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‘Presente’ do Jubileu de Prata, conjunto de lagos mudou a paisagem de Londrina

Por Antônio Mariano Júnior – Revista Mercado em Foco – ACIL

Londrina, 10 de dezembro de 1959.

Céu azul. Uma quinta-feira. Aproximadamente 11 horas.

Muitos ardiam naquela data, naquele horário, naquele local. Maria Christina, com então 11 anos de idade, foi chamada pelo pai para descerrar a placa coberta com pano verde e amarelo.

Foi aplaudida por centenas – milhares de pessoas, talvez?! – ao protagonizar o evento máximo das comemorações do Jubileu de Prata de Londrina (25 anos de emancipação política).

A menina bonita inaugurava o Lago Nosso de Cada Dia. O Igapó. Que, no dia 10 de dezembro de 2019, comemora 60 anos. No dia em que o município comemora 85 anos de existência.

Maria Christina Fernandes Monteiro é filha do ex-prefeito Antonio Fernandes Sobrinho, idealizador do lago, ícone maior da minha, da sua, da nossa terra.

O lago artificial foi idealizado em 1957, por Sobrinho, que governou Londrina entre 12 de dezembro de 1955 e 12 de dezembro 1959. Tinha 32 anos de idade. “Meu pai achava a cidade árida demais. No pensamento dele, um lago poderia contribuir, também, para `humanizar´ a paisagem e contribuir para o desenvolvimento urbano. Era um homem culto, à frente do seu tempo, com o pensamento voltado também às questões do meio ambiente”.

Uma pedra no meio do caminho

A construção do Lago Igapó veio solucionar o problema de drenagem do Ribeirão Cambezinho, dificultada por uma barreira natural de pedra. O obstáculo estaria atingindo – e prejudicando – propriedades rurais daquela região.

A explosão da barreira teria sido cogitada, inicialmente. Prevaleceu a proposta de formação de um lago, veementemente defendida pelo prefeito Fernandes Sobrinho. As sondagens e cálculos para a construção da barragem para o represamento do ribeirão começaram em abril de 1957.

Coube ao engenheiro Amílcar Neves Ribas, então secretário municipal de Obras, a concepção e execução da obra. O projeto estrutural da barragem foi concebido pelo engenheiro civil José Augusto de Queiroz.

As obras, na época, estariam orçadas em Cr$ 1 milhão (Um milhão de cruzeiros), algo em torno de R$ 400 mil. Os valores foram convertidos pela tabela on-line do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), disponibilizada pela Fundação Getúlio Vargas. A Câmara Municipal de Londrina aprovou apenas 50% do valor estimado.

Houve mobilização para obtenção dos necessários para a implantação do lago artificial, que estimulou um grupo de empresários na criação do Iate Clube de Londrina. A fundação ocorreu 18 de agosto de 1958.

Doações vieram também de proprietários de imóveis no entorno, atentos à valorização de seus patrimônios. Houve doações espontâneas de terrenos. Houve quem recorreu à Justiça.

Um grande homem ‘cartesiano’

Sim, ele foi à inauguração oficial. Assistiu à solenidade ao longe, próximo ao Jipe que o conduziu à festança. Não quis participar do cerimonial, na condição de engenheiro responsável pelo projeto da barragem do Lago Igapó. Era “tímido, caboclão”.

Aos 88 anos de idade, o engenheiro civil José Augusto de Queiroz demonstra ser um homem prático, cotidiano e útil. Resume-se da seguinte maneira: “Sou cartesiano. A vida é feita de acertos, e eu não me propus a errar profissionalmente. Sempre fiz meus projetos com consciência técnica”, assevera.

Voz firme, pensamento racional, Queiroz esquiva-se de reverências e aproximações maiores. Parece não querer compartilhar – ou comentar – a sua importância indiscutível.

Em seu currículo constam obras como a concepção final da Concha Acústica e participação nos projetos estruturais do Estádio do Café e do Estádio Vitorino Gonçalves Dias. Foi docente da Universidade Estadual de Londrina.

Sobre o Lago Igapó, ele gosta de falar objetivamente. “Tentamos um outro local, anteriormente. Não deu. Escolhemos o ponto atual da barragem por ser bom e pronto”.

Segundo Queiroz, as obras começaram no início de 1958. As comportas da barragem foram fechadas em março de 1959 e assim permaneceram por quatro meses. O primeiro fio d´água desceu no vertedouro na madrugada de 31 de julho daquele mesmo ano. Desde então, o “cartesiano” José Augusto de Queiroz entrou para a história. Queira ele ou não.

Um produto extraordinário

A memória de Londrina está resguardada em boníssimas mãos: as do jornalista, pesquisador e escritor, Widson Schwartz. Gente boa esse catarinense de Caçador, que escolheu Londrina para morar definitivamente, em 1962, vindo de Curitiba.

A família chegou à cidade, pela primeira vez, no fim de 1949 e permaneceu até 1953. O pai era corretor de terras. Ele, um menino que brincava num “ribeirão” próximo à sua residência. Raso, muito raso – os carros passavam por ele sem comprometer o motor, o Cambezinho guardava uma natural simplicidade. Em água corrente, o charme não se sustentava.

Quando retornei a Londrina, o Lago Igapó já havia sido inaugurado. Havia muito mato ainda, não era bonito. A parte mais atrativa era a barragem.

Schwartz, entretanto, louva a iniciativa do prefeito Antonio Fernandes Sobrinho, que a exemplo de outros gestores municipais vislumbraram “a cidade muito à frente” do tempo em que se governava burocraticamente.

“A transformação urbana foi muito rápida, atípica para a época. O Igapó veio no bojo desse crescimento, notado a partir da década de 1950. Para mim, o Lago Igapó é um produto extraordinário de Londrina”, afirma.

O prefeito Dalton Paranaguá contribuiu, à sua maneira, para humanizar ainda mais o lado artificial. A ideia era transformar a área próxima à barragem, hoje denominada Igapó Um, em território de lazer à população, através de um projeto de revitalização elaborado pelo paisagista Roberto Burle Marx. Foi colocado parcialmente em prática.

Do todo, foram construídos, também por outras gestões, o Zerão, as avenidas localizadas às margens do Lago Igapó 1 e a nova barragem sobre a ponte da Avenida Higienópolis. Aos poucos, os londrinenses foram usufruindo de um local que proporcionava, inclusive, a prática de esportes náuticos.

Lago afrontado

Composto pelos lagos 1, 2, 3 e 4, o complexo tem, extraoficialmente, pouco mais de cinco quilômetros de extensão. A profundidade maior é de 4,9 metros. Em alguns pontos não ultrapassa 15 centímetros, conforme relevou um Estudo Topobatimétrico feito pela empresa Brasil Sul Mapas, de São José dos Pinhais, em 2013.

Em seis décadas, o Lago Igapó foi esvaziado cinco vezes. A primeira ocorreu no início da década de 1970, como plano de limpeza. Com o mesmo objetivo, houve o rebaixamento na década seguinte. Em meados de 1990, o esvaziamento se deu para combater possíveis esgotos clandestinos. Em 2001, o Lago 2 foi esvaziado para reparos na ponte da Avenida Higienópolis.

Em 1985, foi realizado o aterro no Lago Igapó 2. Polêmicas à parte, as águas arrepiadas pelo vento de outrora transformaram-se numa grande área de lazer, esporte e cultura. Muita gente vai para lá.

O Lago Igapó é vistoso. Ainda. Silenciosamente, o cartão postal máximo de Londrina, saibam, sofre com impactos ambientais cruéis. Em agosto do ano passado, no décimo Abraço ao Lago Igapó, foram arremessadas 10 mil mudballs.

As bolinhas removeriam maus odores, coliformes fecais e outros elementos contaminantes do Lago, atuando também no lodo sedimentado. Parceria louvável entre a Prefeitura de Londrina e a Bioconsult – Agronegócios e Ambiem, detentora da Tecnologia EM (Effective Microorganisms) no Brasil.

Águas que lavam e levam

Palavra trissílaba e oxítona. Dois pontos: Igapó. A tradução do termo, proveniente da família linguística Tupi-Guarani, fica ao gosto do freguês. Qual das alternativas lhes soam melhor?

A) Transvasamento de rios

B) Área alagada pelo transbordo do rio

C) Igapó velho de guerra

A terceira alternativa vai de encontro à Memória Afetiva e Popular Londrinense, a MAPL. Tradução livre: aquele tantão de água carrega histórias e episódios e lendas. Cada lago recebe – no aterro, igualmente – o visitante que merece.

Um certo Antônio, esse que vos escreve, perdeu os óculos de grau na barragem; chorou à beira do lago doído de desamor. Quantos Josés e Marias lavaram o carro na barragem? Quantos banharam-se nas águas? Quantas almas as águas levaram?

O lago agrega gente rica, gente pobre, gente de todas as timbragens.

Rosa, o Guimarães, tem razão: “Perto de muita água, tudo é feliz”.


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