Vida pós-pandemia

O novo estilo de vida imposto pelos impactos da Covid-19 exigiu mais equilíbrio entre o corpo e a mente

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Fonte: Fernanda Bressan – Revista Mercado em Foco/ACIL

Quais os reflexos que uma pandemia pode deixar? Esta é uma pergunta sem resposta única. Cada qual viveu os momentos de isolamento, perspectivas de futuro e até medo de uma forma particular. Temos ainda as diferenças de idade. Crianças, adolescentes, adultos e idosos, cada faixa etária também teve sua forma de reagir à solidão e distanciamento social. São muitas as variáveis.

Psicóloga, Elsie Silva ouviu muitas preocupações e angústias nos últimos meses. “Por muito tempo não teremos a normalidade que conhecíamos, os nossos medos foram bastante acionados com a pandemia, é uma situação que não tínhamos nenhuma experiência sobre ela e por isso vai ficar na nossa preocupação. Perdemos a referência da vida, pois ela foi construída em nossos hábitos e rotina que foram mudados de repente”, antecipa.

De acordo com ela, as pessoas reagiram de maneiras diversas durante o isolamento. “Dentre outros aspectos, isto tem muita relação com a forma como cada um lida com o medo. Para alguns, isso cresceu muito, se tornou excessivo, prejudicial. O medo muito grande nos deixa alarmado em excesso”, ressalta. A partir daí, deste medo, a forma como cada um retorna às atividades muda. Há os que têm medo de sair, enquanto outros querem retomar. “Tenho preocupação com o isolamento absoluto e o distanciamento da vida real, somos seres sociais e não estamos preparados para ficar isolados da rotina que tínhamos, vejo que isto teve um custo grande”, frisa.

Dentre os que mais sentiram estão os pré-adolescentes e adolescentes. “Aqueles que ficaram mais isolados, passando muitas horas em frente à tela de computadores e celulares, vão pagar um preço. A aula já é virtual, daí vem o computador, os jogos eletrônicos e esta superexposição faz com que alguns comecem a desenvolver quadros de depressão, de TOC, de pânico, os pensamentos negativos se potencializam tanto pelo excesso do virtual como pelo isolamento dos amigos. O adolescente é imediatista, não vê que é uma fase que vai passar, fica difícil essa compreensão do ‘vai passar’ para ele”, conta.

Elsie chama a atenção também para as pessoas com dificuldades de interação social. “Estas entraram em uma bolha e qualquer coisa que seja proposta a elas para fazer, elas têm a justificativa da Covid e não saem, ficam dentro desta bolha. Falo muito para os pais prestarem atenção nos filhos, perceberem a realidade e buscar fazer coisas com segurança com eles, ter contato com sol, com a natureza”, orienta.

As consequências emocionais da pandemia variam conforme cada dinâmica familiar. “Vejo que os idosos têm vivido uma solidão, ouvi uma senhora dizer que falava com ela mesma para não esquecer a própria voz, e isso tem um custo imenso. Por um lado, há a justificativa racional da proteção ao vírus, mas, emocionalmente, a pessoa se sente abandonada. As famílias que são mais acolhedoras e têm boa interação passam por isso de forma menos traumática. Elas sabem trazer bons momentos para dentro de casa, não ficam só vivendo problemas”, avalia.

É possível viver bem

Há vários trunfos para se viver bem, apesar da pandemia. Um deles é a conhecida atividade física, e Elsie destaca que quem conseguiu manter esta rotina teve ganhos (e seguirá tendo). “Mesmo que online, viver esta dinâmica de praticar exercícios é saudável. A atividade física é fundamental para a pessoa passar por tudo isso e sair melhor, até para ajudar no emocional. Ela ajuda principalmente quando é inserida na rotina, mesmo que em casa. Se eu me programo para fazer o exercício, eu passo a mensagem de que estou me cuidando, estou tendo motivação para fazer alguma coisa. Por trás da atividade física, existem várias forças agindo. Sem falar que trabalha a sensação de bem-estar, a pessoa fica mais tranquila, ajuda na autoestima. É como se fosse uma bola de neve para o lado positivo”, compara.

Estabelecer rotinas é outro ponto positivo. “Independente de estar em casa ou não, tem que ter rotina, tem que ter algo que te faça bem tanto na parte mental como física. Comer saudável, ter as horas regulares de sono, não trocar o dia pela noite, procurar estudar no horário certo, ter disciplina. Sem rotina, há uma desorganização do tempo e da vida”, alerta.

O apoio familiar é outro aspecto. Elsie salienta ser muito importante que a família se volte para ter apoio mútuo. “Tem que ter o olhar para o idoso que está sozinho e ver como pode amenizar isso, perceber se o adolescente está ficando dentro do quarto sem conviver com a família, com todos se ajudando e se apoiando onde estiver existindo os excessos. Neste período, muitas famílias reforçaram seus vínculos, enquanto em outras, isso se quebrou. As famílias mais estruturadas com suporte emocional conseguiram se aproximar, se fortalecer neste momento”, conta.

A retomada da rotina fora de casa começou mais cedo para uns, enquanto outros ainda vivem com restrições. “Os adultos que estão ficando em casa por conta de comorbidades ou porque o serviço tem a possibilidade de ser em home office, estão tendo mais dificuldade de pensar em voltar à rotina. Sinto nas terapias que, quando a pessoa fica muito dentro de casa, ela imagina que lá fora tem um perigo iminente, não percebe que pode se prevenir dele. Para estas pessoas, fica mais difícil voltar e se enxergar no ambiente de trabalho. Mas é importante trabalhar o medo, é um processo que tem que ser vivido, a pessoa precisa acreditar nela, saber que pode se cuidar e evitar situações de maior risco”, declara.

Para quem tem filhos, esta volta também acontecerá quando as escolas retomarem as atividades. “Os pais terão que ser trabalhados no sentido de que eles terão que sentir segurança para passar essa segurança para a criança, conscientizá-la de que terá que ter cuidados extras, que a escola estará diferente, mas que as coisas vão voltando. Se eles transmitirem o medo deles para a criança, vão dificultar o processo. Tem que conscientizar sem medo excessivo. Este é um caminho que deve acontecer para evitar mais perdas. Se o isolamento se prolongar, vai queimar etapas do desenvolvimento da criança. Ela está deixando de viver muitas coisas fechadas dentro de casa”, avalia.

Elsie considera que tivemos momentos de luz em meio à pandemia, através da presença do olhar humano. “Temos que ter uma visão positiva do ser humano. Existiu muita preocupação com o outro, escuto jovens falando que não estão preocupados por eles, mas pelos pais, avós, muitas pessoas deixando de fazer coisas para não afetar alguém que ama. Este sentimento de olhar para o outro foi aguçado e deve ser valorizado”.

Para finalizar, ela fala das reflexões importantes que podem ser feitas com tudo isso. “Que vida eu tinha? O que eu quero preservar dela? O que fazia sentido para mim e o que posso mudar a partir do que eu estava vivendo e não me fazia bem? Estas perguntas têm que ser usadas para o crescimento e enfrentamento disso. Nossos antepassados enfrentaram muitas pestes, passaram pelos medos e continuaram”.

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