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Um grito por representatividade

Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL ​- Por Francismar Lemes

Governar o vácuo político e o futuro do Brasil, inseridos num contexto mundial descrito pelo cientista político irlandês Peter Mair, como um processo pelo qual “as tradicionais identidades partidárias parecem ter sofrido uma erosão”, é – paradoxalmente – combater o déficit de representação.

Na América Latina, a deficiência se alastra com os conflitos sociais e políticos, a insegurança, crescimento econômico baixo e corrupção, que têm colocado o apoio à democracia em declínio.

“No Brasil, há algumas peculiaridades nesta crise de representação. Em primeiro lugar, um distanciamento da população em relação à participação política, que se enquadra no exercício da cidadania e como somos formados para a preocupação com interesse público”, aponta o cientista político Clodomiro Bannwart, professor da Universidade Estadual de Londrina, com estudos voltados à Filosofia do Direito.

“Falta um processo de formação educacional. Não temos uma formação que nos leve ao exercício pleno da nossa cidadania. Esse afastamento da sociedade em relação a uma participação mais efetiva na política, também abre espaço para aqueles que detêm o poder possam tomar medidas e ações desvinculadas desse controle da sociedade”, analisa. “A democracia nos impõe a possibilidade de o poder ser exercido sob o controle social. Porém, limitamos o nosso exercício democrático às eleições. Isso gera um distanciamento entre representantes e representados”.

Apesar da obrigatoriedade do voto no Brasil, os partidos estão sentindo, como aponta Mair, a “crescente incapacidade para funcionarem como agentes de representação”.

Pouco mais de um ano das manifestações de rua com reivindicações difusas de 2013, o pleito 2014 teve índice de 19,4% de abstenções, o maior das últimas quatro eleições gerais no Brasil. Em comparação com a geral de 2010, houve um aumento de 2,2 milhões de eleitores que deixaram de ir às urnas.

“Qual a capacidade da população em geral entender, quando, em campanha, alguém diz, vamos nos preocupar com política de juros porque isso afeta a dívida pública e, pagar juros, nos impede de fazer maiores investimentos?”, alerta Daniel Guerrini, professor da Universidade Tecnológica Federal (UTFPR) em Londrina.

O doutor em Sociologia lembra que “conceitos sobre os posicionamentos liberal, direita, esquerda, estado democrático, socialdemocrata, entre outros, são requisitos básicos para isso, porque dizer que o povo precisa de saúde e educação é uma coisa que todo mundo vai aprovar. Outra coisa é se as propostas dos candidatos vão solucionar esses problemas”.

Ele explica que essa ligação não fica clara e, talvez, seja esse o motivo de ter candidatos com uma desassociação e uma falta de entendimento generalizado do eleitor, o que beneficia esses candidatos.

Crise de representatividade que preocupa, regionalmente, entidades e associações de Londrina que lideram a campanha “Melhor pra Nós”, com o objetivo de incentivar o voto em deputados federal e estadual da microrregião, que compreende Londrina, Ibiporã, Cambé e Rolândia.

Preocupação que leva em consideração o índice paranaense de abstenções de 16,85% nas eleições 2014 – apesar de, no último pleito geral, Londrina ter registrado a mais baixa taxa de abstenção (9,56%) contra a média histórica entre 14% e 16% desde 2000.

O comparecimento dos eleitores às urnas não é garantia de votos em candidatos da região. Em 2010, Londrina elegeu somente Luiz Eduardo Cheida (PMDB) para estadual e os federais André Vargas (PT), Alex Canziani (PTB) e Luiz Carlos Hauly (PSDB).

Em 2014, a região elegeu para estadual Tercílio Turini (PPS), Thiago Amaral (PSB) e Cobra Repórter (PSC). Para Federal foram Alex Canziani (PTB), Luiz Carlos Hauly (PSDB) e Marcelo Belinati (PP).

Comparada a outras regiões do Paraná, como a de Cascavel que, em 2014, ocupou cinco das 54 cadeiras da Assembleia Legislativa e outras três das 30 que o estado tem na Câmara dos Deputados, lideranças da microrregião londrinense querem mais representação nos poderes.

Maringá conta com sete deputados

Londrina terá 370.586 eleitores aptos a votar em 2018. Maringá vai para as eleições com 276,6 mil votantes. No último pleito geral, a região maringaense foi mais eficiente em número de eleitos que a londrinense ao conquistar três cadeiras de deputados estaduais e quatro federais.

“O principal é que tenhamos uma representatividade maior da região de Londrina do que temos hoje”, esclarece Cláudio Tedeschi, presidente da ACIL, um dos líderes da mobilização. “Nos últimos anos, fizemos uma união entre a sociedade organizada e a classe política, no sentido de pautar e reivindicar as principais obras de infraestrutura e outras necessidades para a melhor qualidade de vida da região. Isso deu bastante resultado”, defende. “Porém, a gente notou que a nossa região está pouco representada. Se fizermos uma comparação com Cascavel e Maringá, as duas cidades estão mais representadas do que nós. Ficará um vazio muito grande se a gente não conseguir eleger pessoas mais comprometidas diretamente com as nossas reivindicações”.

Tedeschi destaca que a grande concentração de recursos de tributos está nas mãos dos governos federal e estadual e que os municípios dependem do retorno desses recursos. Emendas ao orçamento de deputados, por exemplo, são uma maneira desses recursos voltarem para a região.

“Resolvemos nos unir para mostrar para a população como é importante ter representantes da região. O governo federal, por exemplo, concentra 70% de tudo o que é arrecadado, o estadual cerca 26%. O município, que é onde acontecem as coisas, fica com apenas 4%. E ele depende que esses recursos retornem para que a gente possa ter serviços públicos, como educação, saúde, infraestrutura de melhor qualidade,” exemplifica o presidente da ACIL.

Votar em candidatos da região também facilita o controle da sociedade sob a atuação dos eleitos. “O eleitor precisa se conscientizar que está votando em um candidato que é importante para sua comunidade, e deveria acompanhar a sua atuação até para saber se, no futuro, vai ou não votar nele. Voto tem consequências claras. Nos últimos anos, Londrina teve uma trajetória política tumultuada, o que fez com que perdêssemos em vários indicadores de qualidade para a região de Maringá. O eleitor acha que isso não tem impacto, mas existe um impacto direto em todas as demandas de serviço público”, conclui Tedeschi.

Afrânio Eduardo Rossi Brandão, da Sociedade Rural do Paraná (SRP), destaca que a região de Londrina perde representatividade ao votar em candidatos de outras localidades do estado. “Essas pessoas vão defender os interesses de suas regiões. Temos diversos projetos e solicitações ao governador que precisam de um peso na hora de brigar por essas reivindicações”.

E há as questões ligadas à captação de dinheiro para a máquina pública. “Quanto mais pessoas envolvidas com os problemas da nossa região metropolitana, melhor seria para o nosso desenvolvimento. Precisamos informar a população a diferença que faz uma região que tem uma representatividade grande contra outra que não tem. Como são diferentes os números de recursos conseguidos”, aponta Brandão.

Estrutura deficiente

O líder ruralista diz que a segunda cidade do estado, Londrina, não tem ligações com São Paulo e Curitiba com pistas duplas para o escoamento de safra, condizentes com a produtividade regional. Obras que poderiam contar com o empenho de representantes eleitos pela região.

“Saímos daqui para Ourinhos e temos a BR-369, que deveria ser duplicada e até hoje não foi. Temos a Londrina/Mauá e ainda falta uma conexão para uma pista melhor. Cidades como Apucarana e outras regiões já têm estradas duplicadas. O que existe aqui é uma serrinha complicada, perigosa. Já fizeram diversas terceiras pistas, mas acho que existem reivindicações muito importantes para contarmos com representantes da nossa região”, exemplifica Afrânio Brandão.

O presidente do Sindicato da Industria da Construção Civil do Norte do Paraná (Sinduscon), Rodrigo Zacaria, ressalta que o grande cardápio de candidatos dos partidos pulveriza os votos dos eleitores.

“O momento político que vive o Brasil é importante votar em candidatos da região, desde que sejam ficha-limpa, que tenham feito um bom trabalho e que estejam engajados com os anseios da sociedade”, completa o presidente do Sinduscon.

Para o presidente do Sindicato das Indústrias, Metalúrgicas, Mecânicas e Materiais Elétricos do Norte do Paraná (Sindimetal), Ary Sudan, os candidatos que moram na região conhecem melhor os problemas da população.

“São candidatos que estão vivendo os problemas da cidade e que podem defender os interesses na Câmara dos Deputados ou na Assembleia Legislativa. Quando não temos ninguém, não podemos querer que um representante de Guarapuava venha lutar pela nossa região metropolitana”, acredita Sudan.

“No país, enquanto nos preocupamos com a eleição de presidente, esquecemos de dar atenção maior aos deputados que serão eleitos. É fundamental que olhemos atentamente para os legisladores porque a sociedade ficou atônita ao ver quem era o Congresso Nacional votando em um impeachment”, conclui Bannwart.


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