Por Luiz Flávio Gomes
Fonte: Folha de Londrina
A presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
enviou para a Assembleia Legislativa um projeto para conceder auxílio-educação
para os filhos de juízes e servidores do TJ. Para os magistrados, o auxílio
mensal seria de até R$ 7.250 e para os servidores de até R$ 3 mil. A proposta
ainda prevê R$ 20 mil por ano aos juízes para investirem em estudo. Os
servidores receberiam mais R$ 500. O auxílio-educação postulado pode chegar a
R$ 9 mil, se passarem os novos vencimentos dos ministros do Supremo (para R$ 35
mil). A Associação dos Juízes ainda quer mais R$ 1,1 mil como
auxílio-transporte.
Antes das eleições todas essas propostas (nitidamente
indecorosas) não serão votadas (porque os deputados estaduais estão em
campanha). No ano passado os deputados já aprovaram o auxílio-moradia para
magistrados e membros do Ministério Público sem questionamentos. Os valores
giram em torno de R$ 5 mil, segundo desembargadores ouvidos pelo jornal “O
Dia”.
É uma incongruência manifesta os tribunais afirmarem que
não há verbas para contratar novos juízes ou para melhorar o serviço público da
Justiça (reconhecidamente moroso) e, ao mesmo tempo, pedirem mais benefícios
mensais que driblam o teto salarial dos desembargadores. A proposta
auxílio-educação é indecorosa em todos os seus aspectos, mas existe no seu seio
outra aberração inominável, que faria corar qualquer aristocrata racista: o
valor distinto para magistrados e servidores significa o quê? Que o filho do
magistrado tem que estudar em um lugar melhor do que o do servidor, fazendo
preponderar a histórica desigualdade de classes? No tempo do Brasil colonial e
imperial o sonho de todo fidalgo era colocar o filho na “folha do
Estado”. Esse sonho cultural não acabou; a diferença é que agora já se
pretende que o filho vá para a “folha do Estado” desde o jardim da
infância.
Depois de alguns anos de vida e de muitos estudos, nada
mais natural que os humanos conquistarem incontáveis e díspares ideias e visões
do mundo (Weltanschauung). Para transformá-las em algo valioso e útil na vida
terrena, antes de tudo devemos combiná-las e submetê-las à moral e às virtudes.
A primeira categoria a se dissipar, diante desse acurado exame, é a da
vulgaridade (todo esforço do mundo para contê-la será pouco diante dos nefastos
efeitos que ela produz ao longo das nossas transitórias existências). Sobretudo
quando governamos interesses coletivos, não há como deixar de cultivar a moral
e as virtudes, não somente porque dos dirigentes sempre se espera
exemplaridade, senão também porque são elas que conferem ao espírito o senso do
justo em sua mais profunda extensão e ao caráter a devida elevação assim como a
necessária firmeza.
Todos os humanos que assumem o destino das coisas
públicas, incluindo os juízes, evidentemente (sobremaneira quando assumem
cargos administrativos de governança), deveriam ser obrigados a se submeterem a
um curso intensivo, se não de geometria (como postulava o espírito exigente de
Platão), ao menos de moderação, tal como pugnava Aristóteles, para afiar a
personalidade do administrador e distanciá-lo dos vícios mais deploráveis que
podem rondar o exercício do poder, nutrindo sua alma e seu espírito de um
conteúdo substancialmente sólido (apesar da sociedade líquida que vivemos, como
diz Bauman), de forma a evitar-lhe ao menos os deslizes mais canhestros ou as
tentações mais extravagantes, tal como sugeria Stuart Mill).
LUIZ FLÁVIO GOMES é jurista em São Paulo e
diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.