditar que o Plano Diretor é mitologia, o que serve de alerta para o momento de definirmos as nossas diretrizes: “Porque diz que vai cuidar dos interesses globais da cidade só no discurso”.