Perfil de empresário: Se estas paredes falassem

Um perfil de Roberto Vezozzo, dono do Hotel Bourbon, um lugar que hospeda meio século de histórias de Londrina, do Paraná e do Brasil

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Fonte: Paulo Briguet/ACIL

Se as paredes do Hotel Bourbon falassem, contariam muitas histórias. As paredes não falam, mas o empresário Roberto Vezozzo, dono do hotel, é um excelente conversador. Suas histórias dariam um livro. E o primeiro capítulo mostraria as comemorações em 31 de outubro passado, quando o hotel completou 50 anos. Nesse dia, foram celebradas missas em todas as unidades do Bourbon – e já são 14, em grandes cidades brasileiras, no Paraguai e na Argentina. A Rede Bourbon, que começou na Alameda Miguel Blasi, coração de Londrina, hoje está conquistando a América do Sul. Neste meio século, a rede atingiu a marca de 15 milhões de hóspedes. Número que supera em cinco milhões a população do Paraná e corresponde a quase três Paraguais.

O mais novo hotel da rede chama-se Jardín Escondido e, apesar do nome, pode ser facilmente encontrado em Buenos Aires. A mansão em que o hotel se instalou pertence ao famoso cineasta Francis Ford Coppola – de “O Poderoso Chefão” – e tem 12 apartamentos. “É pequeno, mas ficou lindo”, festeja Vezozzo.

Esse filme de longa-metragem começou em Cambará, onde o casal Caetano e Angelina Vezozzo fixou residência. Eles vieram de São Sebastião do Paraíso, nos confins de Minas Gerais. Caetano, o patriarca, de início abriu uma serraria. Depois, transformou-a em marcenaria. Em seguida, abriu uma casa de materiais de construção. Um dia, reuniu os filhos e comunicou que se mudariam para Londrina, onde abririam um hotel. E assim foi. “Meu pai era um homem com visão de futuro. Ele percebeu que Cambará estava ficando pequena demais para nós”, diz Roberto.

“Nasci vendo meu pai trabalhar”, assegura Roberto Vezozzo. “Ele acordava às três da manhã para colocar fogo na caldeira, em Cambará. Foi assim a vida toda.” Seguindo rigorosamente essa ética do trabalho, a família transformou o Hotel Bourbon – cujo nome faz referência a uma variedade de café – em um dos pontos mais tradicionais da cidade. Por esse palco passou (e continua passando) uma galeria de personagens que os filmes antigos chamavam de “grande elenco”: artistas, cantores, celebridades, arcebispos, deputados, prefeitos, senadores, governadores, presidentes – e até um rei.

Preparem uma paca para o general presidente

Inaugurado cinco meses antes do golpe militar de 64, o Hotel Bourbon – especialmente no seu bar e restaurante – foi um ponto de encontro dos políticos das mais diversas tendências. Frequentavam o local desde nomes ligados ao regime militar – Ney Braga, Jaime Canet e até o vice-presidente Augusto Rademaker – a personagens da oposição democrática – José Richa, Alvaro Dias, Roberto Requião, Hélio Duque. O Bourbon nunca teve cor partidária – a família Vezozzo atendia a todos igualmente bem. E todos se sentiam em casa.

Meses antes de tomar posse como presidente da República, o general João Baptista Figueiredo (1918-1999) ficou hospedado no Bourbon em Foz do Iguaçu. Conversando com suas fontes gastronômicas em Brasília, Roberto Vezozzo ficou sabendo que o futuro presidente gostava de comer paca. Isso mesmo: paca, o animal silvestre. Roberto estava em Foz na época e mandou preparar uma paca especial para Figueiredo. Minutos depois, um segurança da comitiva presidencial mandou chamar o dono do hotel. Seguiu-se o diálogo:

– Tudo bem, presidente?

– Tudo bem. Agora sente-se aqui e me diga uma coisa: quem lhe disse que eu gosto de paca?

– Olha, presidente. Lá em Brasília o senhor tem o SNI. Aqui no Bourbon nós também temos o nosso…

O presidente e o hoteleiro ficaram amigos. Até porque, segundo Figueiredo, a paca estava boa pacas.

Mas, do outro lado do jogo político, o Bourbon também tinha seus amigos. Nos anos 70, Hélio Duque fazia ácidos comentários políticos em um programa na TV Tibagi. Certo dia, um oficial fardado veio ao hotel e perguntou:

– É neste hotel que mora o sr. Hélio Duque?

Vezozzo disse:

– Ele não mora no hotel. Só vem aqui algumas vezes.

Assim que o militar saiu, Roberto entrou em contato com a família de Hélio Duque para avisá-lo de que ele estava na iminência de ser preso. “Felizmente conseguimos evitar a prisão do Hélio. Sabe, naquela época havia alguns oficiais do Batalhão do Exército em Apucarana que eram da linha dura”, relembra o proprietário de Bourbon.

“Não vou sair de férias e ficar no hotel dos outros”

Um dos segredos do sucesso do Bourbon sem dúvida está nessa disposição em servir às pessoas. Roberto Vezozzo é um permanente anfitrião; diante dele, somos todos hóspedes. Mas será que esse anfitrião descansa? “Olha, de vez em quando eu dou uma escapada e passo alguns dias em São Paulo, em Foz, em Atibaia. Mas não vou sair de férias para ficar hospedado no hotel de outra pessoa… Isso não, mesmo!”

Há alguns anos Roberto passou 32 dias no apartamento do pianista João Carlos Martins, em Miami. Conhecido por ser um dos maiores intérpretes da obra de Bach, Martins ficou sabendo que alguns políticos paranaenses iriam visitá-lo em Miami e perguntou ao amigo:

– Roberto, o que eu devo tocar para eles?

– Ora, João. Toca Chitãozinho & Xororó. Esse pessoal é caipira!

Quando está em casa, Roberto gosta de ouvir notícias no rádio; mas não existe agência de notícias melhor do que o hotel da Alameda Miguel Blasi. Certa vez, no começo dos anos 70, chegaram juntos Ney Braga (1917-2000), Celso Garcia Cid (1912-1972) e João Milanez (1923-2009). Os três cumprimentaram Roberto e subiram para o apartamento de Caetano, onde costumavam tomar chá. Naquele dia, Caetano revelou ao filho: “Em breve Londrina vai ganhar algo muito importante”. Dias depois, a Folha de Londrina anunciava a criação do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar).

Outro frequentador ilustre do Bourbon foi Geraldo Júlio, mais conhecido como Dinho, falecido em 1987. Desde o momento em que pôs os pés na cidade, para ser garoto-propaganda da Cervejaria Londrina, Dinho nunca mais quis sair da Terra Vermelha. E elegeu o Hotel Bourbon como seu segundo (e às vezes primeiro) lar. Todos os dias, ele chegava ao hotel carregando 60 empadas. Levava três para dona Angelina, três para seu Caetano e uma para Roberto. As 53 restantes ele comia, enquanto esvaziava de oito a dez garrafas de cerveja no bar do hotel, que hoje leva seu nome.

Dinho era o rei momo, e também o rei do Bourbon. Diz a lenda que certa vez ele encontrou Dom Geraldo Fernandes na rua e o arcebispo teria dito:

– Há quanto tempo, meu amigo Dinho!

– Pois é, Dom Geraldo. É difícil a gente se encontrar: eu não vou na missa, o senhor não vai na zona…

Amicíssimo de Dom Geraldo e vizinho da Catedral, Roberto Vezozzo desmente essa versão. Segundo ele, havia só um Geraldo nesse diálogo – o Dinho. O verdadeiro interlocutor era um padre chamado Oswaldo, e a conversa aconteceu após o batismo de Fabiane, filha de Roberto. “Depois o povo foi inventando novas versões…”

As paredes do Hotel Bourbon poderiam contar muitas outras histórias. Mas vamos parando por aqui. Já falamos de artistas, de políticos, de um arcebispo, de um presidente, de uma paca e até de um rei. Agora, quando você passar pela Alameda Miguel Blasi e sentir um pequeno movimento no chão, não se assuste. É o coração de Londrina que está batendo, com os sinos da Catedral e o relógio de parede do seu Roberto.

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