Fonte: Alexandre Sanches / Revista Mercado em Foco ACIL
O crescimento de Londrina, aliado ao desenvolvimento de novas modalidades de comércio e avanço das grandes redes varejistas, mudou significativamente o perfil das empresas locais. As conhecidas empresas familiares estão dando lugar a um comércio mais agressivo, vindo muitas vezes de redes varejistas de capital aberto, o que acaba “sufocando” a tradição e aquele estilo próprio de atendimento, de administração interna, que tornava a relação fornecedor/cliente um atendimento mais íntimo.
Na história de Londrina, muitos nomes de estabelecimentos que deixaram de existir como Casas Fuganti, Armarinhos Paulista, Supermercados Martins & Fernandes, Casa Gevasco, por exemplo, se confundem com o desenvolvimento do município e ainda são pontos de referência entre os habitantes mais antigos. Dos grandes empreendimentos que tinham a tradição de passar a administração de pai para filho, a Viação Garcia foi o caso mais recente da entrega total para empreendimentos externos ao município, sendo administrado, agora, pelo empresário paulista Mário Luft, que possui empresas no ramo de transporte e logística.
Mas ainda há muitos estabelecimentos que nadam contra a maré e procuram manter a tradição de administrar as empresas, repassando o comando de pai para filho. Há casos em que essa “tradição” já está na terceira geração.
Na década de 60, quando ainda havia muitos carroceiros e a região norte paranaense era tradicionalmente agrícola, com destaque para o café, surgiu a Selaria Estrela, no cruzamento das ruas Benjamin Constant com a Duque de Caxias (local onde está instalado atualmente o Pronto Atendimento Municipal). Ali, durante anos, funcionou um dos pontos mais tradicionais, próximo da linha férrea e dos armazéns de estocagem de café. Em frente estava instalado um tradicional ponto de carroceiros.
Hoje, o empreendimento está distante apenas uma quadra do local e funciona com a terceira geração da família de Manoel Baptista Vera. Diante da modernidade, ainda insiste em se manter atual e atendendo não apenas uma clientela tradicional, mas também buscando novos clientes. “A loja, quando começou, era só selaria. Agora, somos obrigados a diversificar mais os nossos produtos, nos adaptar às necessidades atuais. Como produzimos produtos à base de couro, um trabalho artesanal, não temos como perder o foco”, comenta Sérgio Ricardo Pires, 44 anos, neto do fundador da empresa.
Nela, trabalham quatro pessoas: Amauri (filho do fundador), Januário Pires (genro do fundador), Sérgio e Wilson (netos). “Aqui, meu tio e meu pai aprenderam a função e eu e meu irmão aprendemos também a arte de trabalhar o couro. Crescemos vendo meu pai e meu tio trabalhando com o artesanato, pegamos o gosto e começamos a nos envolver ainda cedo”, ressalta Sérgio Pires.
Atualmente, Londrina possui poucas selarias, também formadas por empresas familiares. Mesmo assim, Sérgio garante que há um respeito entre a concorrência. E quanto aos afazeres internos e administrativos, cada um tem uma função específica, não havendo problemas entre eles. “A gente consegue, no final do mês, tirar o sustento suficiente para manter uma vida tranquila, sem concorrência entre nós”, salienta.
Autopeças
Há 20 anos, membros da família Giuliani resolveram, após trabalhar anos na extinta Rolemac, comércio de rolamentos e peças automotivas, abrir um estabelecimento próprio. O comércio de autopeças e adereços automobilísticos levou à criação da Frisocar, uma empresa que está sendo administrada pelo seu fundador, Settimio Giuliani, 67 anos, e seu filho, Alessandro Settimio Giuliani, 38. Além deles, uma filha e um genro do fundador também atuam no empreendimento com 13 outros funcionários.
“Eu aprendi a função com meu pai, quando comecei a trabalhar na Rolemac em 1989. Em 1993 iniciamos nosso empreendimento no ramo de autopeças e, em 1995, com a abertura de uma filial, acabamos estruturando a Frisocar. Desde então, vamos administrando a empresa e procurando fincar nossas raízes nesse setor”, comenta Alessandro, que há 23 anos trabalha direto com o pai, de quem pegou o gosto pela profissão.
Apesar da concorrência e do número de funcionários, ele diz que a empresa é bem administrada pelos membros da família, o que não evita divergências nas ideias e formas de administrar o empreendimento. “Apesar de haver divergências, a gente consegue resolver de forma mais fácil por estarmos entre membros da mesma família, evitando que isso afete a produção da empresa. Todos temos funções bem definida, mas um ajuda o outro quando precisa”, enfatiza.
Rede de lojas
Se para manter uma empresa pequena de cunho familiar já não é fácil, o que dizer de uma empresa de maior porte, com 18 unidades distribuídas no norte do Estado e em Santa Catarina? Pois este desafio está sendo administrado pelo empresário e diretor da ACIL, Marcelo Ontivero, ao manter a loja fundada pelo pai, Francisco Ontivero, que continua trabalhando na empresa.
Criada em 1967, a Móveis Brasília, em pouco mais de 40 anos de história, se estruturou para concorrer com as grandes redes de lojas do setor de móveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos. “O nosso diferencial está em ser uma empresa familiar, que se estruturou ao longo dos anos, investindo boa parte do lucro na firma. Hoje estamos investindo em outros setores, como o atacadista, para podermos sobreviver aos novos empreendimentos que estão com campanhas agressivas, inclusive o comércio eletrônico”, comenta.
Marcelo Ontivero faz parte da segunda geração a trabalhar na empresa fundada pelo pai. Do núcleo familiar, são seis pessoas na administração: além dele, os pais, os irmãos e um cunhado estão à frente do empreendimento. E o maior desafio, além de administrar o quadro de funcionários e as 18 unidades distribuídas em dois Estados, é se manter em um comércio onde a concorrência é geral.
“Nós estamos entre os grandes empreendimentos, muitas vezes de capital aberto, que estão chegando e ocupando espaços preciosos em Londrina, e a pequena loja que possui benefícios fiscais que não temos. Mesmo assim, trabalhamos com crediário próprio, facilitando a negociação com clientes, procurando manter a tradição e antigos clientes comprando conosco”, salienta, lembrando que o diferencial de uma empresa familiar é estar próximo do cliente, podendo dar um atendimento diferenciado.
“Temos clientes que chegam para nós e até trazem um carnê do crediário de mais de 30 anos para mostrar que gostam de comprar conosco. Temos clientes fieis e procuramos fidelizar isso. Mas isso está cada vez mais difícil, principalmente com as constantes promoções dos grandes varejistas e do comércio eletrônico”, ressalta.
Sobre fato de ser uma empresa administrada por integrantes de uma mesma família, Marcelo Ontivero diz que não há problemas nisso. “Hoje temos setores que tomam decisões de forma mais autônoma e cada um de nós tem uma função específica na empresa. E quando há alguma diferença, procuramos dirimir nas reuniões semanais envolvendo todos os setores e procurando levar a empresa para um caminho único e mais seguro de decisões para que possamos continuar vivos no mercado.”
Em relação à possibilidade de uma terceira geração continuar a administrar os negócios, Marcelo Ontivero diz que está trabalhando o filho mais velho, de 17 anos, para que possa pegar gosto pelo empreendimento e possa levá-lo adiante. Para isso, o garoto está se preparando para ingressar no curso de Administração de Empresas. “Temos que criar a cultura, o gosto neles e ver a vocação de cada um. Acredito que será possível, sim, ver numa terceira geração a continuidade desse trabalho iniciado na década de 60”, assegura.