Por Michely Massa
Mesmo sem sair de Londrina, é possível conhecer Espanha, Alemanha, Japão, Portugal, Itália, países árabes e tantos outros. Engana-se quem pensou no uso da internet. Às vezes, basta caminhar algumas quadras e um povo, uma história, uma cultura diferente podem estar ali à espera de quem queira vivenciá-los.
Londrina é assim, formada pelo encontro dos diferentes. Uma pluralidade étnica presente desde o início e que ajudou a construir o que se denomina londrinense. “Além dos milhares de migrantes brasileiros, principalmente paulistas, mineiros e nordestinos, a cidade e região receberam também imigrantes de aproximadamente 40 etnias”, lembra o historiador Edson Holtz, do Centro de Documentação e Pesquisa Histórica da Universidade Estadual de Londrina (CDPH-UEL).
Essa diversidade é visível em todos os segmentos, inclusive o comércio. Alguns, abertos por imigrantes desde os primeiros anos de Londrina, trazem no comando a segunda ou mesmo a terceira geração da família. Outros são pontos montados por imigrantes que acabaram de descobrir a cidade. A revista Mercado em Foco foi até alguns desses comércios e, com um olhar mais atento, descobriu que o mundo está aqui.
País irmão
Provavelmente, os japoneses são os imigrantes mais fáceis de identificar. Os olhos puxados não negam. São aproximadamente 25 mil na região, incluindo os descendentes, o que coloca a colônia japonesa do Norte paranaense como a segunda maior do País. Mas há outros traços que marcam essa cultura, como a disciplina e a organização, fundamentais para que o comércio dê certo. Prova disso é que dois dos mais antigos da cidade são comandados por japoneses.
A fachada simples na Rua Sergipe, com pintura antiga e sem nome aparente guarda uma riqueza em dedicação e sabedoria. É a dona Tokiko Ajimura, japonesa e fundadora do Bazar Ajimura. São 96 anos de história dessa senhora que se confundem com os 66 anos do negócio da família.
Tudo começou com duas portas em 1948. Ofereciam aviamentos. A clientela aumentou e, em 1957, o bazar mudou para o espaço ao lado, onde está até hoje. Tokiko teve seis filhos, entre eles, Tadamasa Ajimura. Com 74 anos, ele é o responsável pela loja, juntamente com duas irmãs e a esposa Teresa.
Mas, a palavra final por lá ainda é de dona Tokiko. “Ela vem trabalhar todo dia. Quando eu falo em fechar as portas, ela diz: ‘Quer virar vagabundo?’”, revela Tadamasa. Para ela, levantar todos os dias e seguir para o Ajimura é uma recomendação médica.
Segundo Tadamasa, quem mantém o bazar são as gerações dos clientes da época da fundação e 80% não são descendentes de japoneses. “É a terceira, quarta geração de clientes fiéis. Lucro não dá muito. Mas não posso me desfazer da loja. Isso daqui é a vida da minha mãe.”
Se o Bazar Ajimura continuará na família, não se sabe. “Meus filhos moram em São Paulo. Uma filha está aqui em Londrina, mas trabalha com o marido. Eles disseram que quando se aposentarem vão tomar conta. Não sei se eu vou aguentar até lá”, brinca Tadamasa.
Outro exemplo é seo Shinzo Matsuco. Viúvo, 94 anos, vai todos os dias ao comércio da família, o restaurante Minato, que fica na Rua Belo Horizonte. O início foi na Rua Minas Gerais, em 1954, quando dona Fusako Matsuco, esposa de Shinzo, decidiu ter um restaurante de comida japonesa.
Para escolher o nome, ela procurou uma vidente que indicou Minato. “Em japonês, significa porto, que é um lugar de bastante movimento, nunca fica parado. Deu certo”, explica Shinzo, que era fotógrafo. Pouco tempo depois, indicaram para eles um cozinheiro especialista em comida chinesa e o Minato passou a oferecer comida do Japão e da China. Segundo Shinzo, o restaurante se tornou o primeiro do Paraná a ter um cardápio chinês.
Os seis filhos de Shinzo se formaram em áreas diferentes, mas o Minato falou mais alto e os quatro homens trabalham no restaurante. Um na administração e três na cozinha. As noras ajudam e uma das netas é responsável pelo caixa.
Shinzo é descendente de japoneses, Fusako também era. Eles se conheceram em Londrina, casaram, e só depois souberam que os pais chegaram do Japão no mesmo navio. Destino? Talvez. Mas é certo que construíram um espaço que faz parte da história de Londrina.
Força árabe
Assim como os japoneses, os árabes também são muito presentes no comércio de Londrina. As lojas populares, com toalhas expostas, roupas, enxoval completo, traz muito da cultura do Oriente Médio e remete aos mascates, aqueles vendedores de antigamente que, em sua maioria, eram árabes.
Foi como mascate que Michel Dakkache começou os negócios em Londrina. Libanês, chegou ao Brasil com 25 anos e se casou com Salime, curitibana de família libanesa. No início da década de 1960, já possuíam um armarinho na cidade. Mas os negócios da família cresceriam em outro ramo.
“Na época, não tinha isso de comida típica”, conta Carlos Elias Dakkache, filho de Michel. Então, eles abriram em 22 de maio de 1965 uma lanchonete especializada em pratos árabes, o Kiberama. Desde então, o restaurante na Rua Mato Grosso abriga um pedacinho das arábias. Nestes quase 50 anos, o espaço passou por quatro ampliações, e o balcão do dia da inauguração continua ali.
A tradição árabe está na decoração e também no quibe cru, no charuto de repolho, no tabule, no carneiro e nas esfihas. Mas o cardápio agregou os costumes brasileiros. “Não somos exclusivos para árabes. Todos vêm aqui, principalmente japoneses. Eles gostam desse tipo de cultura porque são duas culturas fortes”, destaca Carlos.
Michel morreu em 2001 e deixou o restaurante mais antigo da cidade para esposa e filhos. Dona Salime está lá todos os dias. “Vou fazer 80 anos, não tem como me desfazer, me afastar. Essa é a minha Jerusalém”, justifica a professora primária aposentada.
Os netos também abraçaram o negócio da família. Talita Dakkache, 26 anos, se formou em gastronomia para atuar no restaurante. É a terceira geração no trabalho, tradição que, segundo o pai Carlos, se repete também entre os fregueses. “Aqui vem os filhos e até os netos dos primeiros clientes.”
Outro árabe pioneiro de Londrina foi David Dequêch, primo de Michel. Ele montou, no início da década de 1930, juntamente com o alemão Alberto Koch, dois armazéns de secos e molhados, a Casa Comercial e a Casa Central, cujo cenário está reproduzido de forma permanente no Museu Histórico de Londrina.
Pão alemão
Também na década de 1930, o alemão Otto Schultheiss montou a Padaria Otto. O comércio fechou, mas a tradição dos alemães e de seus descendentes trabalharem com pão continua. Um exemplo é a Panificadora e Confeitaria Central, a mais antiga do Norte do Paraná.
O fundador, descendente de alemães, Osmar Kleber, chegou a Londrina ainda criança, em 1933. Veio do Rio Grande do Sul. Trabalhou na olaria do pai, a primeira da cidade, até descobrir a panificação. Passou por várias padarias e, em 1960, montou a própria loja, juntamente com a esposa Ernestina. Os dois morreram e os filhos Lauro e Valdemar assumiram os negócios.
Com uma clientela diversificada, Lauro explica que o foco não era o público da colônia. “Em casa, primeiro aprendemos o alemão, para depois falar em português. Mas no comércio era diferente. Sempre trabalhamos para conquistar o cliente independentemente de sua origem.” Por isso, apesar de não possuir características alemãs, a Panificadora Central é reconhecida pela inovação e tradição em Londrina.
É no caminho para Warta que se encontra a Strassberg Tortas Alemãs, um lugar capaz de levar os clientes a esquecer de que ainda é Brasil. A arquitetura, a decoração, o uniforme, tudo remete a Alemanha. Mas a maior atração aguça o paladar. As receitas tradicionais de tortas, biscoitos, salgados e pães atraem descendentes ou não.
Quem plantou essa ideia foi dona Olga Strass, alemã, que se casou aqui em Londrina com, o também alemão, Carlos João Strass. O primeiro casamento da cidade, em 1932. Com saudades da terra natal, ela preparava os quitutes tradicionais para o filho Jorge. Em 1989, ele, a mãe e a esposa Jandira decidiram experimentar as receitas e oferecer as pessoas da comunidade. Nascia ali um restaurante e o que eles chamam de “cantinho da família Strass”.
De Portugal
Quem também se aventurou nos doces foi João Carlos Lopes de Jesus. Português e confeiteiro há 27 anos, ele chegou ao país por meio da brasileira Eliane de Oliveira. “Era 2004, nos conhecemos em Portugal, foi amor à primeira vista”, declara João. Eles decidiram morar no Brasil no final de 2008. Como a família dela é de Londrina, escolheram aqui.
Para apresentar as iguarias da terrinha, em fevereiro de 2010, nasceu a Doceria Portuguesa. O carro-chefe é o pastel de Belém, também tem o doce de santa clara, bolos e uma variedade de receitas que levam gemas e açúcar. Mas o diferencial está no sotaque. O atendimento vem com a melodia de um legítimo português. Além de João, uma funcionária também é de Portugal.
Seja qual for o motivo, o espaço tem atraído os conterrâneos. “Muitos portugueses moram aqui e dizem que meus doces são melhores do que os de Lisboa.” A ideia de João é ampliar as opções sempre com guloseimas típicas de Portugal, o que tem conquistado brasileiros e japoneses. “Os orientais gostam de doce”, observa João.
Quem tem boca…
No restaurante Vitório Emanuelle II, o sotaque é outro: o italiano Alessandro Saba, da ilha de Sardenha, conheceu Cristina Carloto Gonçalves pela internet, em 2007. Foram dois anos de viagens até a mudança definitiva para Londrina. Em março de 2010, começaram o restaurante com a cara e os costumes da Itália.
O nome remete ao primeiro rei do país, ilustrado na parede pelo artista, também italiano, Paolo Malteni, responsável por grande parte da decoração do espaço. Os adereços em madeira foram confeccionados pelo próprio Alessandro, com peroba rosa. No chão, uma galeria foi construída com réplicas das ruínas, de um fogão, um mosaico e uma rua romana. O banheiro, todo artesanal, também é atração no restaurante.
No cardápio, 70 pratos preparados como na Itália. “Não misturamos os sabores. Massas e filés, por exemplo, vêm separados. Nada aqui é abrasileirado. Essa autenticidade é a nossa identidade”, explica Cristina. Característica que tem atraído e fidelizado italianos e descendentes, estimados em um terço da população norte paranaense, e brasileiros também.
Entre os mais pedidos estão o Spaghetti alla Norma, o Carpaccio di polvo e o Tiramisu, um doce afrodisíaco. Os ingredientes são todos importados. Como na Itália não existe a figura do gerente, Cristina recepciona e encaminha as pessoas a lugares como Roma, Veneza, Imola. Fica a escolha do cliente. Isso é possível porque as mesas são identificadas dessa forma. “Aproxima mais do que os números, comum em restaurantes”, justifica.
El Touro
Outro país europeu com identidade em Londrina é a Espanha. No comércio, tem se destacado o restaurante O Espanhol. Fundado por espanhóis em 1982, foi comprado quatro anos depois pelo então garçom do local José Claro Ferreira, que decidiu manter as características ligadas ao nome.
A camisa é vermelha e amarela. Na parede, quadro de toureiro. E na mesa, alimentos com nomes de cidades da Espanha à base de peixes e frutos do mar. “Começamos com a sardinha. Fizemos várias experiências e hoje temos quase trinta pratos com diferentes peixes”, destaca José.
Mas o carro-chefe é a Paella Valenciana, uma combinação de arroz com filé de frango, carne de porco, marisco, lula e camarões. O prato deve ser encomendado com, pelo menos, 12 horas de antecedência. Em julho e agosto já é tradição o Festival do Camarão. Em outubro, o destaque é o Festival do Bacalhau.
Um aquário fica na entrada, próximo ao painel com fotos de diversos artistas e personalidades que passaram por lá. Mas o gosto comum pelos peixes tornou os japoneses principais clientes: quase 70%.