Fonte: Paulo Briguet/Revista Mercado em Foco/Julho
Minutos antes do evento em homenagem a José Monir Nasser (1957-2013), no Campus da Indústria, em Curitiba, conheci uma senhora simpática e elegante. Wilma Meirelles Nasser, 86 anos, estava feliz no lançamento da série Expedições pelo Mundo da Cultura. Conversamos bastante naqueles breves momentos de expectativa. Muito lúcida e articulada, dona Wilma contou-me que o parto de Monir foi difícil. Era uma gravidez de gêmeos; com a irmã de Monir correu tudo bem, mas ele nasceu com o cordão umbilical enrolado em volta do pescoço. Naquele dia, Wilma rezou muito para que o menino se salvasse. “Deus atendeu as minhas preces, mas o levou muito cedo”, disse a mãe de José Monir Nasser. Nós também achamos, dona Wilma.
Ao partir, em março de 2013, Monir deixou um legado impressionante. Depois de atuar por vários anos como economista e consultor empresarial, tendo publicado o livro A Economia do Mais, considerado a bíblia do empreendedorismo cívico, ele deu início, em 2006, ao programa Expedições pelo Mundo da Cultura, com o patrocínio do Sesi Paraná. O objetivo era trazer para o conhecimento do grande público os temas que ocupavam o espírito dos autores clássicos. São nomes e histórias que muitas vezes estão presentes na vida e na linguagem cotidiana – vide os adjetivos homérico, dantesco, quixotesco, kafkiano –, mas que em geral ficam adormecidos na poeira das estantes.
É proibido não entender!
“Nós não explicamos os clássicos, eles é que nos explicam”, costumava dizer o professor Monir. O foco das palestras de Monir não era a crítica literária ou a análise estilística, mas a discussão do conteúdo dos livros. Sua missão era levar a sabedoria dos grandes escritores para a vida dos homens normais – empresários, estudantes, professores, profissionais liberais, presidentes de entidades, jornalistas. Em seus comentários sobre os clássicos, ele combinava clareza e profundidade de maneira magistral, sem esquecer o bom humor. Possuía uma verdadeira e sagrada obsessão por esclarecer mesmo as passagens mais difíceis das obras discutidas. Seu lema: “É proibido não entender!” Não queria formar eruditos ou especialistas, mas bons leitores e seres humanos mais completos.
A ideia de trabalhar com os clássicos nasceu por ideia do professor e filósofo Olavo de Carvalho, em curso que ministraram juntos na Associação Comercial do Paraná. Dessa colaboração nasceria o programa Expedições pelo Mundo da Cultura. O trabalho se ampliou por várias cidades paranaenses: Curitiba, Paranavaí, Toledo, Ponta Grossa – e Londrina. Em todos os lugares, inclusive aqui na ACIL, Monir deixou um sem-número de filhos intelectuais que continuam a aprender com suas aulas, suas conversas, sua inesgotável capacidade de fazer amigos e admiradores.
No dia 6 de maio, em Curitiba, parte do trabalho de José Monir Nasser começou a ser materializado em forma de livros. Em homenagem à memória do mestre, foram lançados os cinco primeiros volumes da série Expedições pelo Mundo da Cultura, que está sendo editada numa parceria entre o Sesi Paraná e a Volvo do Brasil. Nesta seleção, Monir fala sobre as seguintes obras: Gênesis e Livro de Jó (textos bíblicos), Fédon (diálogo filosófico do grego Platão); Os Lusíadas (poema épico do português Luís Vaz de Camões); O Mercador de Veneza (peça teatral do inglês William Shakespeare); O Inspetor Geral (peça teatral do russo Nikolai Gógol); A Morte de Ivan Ilitch (novela do russo Lev Tolstói); Moby Dick (romance do norte-americano Herman Melville); O Senhor dos Anéis (trilogia do britânico J. R. R. Tolkien) e Admirável Mundo Novo (ficção científica do inglês Aldous Huxley).
A luz do conhecimento
Com o programa Expedições, Monir pretendia fazer a leitura de 100 livros clássicos da literatura universal. Fez “apenas” 92 – só não completou a centena porque teve um sério problema de saúde em 2011. Como todas as palestras foram gravadas, restam ainda 82 títulos a serem publicados em forma de livro.
A convite do Sesi Paraná e da família Nasser, tive a honra de revisar o material das dez primeiras aulas, publicadas agora em formato de livro. Revisar o professor Monir é um dos trabalhos mais simples do mundo, porque ele falava “editado”, para usar um jargão da imprensa. A verdade é que aprendi muito mais do que revisei. Monir era um educador no pleno sentido da palavra, se pensarmos que o termo educar vem do latim ex ducare, conduzir para fora. Suas aulas conduziam literalmente seus alunos para fora da caverna da ignorância, mostrando-lhes a luz pura do conhecimento que emanava de Aristóteles, Platão, a Bíblia, Santo Agostinho, Boécio, Dante, Shakespeare, Tolstói, Dostoiévski, Kafka, Chesterton, Eliot.
Os encontros com Monir duravam cerca de quatro horas, com um intervalo para o café. Ele fazia uma apresentação genérica do autor, da obra e do contexto histórico. Em seguida, havia a leitura de um resumo da obra, entremeado por observações de Monir. Esses comentários iam formando um “rio de ouro” – expressão que Cícero usou para definir as obras perdidas de Aristóteles – e conduziam o ouvinte pelas maravilhas da literatura e do pensamento ocidental. Era quase milagrosa a atenção em que ele conseguia manter seu público durante os 240 minutos de aula.
O valor e a missão dos Josés
Nomes não existem por acaso. José Monir Nasser tinha o nome de dois importantes personagens bíblicos. José, o interpretador de sonhos. E José, o marceneiro, o guardião, o pai adotivo de Jesus. O primeiro José se tornou o maior sábio de seu tempo. O segundo José é conhecido por não pronunciar uma só palavra em todo o Evangelho. O primeiro José era amigo das palavras. O segundo José era amigo do silêncio. Mas ambos tinham algo em comum: eles fizeram o que precisava ser feito.
E o nosso José, o José Monir Nasser, também pertencia a essa casta. Ele fez o que precisava ser feito: espalhou as sementes do conhecimento, da educação e dos valores eternos. O sentido da sua vida era fazer o bem e elevar o espírito de seus semelhantes. A essência do seu trabalho consistia no amor ao próximo. E, como diria Camões: “– Mais servira se não fora para tão longo amor tão curta a vida!”
Serviço – Os cinco primeiros volumes da série Expedições pelo Mundo da Cultura encontram-se à disposição para download gratuito: http://www.sesipr.org.br/cultura
Isto pe José Monir Nasser
“Não é possível implantar uma ditadura totalitária a não ser pelo caminho diabólico de exigir a perfeição do ser humano. O tempo todo o governo diz para você que somos absolutamente malignos e culpados, quando de fato não somos.”
“A inveja é o crime fundador da humanidade.”
“O ser humano precisa descobrir que não é Deus, é criatura.”
“Nunca saberemos nada, a não ser fragmentos sobre a existência do mundo. No entanto, na nossa dimensão humana isso não é um defeito em si. Não se pode exigir que sejamos como Deus. Isso é a soberba: você imaginar que pode ser tão perfeito quanto Deus.”
“Todo mundo acha que o anticristo é uma entidade, uma pessoa concreta. Nada disso. Ele é um conjunto de mentiras que encobrem a verdade.”
“Somente a partir da perspectiva da morte que se pode então produzir alguma compreensão da vida. A morte é uma espécie de grande pedagoga.”
“Amar a humanidade é, de todas as formas de amor, a mais estúpida. Porque o sujeito ama a humanidade, mas na verdade não ama nenhum ser humano especificamente. Jesus Cristo nunca amou a humanidade, amava os seres humanos.”
“Filosofia é a capacidade de olhar e ver o que é.”
“Ou há civilização religiosa, ou não há civilização nenhuma.”
(Fonte: Expedições pelo Mundo da Cultura)