Por Paulo Briguet/Assessoria ACIL
Um dos preconceitos que atormentam e atrasam a sociedade brasileira ainda é pouco discutido: o preconceito contra o empresário. Há no País uma subcultura de origem marxista que tende a ver em todo empresário um bandido. Os inimigos da atividade empresarial definem o mundo como palco da luta de classes. Trata-se de uma minoria, é verdade – mas uma minoria muito falante. Eles ocupam espaços no poder público, na mídia, na universidade. Sua palavra de ordem é o ódio a todo tipo de iniciativa empresarial. Se é empresário, é explorador. Se é empresário, é ganancioso. Se é empresário, só quer saber de lucro. E lucro, na cartilha dessa religião sem Deus, é pecado capital.
A empresariofobia é parecida com a gripe: nunca deixa de existir, mas tem seus surtos. Há quem se aproveite de tragédias nacionais, como o incêndio em Santa Maria, para tentar promover a caça às bruxas. Em alguns casos, vemos um festival de desrespeito e desconsideração pelas pessoas. Se for para posar de herói e aparecer na televisão, certas autoridades contaminadas pela empresariofobia não se importam em pisotear a lei e o Estado de Direito. Em um país onde já houve congelamento de preços e confisco de poupança, existe o risco permanente de que o livre comércio e a propriedade sejam atacados, sobretudo em períodos de crise.
Quais são as raízes profundas desse ódio ao empresário? Para o cientista político Mário Sérgio Lepre, o preconceito tem origem na forma como o Brasil foi colonizado. “Em 1808, quando a Coroa portuguesa veio para cá, fugindo das tropas de Napoleão, o Estado veio junto”, lembra. “O Estado brasileiro chegou antes da consolidação da própria sociedade.” Dentro desse modelo, em que só tinha condições de prosperar quem tivesse alguma relação com o poder estatal, o empreendedor independente era visto com desconfiança. “Basta ver o caso do Barão de Mauá, que tentou ser empresário no Brasil do século XIX. Suas iniciativas acabavam encampadas pelo Estado ou frustradas por interesses fisiológicos de pessoas que queriam cargos ou prebendas”, diz o cientista político.
A Independência política do Brasil não acabou com a dependência dos indivíduos em relação ao Estado. “Ainda estamos mergulhados nesse modelo cultural em que o governo deve ser grande e a sociedade fica esperando o Estado-Pai fazer alguma coisa”, analisa Lepre. “No Brasil nós tendemos a ver o interesse público como atribuição do Estado, e não do indivíduo.” Parte dos empresários acabou por se adaptar ao esquema, exigindo benefícios e privilégios do governo. Mas a grande maioria – aqueles que efetivamente geram riquezas e desenvolvimento para o País – questiona o velho modelo do Estado paternalista sustentado por uma carga tributária absurda. “Não existe sociedade desenvolvida sem empresário. Ele é a pessoa disposta a correr riscos para produzir riquezas”, comenta.
PROBLEMA COMEÇA NA EDUCAÇÃO
Para o professor e comunicador Alvaro Ferreira, executivo de ensino a distância da Unopar, o problema da aversão às empresas e empresários começa na educação. “Nossas escolas em geral não ensinam para a liberdade de empreender. Somos uma sociedade que demoniza o lucro e tem uma ideia distorcida da economia de mercado”, avalia Ferreira. “Enquanto não educarmos nossas crianças para serem livres, autônomas, críticas, donas de seus próprios narizes – vamos sofrer com esse tipo de problema.”
Certa vez perguntaram ao historiador Thomas Skidmore qual é a principal diferença entre o americano e o brasileiro. Ele respondeu que o americano nasce querendo conquistar o mundo, enquanto o brasileiro quer passar em um concurso público. “Por isso os Estados Unidos são chamados de ‘land of opportunities’ (terra de oportunidades)”, nota Alvaro Ferreira. “As oportunidades estão aí, mas você precisa enxergá-las. Os brasileiros, em geral, só enxergam problemas. Somos mimados, ficamos esperando o Estado paternalista, o grande provedor.”
Dentro dessa visão preconceituosa, o empresário acaba ficando com o papel de “explorador” que “só pensa em lucro”. Aí mora um equívoco de efeitos perniciosos. Pois o desenvolvimento depende da geração de riquezas – e a geração de riquezas depende do lucro. “As pessoas precisam entender que o lucro não é um fim, ele é um meio. O mais importante para uma empresa não é ganhar dinheiro, mas transformar-se numa instituição para a sociedade”, diz Alvaro, citando uma série de empresas que hoje se confundem com a própria identidade de Londrina. O raciocínio do gerente da Unopar faz lembrar as palavras do célebre economista liberal Ludwig Von Mises: “A característica essencial do capitalismo moderno é a produção em massa de mercadorias destinadas ao consumo pelo povo. O resultado é a tendência para uma contínua melhoria do padrão médio de vida, o enriquecimento progressivo de muitos. O capitalismo desproletariza o ‘homem comum’ e o eleva à posição de ‘burguês’”.
Outra noção importante e vilipendiada em nosso tempo é a do direito à propriedade. “As pessoas não se dão conta de que o direito à propriedade serve para proteger, acima de tudo, os menores e os mais fracos”, diz Ferreira. “Ele garante que os frutos do nosso trabalho não serão engolidos pelo Estado depois da nossa partida.”
Se a propriedade é malvista desde o ensino básico, também não encontra muitos admiradores nas universidades. Alvaro conta: “Sou formado em jornalismo e nunca tive uma disciplina sobre empreendedorismo. Nunca ouvi um professor dizer que eu poderia me tornar empresário… Nos Estados Unidos, quem mais abre empresas são os universitários – e fazem isso sem burocracia. Veja os casos do YouTube e do Facebook: são casos de empreendedorismo que deram certo!” Ironicamente, os dois sites são hoje largamente utilizados por inimigos da sociedade aberta e da economia de mercado. Sim, a turma da empresariofobia odeia igualmente as iniciativas no mundo real e virtual – mas utiliza as duas…
OPORTUNIDADE E JUSTIÇA PARA TODOS OS CIDADÃOS
Na visão do empresário Cláudio Tedeschi, presidente do Fórum Desenvolve Londrina, o único regime que se provou eficiente na história é a economia de mercado. Parafraseando Churchill, Tedeschi diz: “O capitalismo é o pior sistema que existe, com a exceção de todos os outros”.
Tedeschi vê no cumprimento de contratos uma das principais bases do capitalismo. “Em um país desenvolvido, as pessoas precisam cumprir a palavra”, define o empresário. “Se recorrermos aos exemplos históricos, veremos que o capitalismo é o único sistema que realmente incorporou o conjunto da população à vida econômica”, analisa. Ele cita como exemplo a Inglaterra anterior à Revolução Industrial, em que mais de um terço da população era composta por párias, numa condição social pior que a de mendigos. Com o advento da economia de mercado, essas pessoas ganharam uma nova perspectiva de vida, algo que era impossível na condição historicamente anterior. “Capitalismo é o regime que dá certo ao criar a mesma linha de oportunidade e justiça para todos os cidadãos”, diz o presidente do Fórum.
Cláudio Tedeschi faz uma analogia entre a liberdade de produzir e o conceito teológico do livre-arbítrio. “Nos dois casos, temos que o homem precisa ser responsável pelas suas atitudes. Não adianta o Estado mandar o sujeito ser bom; é preciso que as pessoas melhorem e produzam por vontade própria, não por imposição do poder.”
A VERDADEIRA “DITADURA” DO PROLETARIADO É O CAPITALISMO
O engenheiro agrônomo e pesquisador Paulo Varela Sendin, membro do Núcleo de Desenvolvimento Empresarial de Londrina, afirma que muitas pessoas ainda têm uma visão limitada do que é ser empresário. “O pipoqueiro, a manicure, o dono de um bazar são empresários – mesmo quando não sabem disso. Empresário, por definição, é a pessoa que organiza fatores de produção e os coloca à disposição da sociedade”, comenta Sendin.
A economia de mercado já se provou o instrumento mais eficaz para a produção de riquezas; e o seu antípoda socialista fracassou miseravelmente. Sendin observa: “Os regimes socialistas não deram certo porque desconsideraram o funcionamento das leis de mercado. Estas não são leis escritas, mas forças que concorrem entre si. Substitui-las por imposições do Estado fatalmente criará escassez de produtos. Começa-se a produzir coisas que ninguém quer comprar e que não atendem ao desejo das pessoas. Se o Estado define que só irá produzir o Fusca, o sujeito que quer ter um carrinho melhor vai ficar frustrado. E vai criar mecanismos para não ter Fusca”.
Ironicamente, a verdadeira “ditadura do proletariado” se dá na economia capitalista, onde o cidadão consumidor é a verdadeira autoridade que decide sobre o futuro das empresas. “Socialismo, na verdade, é uma ilusão. É o governo do grupo que domina o partido, que passa a ter todas as vantagens de uma aristocracia”, diz Cláudio Tedeschi. “Antigamente, os trabalhadores produziam para os nobres. Com a Revolução Industrial, os operários se tornaram consumidores. Se o operário não gosta do teu produto, meu amigo, ele vai matar a tua empresa!”
EQUILÍBRIO ENTRE DESENVOLVIMENTO E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
Com a derrocada dos regimes socialistas, os adversários da atividade empresarial migraram para o ambientalismo. E aí começa outra polêmica – que pode ser vista, por exemplo, na questão do Projeto Arco Norte. “Quem está produzindo riquezas, está causando algum impacto na natureza”, observa Tedeschi. “Mas qual é o pior impacto sobre o meio ambiente? A pobreza. País miserável não consegue controlar a poluição, a ocupação de fundos de vales, o desmatamento. O importante é chegarmos a um equilíbrio entre a necessidade do desenvolvimento e a proteção à natureza.”
Paulo Sendin, que trabalhou por vários anos no Iapar e conhece bem a área, acredita que é importante transformar o homem do campo em empresário rural. “Mas tem muita gente que ainda vê o empresário rural como um demônio… Há ambientalistas que falam da agricultura de subsistência como se fosse uma coisa boa! Mas não é por aí que o desenvolvimento econômico e ambiental do campo vai acontecer.”
O Estado mastodôntico brasileiro é outro obstáculo à criação de uma cultura empresarial no País. “As grandes aristocracias no Brasil estão no Executivo, Legislativo e Judiciário”, aponta Cláudio Tedeschi. “Isso faz com que existam dois tipos de cidadão no Brasil: o de primeira e o de segunda classe. Só para se ter uma ideia, o furo na aposentadoria dos 900 mil funcionários federais foi de R$ 62 bilhões. Isso em um país que só tem R$ 47 bilhões para investir em estrutura!”
Para manter essa estrutura imensa em funcionamento, o Estado cobra uma carga de impostos e acaba sendo um “sócio não-solicitado” de qualquer cidadão brasileiro – especialmente dos empresários. Ainda assim, a pessoa que tem a coragem de abrir uma empresa no Brasil ainda é malvista e sofre os preconceitos que analisamos ao longo deste texto. Na verdade, a empresariofobia é uma doença que ataca o coração da sociedade livre. A propósito, Cláudio Tedeschi ensina: “A riqueza do capitalismo são as empresas. Empresas significam comunidade sadia, emprego bom, economia dinâmica, oportunidades para todos. O empresário tem uma responsabilidade enorme na sociedade: ele é a pessoa disposta a correr riscos para criar riquezas.”
Da próxima em que ouvir alguém falando mal de empresários, lembre-se disso…
(Texto publicado na revista Mercado em Foco, da ACIL, edição de março)