Fonte: Revista Mercado em Foco / Susan Naime
Mercado em Foco
entrevistou o promotor Cláudio Esteves, coordenador do Grupo
de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) em
Londrina, para analisar
um tema que mexe com a cabeça e o bom senso de todo cidadão de bem:
a corrupção. Até que ponto a precariedade no sistema de segurança
pública e o comodismo da sociedade em mostrar sua indignação
influenciam nas investigações policiais? Confira a entrevista
abaixo.
As pessoas
cometem fraude por que existem muitas oportunidades?
É cultural no
Brasil a história de dar um jeitinho. E dar um jeitinho implica o
particular oferecer uma vantagem para resolver um interesse, e assim
se cria um sistema. Mas isso não é em decorrência da facilidade.
Eu acho que é em decorrência da nossa cultura, que vem mudando. A
minha sensação pessoal é que a sociedade está reagindo mais
contra a corrupção. Isso vai formando um componente cultural de
melhoria, porém num quadro ruim. Ainda temos muito que avançar. O
Brasil é muito tolerante com a corrupção.
As recentes
manifestações populares proporcionam certa esperança para esse
avanço?
Sim, eu acho que
tudo isso é um passo dado, mas são passos lentos e difíceis. Basta
observar no passado em quantos episódios de nível nacional pensamos
que o Brasil fosse mudar. E não mudou. A Lava Jato é uma fonte de
esperança de ter um país diferente. Mas será gradativo.
Quais são
hoje os gargalos para se atuar no combate à corrupção?
São várias as
dificuldades e uma delas é a estrutural. É preciso ter estruturas
capazes de enfrentar sistemas de corrupção mais sofisticados. Na
investigação que envolve a Receita Estadual, por exemplo, estamos
contando com uma equipe grande de pessoas trabalhando, desde
auditores, técnicos, policiais, promotores e, apesar dessa equipe
ser bem maior do que outras que já tivemos no passado, ela ainda
está muito aquém das nossas necessidades. Mas esse é apenas um
ponto. O sistema legal é muito paradoxal. De um lado temos várias
leis muito boas punindo a corrupção e do outro temos leis
processuais que favorecem quase que a eternização do processo. E aí
o processo não tem um resultado eficiente.
Qual seria a
solução para essas dificuldades?
A melhoria
legislativa. Para melhorar a corrupção nós temos que ter
prevenção. E a transparência absoluta dos gastos públicos pode
ser um fator contribuinte. E um controle interno das próprias
administrações. Mas as coisas têm que andar juntas, o preventivo
com o repressivo, para nós termos uma prevenção boa e, se houver
um desvio, que a repressão seja exemplar. Não podemos ter demora de
décadas quanto ao processo, porque isso é péssimo.
Por que tantos
policiais se envolvem hoje com a corrupção?
É um erro supor
que as polícias são mais contaminadas pela corrupção. A corrupção
está disseminada em todos os setores públicos.
O Gaeco
trabalha meses em torno de uma investigação. Qual é a sensação
quando um investigado recebe habeas corpus?
A sensação é
de frustração. Nós não fazemos isso e o juiz de primeiro grau não
faz isso de uma maneira infundada, exagerada, muito pelo contrário.
Então há a quebra dessa prisão e a gente se frustra porque
ocasiona um efeito negativo para a sociedade e para a própria
apuração dos fatos.
O que acontece
depois que o investigado é solto?
Quando o
investigado é solto, o processo passa para uma pauta comum, e é
muito mais demorado que uma pauta de preso, mas não significa que
ele não ande. Em regra, a Justiça Criminal de Londrina tem sido
bastante eficiente, apesar das imensas dificuldades. Londrina lida
com todo esse volume de casos de crimes comuns e além disso um
número expressivo de crimes praticados por agentes públicos. E
mesmo assim a gente conserva praticamente a mesma estrutura de varas
criminais há 25, 30 anos. Então, apesar dessa dificuldade provocada
por um sistema legislativo complexo, trincado e negativo para a
celeridade, a Justiça Criminal tem dado uma resposta importante em
primeiro grau, e em algum momento há uma solução. O problema é
que temos a possibilidade de três outros graus de jurisdição para
recurso, então o processo praticamente não acaba. E já vimos
vários casos de pessoas que são soltas e voltam a cometer a
corrupção.
Como é o
processo para recuperar o dinheiro que corruptos conseguiram desviar?
Existem
mecanismos que estão se modernizando ao longo do tempo, mas ainda é
muito difícil exatamente por não se ter estrutura suficiente para
apurar como as coisas aconteceram e demonstrar para onde foi o
dinheiro que foi desviado ou recebido como propina. Mas há um
aprimoramento e o caminho são as ações de ressarcimento do dano
provocado.
Comparando
Londrina com outros centros, qual é o grau de corrupção em nossa
cidade?
Bastante
preocupante. E sempre foi assim. Mas eu não acredito que Londrina
tenha uma situação diferente de inúmeras outras cidades do País.
Acho que é similar. O que acontece aqui, na minha opinião, é uma
confluência de fatores em que há uma sociedade mais vigilante que a
média normal, imagino eu, uma imprensa mais atuante, organismos
sociais e entidades sociais também mais atuantes e até as próprias
instituições públicas mais atuantes, como o Ministério Público e
a Justiça, com maior êxito nas suas ações. E isso tudo reunido
torna o ambiente mais desfavorável para a corrupção do que os
outros locais. O que não impede da gente continuar se preocupando.
Faltam mais
movimentos da sociedade para demonstrar indignação?
Sim. Apesar de
existirem vários movimentos, a sociedade precisa se manifestar ainda
mais, porque é a pressão da opinião pública que exerce o poder
sobre aqueles que querem se desviar de sua conduta como agentes
públicos. O maior exemplo disso, induvidosamente, foi dado por
Londrina em 1999-2000 com o Movimento Pé Vermelho, Mãos Limpas.
Aquele é um grande exemplo de uma mobilização social efetiva – e
isso é necessário. Então o que a gente percebe é que apesar das
inúmeras revelações de corrupção, a sociedade está anestesiada
e passa a entender aquilo como comum.