Pedágio no Paraná: 2.493 km de polêmicas

Proximidade do fim dos contratos do Anel de Integração deflagra debate sobre qual seria o melhor modelo para concessões rodoviárias no Paraná Por Rogério Fischer – Revista Mercado em Foco […]

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Proximidade do fim dos contratos do Anel de Integração deflagra debate sobre qual seria o melhor modelo para concessões rodoviárias no Paraná


Por Rogério Fischer – Revista Mercado em Foco – ACIL

Nas praças, feiras livres, barbearias, pontos de táxi, redes sociais, restaurantes de beira de estrada e nas seções de cartas dos jornais, há um assunto que, hoje em dia, anda tão comentado quanto terrorismo, futebol e corrupção: o pedágio nas rodovias do Paraná. 

Desde que passou a ser cobrado, em 1998, o pedágio é alvo de um tsunami de críticas e protestos. 

De início, quando o Estado anunciou o plano de privatizar as rodovias, a gritaria mirou a iniciativa em si: de repente, motoristas de motos, carros, ônibus e caminhões ficaram sabendo que passariam a ter de pagar para transitar pelas estradas, construídas com recursos públicos e, portanto, um patrimônio de todos. 

Uma vez implantado, a bronca de grande parte da população passou a girar em torno das tarifas, consideradas excessivamente altas. 

E, hoje, a insatisfação continua, pela constatação de que – 17 anos após o pedagiamento – as condições das nossas rodovias, ao contrário do que fora prometido, pouco mudaram, embora o preço do pedágio permaneça altíssimo, afetando diretamente o bolso do usuário comum e gerando custos significativos para toda a cadeia produtiva.

A polêmica em torno do pedágio é do tamanho do Anel de Integração, como foram batizados os 2.493 quilômetros de rodovias que interligam as principais cidades do Paraná. A maior parte (1,8 mil km) é de estradas federais, repassadas ao controle do Estado pelo Governo FHC. Os quase 2,5 mil km foram divididos em seis lotes, cada um administrado por uma concessionária, pelo prazo de 24 anos.

Os contratos de concessão ficaram, desde o início, envoltos em um mar de mistérios. Entidades já reclamavam da falta de transparência. Quase ninguém tinha acesso a eles. A situação piorou ainda no primeiro ano de contrato: a poucas semanas das eleições de 1998, em que buscava a reeleição, o governador Jaime Lerner reduziu – por decreto – o valor das tarifas pela metade. 

As concessionárias apelaram à Justiça. O resultado foi nefasto. Dois anos depois, as concessionárias obtiveram a volta dos preços originais. E ainda ficaram desobrigadas de investir em uma série de obras. 

Caiu por terra a construção de 487 km de novas pistas de rolamento, entre terceiras faixas, duplicações e marginais. Doze contornos de cidades foram eliminados, assim como 261 intersecções (trevos e viadutos). O custo financeiro de financiamentos foi incluído no cálculo das tarifas. Surgiram os “degraus” tarifários, que incidem sobre os reajustes anuais previstos em contrato. Obras remanescentes foram postergadas para os últimos anos.

A consequência é o que se vê hoje: tarifas consideradas as mais altas do País e pouquíssimas melhorias nas estradas. Depois de tanto tempo pagando pedágio, motoristas que saem de Londrina, por exemplo, ainda trafegam em pistas simples para ir a Ourinhos-SP pela BR-369, via Jataizinho; e para ir a Assis-SP pelas PR 445 e 323, via Sertanópolis. Vai-se para Maringá, sim, em pista dupla – mas ela já existia desde o Governo Alvaro Dias. A cada praça de pedágio, fica estampado na cara dos motoristas o desgosto de pagar caro para transitar numa rodovia que, à exceção de uma ou outra terceira faixa, recebe apenas manutenção.

Cada entidade tem sua proposta
O descontentamento geral diante dos resultados pífios advindos das concessões rodoviárias ganhou, nos últimos meses, um reforço de peso. A relativa proximidade do fim dos contratos originais – que encerram em novembro de 2021 – provocou a reação de entidades peso-pesado da economia paranaense.

Federações ligadas ao comércio, indústria, agricultura, empresas transportadoras e cooperativas – o chamado G7 (Faciap, Fiep, Faep, Fecomércio, ACP, Fetranspar e Fecoopar) – entraram de cabeça na discussão, através de deliberações de diretorias e artigos em jornais. A Ocepar e a Faep produziram documentos exclusivos sobre o tema.

O posicionamento de cada entidade transformou a polêmica do pedágio em uma torre de babel – ninguém fala a mesma língua. O que as une, por enquanto, é a necessidade de que a União renove a delegação das rodovias federais ao Paraná, para que o Estado continue no controle do Anel de Integração. Proposta nesse sentido foi levada por representantes do G7, em julho, ao Ministério dos Transportes. O ministro Antonio Carlos Rodrigues criou um grupo de trabalho para avaliar os números do modelo de concessão adotado pelo Paraná.

Em seu estudo, a Faep defende como ponto fundamental que se antecipe a renovação da delegação das rodovias federais ao Paraná. A partir daí, diz a Federação da Agricultura, é possível sentar com as concessionárias – que teriam seus contratos prorrogados – e definir redução no valor das tarifas e início imediato das obras previstas nos contratos originais. A proposta da Faep inclui outro ponto nevrálgico: o zeramento das pendências judiciais que pesam contra o Estado, hoje estimadas em R$ 2 bilhões.

Já a Ocepar se declara contrária à prorrogação dos atuais contratos. A entidade que congrega as cooperativas sugere aguardar o fim dos atuais contratos e realizar novas licitações “dentro da realidade econômica do Paraná e do Brasil e que não venham a prejudicar aqueles que ajudam a desenvolver este país”. 

Já a Fetranspar, que reúne empresas de transporte de cargas, vai na mesma linha defendida pela Faep: redução das tarifas, conclusão da duplicação de todo o Anel e zeramento das pendências judiciais, além de melhoria dos serviços aos usuários. 

O presidente da entidade, Sérgio Malucelli, afirma que a necessidade urgente de melhorias nas rodovias, em 1997, conduziu o processo de concessão a imperfeições, com consequências diretas no transporte rodoviário de cargas, que segundo ele move praticamente toda a economia agropecuária e industrial do Estado. 

“Foram as imperfeições nos contratos e na condução do processo nos anos seguintes que acabaram nos levando ao impasse atual”, ressalta Malucelli. “A Fetranspar quer antecipar a discussão dos contratos, para que as obras de que precisamos, não apenas as postergadas ou retiradas dos contratos, mas toda a duplicação, sejam iniciadas imediatamente”, pontua. “E tudo isso com redução do preço do pedágio.”

O presidente da Fiep, Edson Campagnolo, diz que o forte impacto do pedágio nos custos – para ele, é um dos fatores que mais comprometem a competitividade da indústria paranaense – talvez tenha sido o principal motivo que levou a diretoria da entidade a se posicionar contrária à renovação dos contratos. 

“Mais do que isso, pesa a falta de transparência que sempre acompanhou as concessões, desde que foram implantadas, em 1997. Definições fundamentais para o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, em especial a taxa interna de retorno efetivamente cobrada, nunca ficaram claras, assim como a indicação precisa das obras sob responsabilidade de cada concessionária”, diz ele. “A eventual renovação dos atuais contratos pode não apenas consolidar esses problemas, como também impedir a adoção de outros modelos para a exploração de rodovias, experimentados com mais sucesso no País nos últimos anos.”

Mais empresas e concorrência, com tarifa menor
A polêmica em torno das concessões está atraindo também especialistas no tema, como o engenheiro Mário Stamm, que comandou a Secretaria Estadual de Transportes na gestão de Orlando Pessuti (2010). Doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Stamm propõe que o Estado volte a fazer as obras necessárias e as concessionárias fiquem responsáveis apenas pela manutenção das rodovias, com tarifas bem abaixo das de hoje.

“Dizem que o Estado não tem recursos, mas o Estado sempre estará endividado”, pondera Stamm. “Se fizer as obras, o Estado pode negociar contratos menores com as concessionárias, de cinco a dez anos, e também licitar trechos menores, para que sejam administrados por um número maior de empresas”, indica. “Tudo isso eleva a concorrência, que é saudável e tende a fazer cair ainda mais o valor das tarifas.”


ACIL propõe regionalizar discussão
A Associação Comercial e Industrial de Londrina tem se mobilizado para participar ativamente das discussões sobre um novo modelo de concessão rodoviária. O presidente da ACIL, Valter Orsi, diz que a entidade pretende introduzir um novo item em toda essa discussão: a negociação regionalizada com as concessionárias. 

“Evidente que o Anel de Integração deve ser visto como um todo, porque é estratégico para o Paraná inteiro, mas cada região é que sabe de suas reais necessidades”, afirma o dirigente. “No Oeste, o pessoal de Foz e Cascavel, por exemplo, tem muito mais condições de definir o que realmente é necessário para as rodovias de lá, assim como Maringá e Umuarama no Noroeste.”

Orsi defende que, em Londrina e região, entidades de diferentes segmentos se associem em torno da discussão para se chegar ao melhor denominador comum.  “Tenho convicção de que, aqui no Norte, as entidades e a população em geral precisam participar das negociações com a Econorte, caso o contrato seja prorrogado, para que a região tenha os benefícios de que realmente necessita”, afirma o presidente da ACIL. “Regionalizar significa aprofundar a discussão, respeitando a identidade de cada região.”


Cornélio e região se mobilizam
Não foram poucos os protestos diante do que muitos consideram um descalabro – pedágio caro sem duplicações. Manifestações pipocaram em todo o Estado.  A insatisfação generalizada com as concessões rodoviárias chegou às campanhas políticas. No final de 2002, Roberto Requião elegeu-se governador, para suceder Jaime Lerner, utilizando o bordão “Ou o pedágio baixa ou acaba”. Depois de dois mandatos consecutivos de Requião, não aconteceu uma coisa nem outra.

Em 2003, a Assembleia Legislativa (AL) instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os contratos. A CPI, relatada por André Vargas (PT), deu em nada. 

Reações da sociedade organizada deram mais frutos do que bravatas de campanha e investigações de fachada. Em Cornélio Procópio, diversas entidades – Associação Comercial, Sociedade Rural, clubes de serviços, instituições religiosas – se uniram em torno do “Movimento pela Duplicação da BR-369”. Reuniões tiveram início em março do ano passado. Na sequência, foi realizado um “adesivaço” que contabilizou a adesão de mais de cinco mil motoristas. 

Em junho, o “Movimento pela Duplicação da BR-369” lançou manifesto público para pedir uma audiência com o governador Beto Richa. Em comitiva, cerca de 30 lideranças políticas e empresariais da região de Cornélio seguiram para Curitiba. Foram recebidas no Palácio Iguaçu e na AL. Saíram da Capital com o compromisso do governador de encampar a reivindicação – ao menos parte dela.

“A promessa é de que a duplicação do trecho Jataizinho-Cornélio comece em janeiro agora”, afirma o presidente da Associação Comercial e Empresarial de Cornélio Procópio, Marcos Pedroso de Oliveira. “Mesmo assim, nosso objetivo não foi totalmente alcançado. Queremos a duplicação até Ourinhos”, ressalta Oliveira. “Faz 17 anos que estamos pagando o pedágio mais caro do Brasil, e nossa região não foi contemplada. Há muito tempo estamos fazendo nossa parte, mas não vemos contrapartida. O movimento continua forte, não vai esmorecer”, ele avisa. “Estamos acompanhando. A luta continua.”



Estado impõe condições para negociar

À reportagem de Mercado em Foco, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), órgão do governo estadual, declarou, através de sua assessoria de imprensa, que para participar de qualquer negociação com as concessionárias o Estado exige: redução expressiva do valor das tarifas; realização de novas obras, como a duplicação do Anel de Integração; e o encerramento das demandas judiciais. “Sem o atendimento dessas três premissas”, afirma a nota, “o Governo do Estado vai aguardar o encerramento dos contratos em vigor”.

A Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Infraestrutura do Paraná (Agepar) preferiu não se manifestar. “A Agepar ou qualquer um de seus diretores não pode emitir opinião sobre processos em andamento”, justificou o inspetor de Relações Institucionais da agência, João Batista Peixoto Alves. “Nos manifestaremos somente no momento oportuno.”

Também através de nota, a Econorte, que administra as rodovias na região de Londrina, afirmou ter interesse em continuar prestando o serviço. “No entanto, é necessário analisar e estudar junto com o poder concedente possíveis melhorias no contrato de concessão”, afirma a concessionária. “Entendemos ser necessário um alinhamento de interesses de todas as partes envolvidas no processo, com profundas análises e estudos considerando questões técnicas, jurídicas e econômico-financeiras.”

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