Nelson Kataoka: receita de pão e homem

Nelson Kataoka se reinventou ao combinar o ofício de fazer pão e a arte do respeito ao consumidor

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Fonte: Edson Vitoretti – Jornal da ACIL

A história do empresário Nelson Kataoka é conhecida: um veterinário que dá uma reviravolta na vida e inaugura uma padaria que só trabalha com produtos naturais, uma boulangerie. O que poucos sabem são detalhes do homem que forjou o empresário. Mostraremos abaixo os ingredientes da "receita Nelson Kataoka".

Deixe vontade e tempo fermentarem
Quando chegou ao Japão, em 1995, o incômodo gosto da indefinição não saía do paladar de Nelson Kataoka. Ele pretendia deixar a empresa na qual trabalhou como veterinário em Londrina, mas não sabia que rumo trilhar. Acompanhado da esposa Mary Kataoka e da filha Laís, várias semanas no Japão foram de espera por definições: "Uma coisa que sempre me chamou a atenção no Nelson é que tudo tinha que ser no tempo dele", diz Mary. Após refletir e temperar possibilidades, o acaso definiu objetivos. Nelson ficou fascinado por uma boulangerie japonesa. Passado, futuro e a decisão do que fazer se estamparam numa foto de revista: pães em formato de animais. O ex-veterinário finalmente encontrara na boulangerie e nos seus processos naturais de produção, o respeito à natureza – ao tempo da natureza –, que não havia no antigo emprego.

Doure coragem e ética
Na antiga empresa, Nelson discordava dos seus superiores. Achava que os métodos de trabalho desrespeitavam os consumidores. "Isso o contrariava muito, porque destoava dos seus princípios", diz Mary. Colhendo dissabores, Nelson desiste da veterinária. Mais tarde, em 1997, a coragem foi imprescindível para abrir um negócio inédito em Londrina, a Nelson Boulangerie. "Ele foi corajoso, um desbravador. Teve que criar a demanda na cidade para esse tipo de pão", diz Mary Kataoka.

Amasse e molde perfeccionismo
Mesmo diante de dificuldades e indefinições, havia algo em Nelson que lhe garantia que as coisas sairiam bem se ele as levasse como queria: seu perfeccionismo. Antes de lançar a Boulangerie, passou um ano todo testando a massa certa para o produto que iria vender. Nessa maratona, gastou uma quantidade enorme de massa experimentando, buscando a qualidade ideal. "Ele pegava o pão, abria, sentia o cheiro, e dizia 'ainda não ficou bom, descarta'", comenta Mary.

Junte uma porção de compromisso com a qualidade
Outra grande dificuldade para abrir a Boulangerie foi encontrar as máquinas certas para fazer seu pão. "No Brasil não havia a batedeira que batia a massa com a qualidade que o Nelson queria", conta Mary. Também nos insumos, o apetite por qualidade. Nelson exigia informações que nem seus fornecedores sabiam dar: "Ele perguntava quantos por cento de proteína e outras substâncias havia na farinha, e as pessoas não sabiam responder", comenta Mary. A qualidade final do produto era fiscalizada milimetricamente por Nelson. Seguindo a linha da culinária japonesa, o pão do Nelson tinha de ter o apelo estético, para o freguês também comer com os olhos. "Ele chegava ao cúmulo de mandar a gente jogar fora o pão cujo nariz do porquinho estivesse torto. Tudo tinha que estar perfeito", diz Laís. Pablo Valentini, genro de Nelson, aprendeu com o sogro que pão tem lado da frente. "Uma vez o seu Nelson disse que o croissant estava de costas! Pra ele era um absurdo um monte de pães franceses jogados dentro de uma cesta. Ele falava que a individualidade do pão devia ser respeitada", diz Pablo. Como Nelson era quem dava a palavra final sobre o que iria para loja ou seria descartado, quando ele saía de férias, a boulangerie não vendia pães. "Imagine uma padaria que fica sem vender pão durante um mês!", comenta Mary.

Deixe descansar a avidez
Por conta dessa linha de conduta irremovível, de não entregar ao freguês um produto que não estivesse perfeito, Nelson Kataoka descartava procedimentos que dariam mais lucro. Se o pão francês não estivesse com a casquinha aberta do jeito certo, ele não vendia. Doava aos fregueses. O "fordismo" era ignorado por ele, pois se recusava a implantar mais fornos em sua padaria. O tempo do processo natural para a produção dos pães devia ser respeitado. Por isso sua Boulangerie só abre a partir das 12 horas. A manhã é dedicada à confecção fundamentalmente artesanal dos pães.

Guarde a liga da "massa-família"
A família foi o ingrediente fundamental na vida de Nelson Kataoka. “Nossa união foi meio predestinada e direcionada por outras pessoas. Nossas famílias já se conheciam em Rolândia, mas a gente nunca havia se visto. Só fomos nos conhecer na faculdade, em 1975, com a insistência de uma professora em comum, que dizia que a gente havia nascido um para o outro. Ela foi nosso cupido”, conta Mary, emocionada. Quando Nelson foi para o Japão sem saber o que fazer da vida, levou Mary e sua filha Laís, então com 11 anos de idade. A angústia por uma definição profissional de Nelson não azedou o apoio incondicional de esposa e filha. “De repente o Nelson resolveu ficar mais três meses no Japão estudando, e disse que iria ter que gastar todas as economias pra isso. Nós concordamos, porque sabíamos que ele estava muito determinado a aprender fazer pão”, diz Mary. Nelson nunca teve muita intimidade com economia. Quando voltou ao Brasil, confundia Cruzado com Real. “Eu sempre dei um apoio nessa questão financeira. Eu era a tesoureira, sua secretária”, conta Mary. No Japão a liga familiar funcionou oportunamente. Como Nelson, embora falasse, não sabia ler japonês, ele usou um livro infantil, uma cartilha da filha Laís, para dominar o idioma. Se não fosse essa cartilha, ele não teria passado nas provas para entrar na conceituada escola gastronômica japonesa. Ao realizarmos esta matéria sobre Nelson Kataoka, fomos testemunhas dessa união e sintonia familiares. Por estar adoentado, Nelson não pôde nos conceder entrevista.

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