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Quando a sociedade também lucra

Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL – Por Marco Feltrin

Empreender no Brasil não é uma tarefa fácil. Uma em cada três empresas abertas no país fecham as portas com menos de dois anos de atividade, segundo estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas em parceria com o Sebrae.

Se as estatísticas frustram a ideia de começar um negócio, a possibilidade de ajudar as pessoas aliada a uma atividade lucrativa pode ser a saída. É aí que entra o empreendedorismo social, criação de produtos e serviços com foco em resolver ou amenizar problemas comuns à sociedade.

Londrina conta há mais de dez anos com um exemplo bem-sucedido de empreendedorismo social na área do meio ambiente. A E-Letro surgiu em 2007 ainda com o nome de E-Lixo. O objetivo inicial era encontrar uma forma de dar destino a equipamentos eletrônicos que haviam sido substituídos por mais novos após serem considerados ultrapassados e obsoletos.

O então técnico em informática Alex Gonçalves ligou em vários órgãos públicos procurando orientação de onde ele poderia descartar estes materiais. Sem uma resposta concreta, surgiu a ideia de reaproveitamento.

“Desistimos de jogar fora e começamos com a ideia de coletar. O objetivo era separar a matéria-prima e repassar para a indústria. Mas começou a vir muito equipamento ainda em condição de uso. Por que não oferecer, por exemplo, computadores dispensados por bancos e grandes indústrias para instituições públicas ou entidades sociais que estejam precisando? Essa foi a grande sacada”, comenta Gonçalves, hoje diretor da E-letro, que faz coletas de materiais em espaços espalhados por todas as regiões da cidade.

A primeira doação foi de 20 computadores para a Escola Profissional e Social do Menor de Londrina (Epesmel). Mais recentemente, presídios da cidade receberam televisores de LCD e câmeras para instalação de sistema de monitoramento que, acredite, até então não existia por completo.

Além do reaproveitamento e consequente doação para entidades, a empresa funciona como uma loja. No barracão localizado no Parque Bom Retiro é possível encontrar tudo relacionado à eletroeletrônica, desde controles de videogame, aparelhos de som e televisores, passando por geladeiras, forno de micro ondas, entre outros.

“Isso ajuda a gente a manter o projeto do ponto de vista econômico. Somos procurados por várias empresas, e as antiguidades também têm um público muito bom. Entra por duas vertentes: preço bem abaixo do valor de mercado e a especificidade. Temos este papel de juntar quem precisa descartar e quem precisa comprar”, explica o diretor, lembrando que menos de 2% dos equipamentos eletrônicos produzidos no mundo são reaproveitados.

A demanda cada vez mais crescente fez a empresa dobrar de tamanho três vezes durante os dez anos de funcionamento. Recentemente, mais um barracão de mil metros foi adquirido. O culpado é o fim do sinal analógico das televisões, previsto para novembro. “Isso vai gerar um volume considerável não só dos televisores de tubo, mas também os primeiros de LCD que vinham sem conversor. O consumidor prefere descartar o aparelho funcionando e comprar um novo. Já temos mais de três mil televisores armazenados e este volume vai aumentar”, prevê.

Consolidada no mercado regional, a E-Letro atende mais de 120 municípios no Norte do Paraná e interior de São Paulo. A empresa, que conta com 14 funcionários, agora quer expandir os horizontes através de uma franquia. Tudo isso sem esquecer do objetivo social. “São os cidadãos que doam tudo isso. Nada mais justo do que devolver para a sociedade aquilo que eu pego de graça. Sem falar que, se eu pegar o material e simplesmente desmontar, ele não atinge o objetivo ambiental. Eu até tiro do descarte, mas ele tem um valor muito maior sendo doado para quem precisa”, conclui Alex Gonçalves.

Preparando empreendedores

Vontade de ajudar o próximo e uma boa ideia na cabeça são o ponto de partida para o empreendedorismo social. Mas também é preciso saber fazer, criando modelos de negócios que levem a resultados concretos.

Fundada em 2005 em Curitiba, a Aliança Empreendedora oferece apoio a microempreendedores e grupos produtivos comunitários para desenvolver seus negócios.

Em Londrina, a Unifil foi escolhida para ser parceira da Aliança Empreendedora. Três turmas já passaram pelo projeto. De acordo com o professor Robson Casagrande, muitos alunos acabam vindo atrás do empreendedorismo tradicional, mas em meio ao curso despertam o interesse em trabalhar também pelo social. “Eles descobrem que é possível ter um retorno financeiro e ajudar uma comunidade. Em alguns casos, surgem ideias de separar um dia da semana, um horário para colocar a estrutura da empresa à disposição de quem precisa. É o chamado efeito formiguinha, que vai contagiando e melhorando de alguma forma a vida daquela comunidade”, afirma.

Alguns projetos descobertos pela Aliança Empreendedora por meio da Unifil ainda estão em fase embrionária. É o caso do engenheiro civil Robert Willian dos Anjos, de apenas 23 anos.

Ele desenvolveu a ideia de construir casas sustentáveis em contêineres, com sistema de reaproveitamento de água e energia solar, tudo voltado para as classes C e D.

“Já atuava com construção e reforma, mas o curso abriu minha mente. Gostaria de fazer algo que pudesse mudar a vida das pessoas. E pensando nesta onda de sustentabilidade, tive a ideia de reaproveitar contêineres que estão sendo descartados depois da vida útil marinha”, conta o engenheiro, estimando um custo até 35% mais baixo se comparado à construção tradicional, sem falar na economia com as contas de água e luz.

E, se depender da primeira impressão, a ideia vai longe. Após concluir o curso, Robert foi convidado para expor o projeto em um encontro da Aliança Empreendedora em São Paulo. Em meio a 1,2 mil empreendedores de todo o país, ele ficou em terceiro lugar na categoria iniciante.

O objetivo agora é buscar parceiros para viabilizar a iniciativa. Em uma pesquisa desenvolvida durante o projeto, 88,6% dos entrevistados disseram que morariam em uma casa feita com contêineres.

E o engenheiro já tem metas estabelecidas: a compra de terrenos que sejam divididos em casas contêiner geminadas ou até a construção de um condomínio de contêineres.

Robert também não descarta apresentar o plano de negócios para o poder público, mas admite alguns entraves. A Caixa, principal financiadora de imóveis do país, ainda não aceita o contêiner como moradia para oferecer crédito. Nada que desanime o jovem empreendedor.

“Temos que quebrar estas barreiras e acredito que isto aconteça em um prazo curto. Minha ideia é ser o mais acessível possível, pegando uma margem de lucro pequena, mas ganhando em escala. Não é fazer poucas unidades e ter um lucro absurdo. O maior propósito está na frente de ganhar dinheiro: ajudar as pessoas a terem direito à moradia”.

Ganhando as startups

O empreendedorismo social também encontra espaços nas startups voltadas para o mercado de inovação e tecnologia. Fundada em 2016 em Londrina, a Eduletrando Studio trabalha com aplicativos de realidade aumentada voltados para a literatura infantil.

A empresa já tem duas participações na Bienal do Livro com “As aventuras de Laura” e “As aventuras de Bruno” em que, além do livro físico, é possível brincar com os personagens em um game educativo e uma brincadeira de estatueta digital em realidade aumentada.

“A ideia é aproveitar a tecnologia para estimular a leitura. Não dá para ir na contramão, falar para a criança que celular é horrível. A gente quis trazer um conceito de inovação, uma ponte entre o livro impresso e uma diversão eletrônica que não tirasse o foco da leitura”, afirma Luiz Antonio Monteiro Junior, responsável pela empresa.

Para os próximos meses, estão previstos lançamentos de mais quatro livros além de um jogo educativo. Para que a iniciativa atinja o alvo social, a Eduletrando também está em busca de parceiros. “O investimento inicial já foi feito. A gente precisa de alguém para imprimir os livros e disponibilizá-los gratuitamente na rede pública de ensino junto com o aplicativo. Esta outra parte é digital. O que custa para minha empresa dividir isto com o meio social? Nada! Se podemos arrumar um parceiro e fazer esta doação para a rede pública, não tem porque não fazer”.


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