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Entre o otimismo moderado e as pitadas de preocupação

Fonte: Revista Mercado em Foco – ACIL -​ Por Lúcio Flávio Moura

Em países como o Brasil, os economistas lidam com tanta instabilidade que qualquer prognóstico, ainda que fundamentado na mais certeira das teorias, é um enorme risco. Na verdade, no mundo todo, as anedotas ácidas sobre a “bola de cristal” montadas por estes analistas mostram o quanto pode ser desconfortável ter que desenhar o futuro para o mercado. A célebre frase do ex-presidente francês George Pompidou confirma como um estudioso das ciências econômicas se expõe ao julgamento público. “Há três maneiras de se chegar ao desastre: a mais rápida é pelo jogo, a mais agradável é com as mulheres; e a mais segura é consultar um economista”.

Sem medo de se expor ao erro futuro, o professor-chefe do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL) aceitou o desafio proposto pela reportagem da Mercado em Foco. Afinal, aonde a economia está indo? A retomada é para valer?

O curitibano Renato Pianowski de Moraes, 64 anos, 40 de Londrina, 22 de UEL, é cauteloso nos comentários, fazendo valer sua experiência profissional que começou em uma empreiteira especializada em habitação popular e saneamento básico, passou pelo empreendedorismo até chegar ao magistério. Pianowski, entretanto, se posiciona claramente quando acha necessário. Classifica de “tolice” o discurso dos otimistas de plantão e lembra que um único fato na aldeia global pode significar a ruína de qualquer planejamento macroeconômico.

Veja os principais trechos do depoimento, dado numa tarde quente de dezembro no seu apartamento na Gleba Palhano.

 

JUROS BAIXOS E ESTABILIDADE

“A taxa ideal é de um ou dois pontos acima da inflação. E tudo leva a crer que poderemos chegar a este patamar em pouco tempo. No entanto, nós vivemos num mundo de tensões que podem resultar crises gravíssimas, eu citaria apenas uma como exemplo: um conflito armado na Coreia. Isso muda todo o panorama, a começar pelo comércio exterior, balança de pagamentos. Não custa lembrar o quanto sofremos com a crise de 2008”.

 

O RISCO LULA

“Temos um favorito claro na corrida presidencial que tem um futuro incerto. Em alguns meses, o Lula pode estar preso ou o processo pode se arrastar e permitir que ele se candidate e até vença. Isso ocorrendo, o panorama também pode se degradar, não apenas pela vitória de um candidato impopular no setor produtivo, mas pela insegurança institucional que um novo governo petista pode gerar. Por outro lado, se os agentes econômicos acreditarem que quem está na frente na corrida presidencial é um líder sério, vamos terminar 2018 muito bem”.

 

DÍVIDA PÚBLICA PÕE EM RISCO AS RESERVAS

“Nosso déficit é calamitoso, mesmo com a baixa na Selic, a dívida se apreciará em torno de R$ 273 bilhões de juros em um intervalo de 12 meses. Não temos superávit para cobrir este rombo. Então, só resta rolar esta dívida. É uma dívida grega, impagável. Não há nenhuma chance de investimentos sólidos em infraestrutura e em políticas sociais num prazo curto de tempo. É tão ruim a situação que há um temor de alguma medida heterodoxa, como, por exemplo, sangrar as reservas para administrar este passivo”.

 

A DEPENDÊNCIA DA AUSTERIDADE

“Se gastarmos menos do que arrecadarmos e mantivermos as taxas de juros semelhantes aos níveis atuais, poderemos recuperar as finanças em quatro ou cinco anos. Se isso não acontecer, a volta da inflação alta será inevitável”.

 

O FANTASMA DO DESEMPREGO

“O desemprego é uma questão preocupante para os próximos anos. Basta você visitar qualquer loja ou qualquer supermercado para entender como a indústria brasileira está se enfraquecendo. Praticamente todos os bens de consumo são importados. Sem contar o esforço por inovação e tecnologia no agronegócio e nos serviços, que também contribuem para a redução do número de postos de trabalho. Outro agravante é que esta ligeira retomada na economia pode fazer muita gente que havia desistido de procurar uma colocação, mude de ideia, o que vai impactar diretamente no número total de desempregados”.

 

AVANÇO POLÍTICO CONTRA OS ‘VOOS DE GALINHA’ NA ECONOMIA

“O desenvolvimento consistente só virá com pensamento à longo prazo. Investimento contínuo para o crescimento das micro e pequenas empresas, investimento contínuo em infraestrutura e incentivo a construção civil. Acrescentaria ainda um aprimoramento na legislação e nos processos para consolidar nosso modelo de parcerias público-privadas, uma forma de atrairmos capital estrangeiro para nossa economia. E também diria que o governo tem um corpo técnico capacitado, mas isso não vai fazer diferença até que uma geração de políticos sérios e compromissados com o País não ocupem cargos importantes. A receita para o sucesso econômico não vai sair do papel sem governantes minimamente respeitados”.

 

CETICISMO COM O IMPACTO DAS REFORMAS

“A nova legislação trabalhista não é diferente de nada que existe pelo mundo afora, inclusive em países que disputam mercado com o Brasil. Evidentemente que a reforma era muito necessária. Quanto ao novo texto da legislação tributária, que está sendo discutido no Congresso, não vejo como um avanço. Não vai haver redução da carga de impostos. E este é o grande problema. Acredito que o Estado ficará menos inchado e que os privilégios serão combatidos a partir de uma tributação menor. Com menos arrecadação, o governo será obrigado a racionalizar seus gastos, a mudar sua cultura, esquecer a ideia de que deve ser um provedor de todos. A reforma da Previdência deve passar com texto mais suave nos próximos meses. Acho que foi positivo este debate sobre a Previdência. Acho que o impacto pode incluir o nível de consumo da classe média, por exemplo. Muita gente vai começar a se preocupar em contribuir e poupar. Vai se alastrar a ideia de que é preciso trabalhar mais tempo e de que a aposentadoria. Na minha opinião, todo o funcionalismo levou a culpa pelo rombo, mas não é bem assim. No meu entender, o problema está no modelo repartitivo e na má gestão. Sempre desviaram muito recurso arrecadado para outras finalidades. E diria que continuarão. Se estas duas coisas não mudarem, vamos ver muitas reformas acontecendo na próxima década”.

 

O FUTURO DA ECONOMIA REGIONAL

“Nosso povo é empreendedor, é trabalhador, isso deve sempre ser ressaltado mesmo em tempos menos otimistas. Londrina tem ativos extraordinários. Não dá para esquecer que temos um enorme contingente de universitários que, aliás, continua aumentando, inclusive com o funcionamento de mais uma grande universidade a partir de 2018. Esta massa de jovens faz a economia de Londrina girar, com o surgimento de novas oportunidades de negócio para atender esta demanda toda. Estes estudantes trazem novas ideias para a cidade e impactam muitos segmentos. Quando se formam acabam investindo aqui e qualificando nosso ambiente de negócios. Temos grandes perspectivas em Tecnologia da Informação e em segmentos que orbitam o agronegócio. A nossa construção civil é fantástica, com atuação até em outros países. Para concordar comigo basta observar um bairro como a Gleba Palhano, erguido sem ajuda do governo, por esforço e capacidade das construtoras daqui. A paisagem urbana de Londrina continua mudando, se encorpando e impressionando a gente e mais ainda quem vem de fora. E temos uma sociedade civil organizada muito ativa, atuante. Se o poder público não atrapalhar, estamos fadados ao desenvolvimento”.


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