A árvore do fruto permitido

Um passeio pelas ruas de Londrina à procura das deliciosas frutas de nossa terra.

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Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL – Por Paulo Briguet

No terceiro dia da Criação, Deus disse: “Produza a terra plantas, ervas que contenham semente e árvores frutíferas que deem fruto, segundo a sua espécie, e o fruto contenha a sua semente.” (Gn 1, 11). E assim foi feito. Adão e Eva podiam comer os frutos de todas as árvores do jardim do Éden, com a exceção do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, situada no centro do jardim. Mas, instigados pela serpente, Adão e Eva desrespeitaram a proibição de Deus, e se tornaram seres mortais.

Muito se fala no fruto proibido — não há nenhuma referência direta à maçã no texto bíblico original —, mas poucas vezes nos lembramos da imensa variedade de frutas que existiam no jardim e que Deus, por misericórdia, deixou à nossa disposição no mundo. “Pelos frutos os conhecereis”, disse Jesus aos discípulos. E assim eles saíram pelo mundo em busca das árvores dos frutos permitidos. “Colhem-se, porventura, uvas dos espinhos e figos dos abrolhos? Toda árvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos.” (Mt 7, 16-18)

Nas ruas de nossa cidade, há muitas árvores frutíferas ao alcance da mão. Se você procurar bem nas proximidades da AREL (o antigo Clube Alemão), encontrará uma casa de madeira velhíssima à venda no meio dos prédios, mas também descobrirá algumas belas e frondosas mangueiras nas ruas Augusto de Souza Brandão e Silvio Pegoraro. As mangas, ao contrário da casa de madeira, não estão à venda; são de graça. E as árvores ainda oferecem uma sombra deliciosa nesses dias de calor. Você pode saborear o delicioso fruto amarelo enquanto relembra aquela moda engraçada: “Mardito fiapo de manga/ Preso no maxilar inferior!” Só tome cuidado para não se tornar personagem da letra. Ou então relembre aquela do Alceu Valença, ele que acabou de completar 70 anos: “Da manga rosa, quero o gosto e o sumo…”

No comecinho da rua da minha santa, a Avenida Madre Leônia, existem duas majestosas mangueiras que eu apelidei de “irmãs gêmeas”. Quando vou passear com meu cãozinho, sempre passo para ver como elas estão. A cada hora do dia, de acordo com a posição do Sol, elas oferecem uma combinação de cores e luzes dignas de um Monet. As irmãs gêmeas também me fizeram reler o trecho inicial do romance “O Enigma da Chegada”, de V. S. Naipaul, em que a descrição de uma paisagem rural britânica exerce um efeito hipnótico sobre o leitor.

Ainda no quesito mangueiras, eu não poderia deixar de mencionar o imperial exemplar da Mangifera indica situado nos jardins do Colégio Mãe de Deus, bem ao lado do Santuário Mãe Esmagadora da Serpente, também conhecido pelas crianças como Capela da Mãezinha. O Santuário foi inaugurado em 1950; a mangueira é mais antiga. Resta descobrir se é tão antiga quanto o Colégio Mãe de Deus, que em 1938 foi o primeiro prédio de alvenaria da cidade. Só sei que ali a serpente não tem vez. E a fruta é permitida, desde que você peça licença às queridas irmãs.

AMORES DE AMORA

Meu amigo Alexandre Sanches Vicente, destro caçador de árvores frutíferas e inspirador desta crônica, conta que há belas mangueiras no Conjunto Jurumenha, ao longo de toda a Rua União Soviética. É irônico que as mangueiras tenham durado mais que o país comunista! Talvez ali, à sombra das majestosas, possamos relembrar aquele velho samba: “Mangueira, teu cenário é uma beleza…”

O gosto azedinho das ameixas continua fazendo a delícia das crianças (e também dos marmanjos) em diversos pontos da cidade. Acione o seu GPS frutífero e vá até a Avenida Ademar de Barros, nas cercanias do Hospital do Coração Infantil, e você poderá provar do permitido fruto da ameixeira em espaço público. Só tome cuidado com os carros, que muitas vezes passam apressados pelo local.

Se você pretende desfrutar o gosto da pitanga, vá voando para a região do Aeroporto. Nas calçadas da Rua Gago Coutinho — cujo nome rende homenagem a um dos pioneiros da aviação brasileira, embora fosse português — há várias pitangueiras. Em um sábado de sol, você pode percorrer o trecho, saborear as frutas docinhas e dedicar alguns pensamentos à memória do célebre aviador, o primeiro a cruzar o Atlântico Sul, em 1922, centenário da Independência. Mas também temos pitangas a granel no campus da UEL, graças ao saudoso funcionário João Sperandio, responsável por plantar inúmeras árvores frutíferas no Perobal. João foi o semeador do campus.

Quer amora? Vou contar pro seu pai que cê namora! A deliciosa frutinha vermelha é encontradiça na Rua da Aeronáutica, entre a parte alta da cidade e a pista da Avenida Dez de Dezembro. A amoreira possui um simbolismo milenar. Conforme ensinam Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, no excelente “Dicionário de Símbolos”, ela era considerada a morada do sol na China antiga. O poeta latino Ovídio, autor do clássico “As Metamorfoses”, diz que originalmente as amoras eram brancas, e se tornaram vermelhas após a morte dos amantes Píramo e Tisbes ao pé da árvore (esse mito inspirou Shakespeare a escrever “Romeu e Julieta”). Por isso a amora se chama amora — vem de amores. Não foi à toa que Camões, o pai da língua portuguesa, citou a frutinha vermelha no episódio “Ilha dos Amores”, de “Os Lusíadas”. “What’s in a name?”, perguntaria Julieta Capuleto. “Muito”, responderíamos nós, caçadores de amoras.

O FRUTO DA TERRA

Há muitas outras frutas que podemos encontrar nas ruas de Londrina: goiaba, jaca, acerola, a nacionalíssima jabuticaba… Mas não poderíamos colocar o ponto final nesta crônica frutífera sem mencionar o mais famoso e simbólico fruto de nossa terra: o café.

Estava eu no prédio da Justiça do Trabalho dias atrás e vi na parede duas fotos aéreas do quadrilátero central de Londrina nos anos 60. Uma era do começo da década; a outra, do final. A diferença entre as duas fotos é impressionante. Em poucos anos, o centro da cidade passou por uma metamorfose: de cidadezinha do interior para centro urbano repleto de edifícios. E o fator principal para esse desenvolvimento espetacular foram as riquezas geradas pela cafeicultura.

A frutinha vermelha nos transformou, em poucos anos, na Capital Mundial do Café e causou o florescimento de uma civilização no sertão. Depois da geada de 1975, a cidade teve de se reinventar, mas sem jamais renegar essa origem grandiosa, que corre em nossas veias, em nossa cultura, em nossa alma. Nós somos os filhos do café. Assim chegamos até aqui. Quando contemplo a linha da cidade sob o céu de azul cintilante, agradeço ao Criador. De todos os frutos de nossa terra, o mais belo se chama Londrina.

 

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