Por Denise Sá de Medeiros*
Demurrage é a expressão consagrada no comércio marítimo internacional para designar a quantia paga ao armador do navio pela demora da embarcação no porto, além do período de estadia (laytime) previsto para as operações de carga e /ou descarga no contrato de fretamento (charter-party). Sua origem é francesa, do verbo “demeurer”, que significa demorar.
O tema do demurrage de navios, conquanto não seja novo, merece agora redobrada atenção no Brasil, tendo em vista que alcança valores exorbitantes, mesmo hoje, em cenário de crise econômica mundial. Por esse motivo, o demurrage é o tema mais contencioso do Direito Marítimo. Por isso, é útil que aqueles engajados na área de comércio internacional conheçam o instituto com profundidade.
Em sede de demurrage, consagra-se a regra inglesa “once on demurrage always on demurrage” (uma vez em sobreestadia sempre em sobreestadia). Essa regra foi consolidada pelo Common Law, oriunda dos usos e costumes ingleses, sendo hoje conhecida e aplicada internacionalmente.
Sua peculiaridade decorre do fato de não constar de forma expressa em nenhum código ou contrato e, mesmo assim, ser aplicada em escala mundial. Vale dizer, a licitude de sua aplicação não depende de prévia estipulação contratual ou legal.
Com efeito, os contratos utilizados no transporte marítimo internacional são normalmente redigidos na língua inglesa, com foro em Londres ou Nova York, e não trazem expressamente a citada regra, mas tão somente estipulações sobre demurrage e laytime (estadia).
Conceitualmente, a regra significa que, incorrendo o navio em demurrage, serão computados neste tempo mesmo os períodos que seriam excluídos da contagem na estadia, como por exemplo, os períodos em que não seja possível realizar as operações de carga e/ou descarga nos navios, como por exemplo, greve nos portos, feriados, dias de chuva, etc. Ou seja, o tempo para o cômputo da indenização ao armador-fretador é corrido dia após dia, o que explica os valores exorbitantes que o demurrage alcança.
Assim, as conseqüências práticas da regra podem gerar contas altíssimas para o afretador, embarcador, ou consignatário, o que afeta a economia nacional de uma forma geral, já que diminui a competitividade de nossas empresas, impedindo um desenvolvimento ainda maior de nossa atuação no mercado internacional.
Antes da crise, o dispêndio do Brasil com demurrage chegava a alcançar o valor de US$ 1,5 bilhão por ano. Nos últimos anos, o aumento da demanda por transporte marítimo decorrente do crescente status do país como grande exportador de commodities, ampliou as despesas do país com frete. Além disso, a incipiência dos portos nacionais, com sua infra-estrutura precária, muitas vezes impõe entraves às operações de carga e descarga, colocando os navios em demurrage.
Hoje, em plena crise global, o novo paradigma de contração e desaceleração da economia ocasionou uma redução nas transações internacionais. O mundo, agora, vive uma crise de queda de consumo e produção, além da crise financeira. O decréscimo das trocas comerciais, por sua vez, gerou uma baixa demanda por transporte marítimo, fato, por conseguinte, que reduziu o valor do frete em 95% com relação ao ano passado.
O baixo valor do frete marítimo reflete-se na quantidade de navios ociosos. Com a maioria das embarcações inutilizada neste período de retração no fluxo do comércio internacional, diminuem-se os congestionamentos de navios nos portos brasileiros. Apesar disso, o dispêndio do país com o demurrage de navios não diminuiu.
Isto porque, ao se tratar de crise econômica mundial, há que se considerar outros fatores, e enxergar o complexo panorama do comércio internacional sob todos os seus ângulos. No caso do Brasil, houve um aumento dos gastos com demurrage, por exemplo, devido às flutuações cambiais.
A oscilação do dólar nos primeiros meses de 2009 fez com que alguns importadores deixassem de retirar seus produtos nos portos, apostando em uma acomodação cambial. A tática é perigosa, e sai caro, pois o demurrage de um navio pode chegar ao valor de US$ 50.000,00 por dia. Assim, supondo-se um atraso de vinte dias, o custo acessório pode ser de um milhão de dólares.
Portanto, mesmo em tempos de crise, o dispêndio do país com o demurrage continua crescendo a taxas expressivas. Destarte, o que o Brasil gasta em demurrage por ano se deve aos entraves portuários, aliados à aplicação de uma regra não escrita, de um instituto ainda pouco conhecido no país. O que é um contra-senso, já que o transporte marítimo de mercadorias é responsável por mais de 80 por cento do comércio internacional. Deste modo, conhecê-la e conhecer as conseqüências de sua aplicação pode prevenir prejuízos inesperados.
A partir da velha máxima de que as crises geram oportunidades, pode-se afirmar que o mundo tem, neste momento, uma boa oportunidade para valorizar o conhecimento desse instituto inglês que influencia a economia nacional, o demurrage.
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*Denise Sá de Medeiros é advogada do escritório Noronha Advogados.
Fonte: NetMarinha