Palco de encontros e desencontros, em seu foco estão lojas, casas e causas. O calçadão de Londrina, ao longo de seus quase 50 anos, já foi protagonista, roteirista e espectador de uma história que se reconta naturalmente todos os dias. O que 23 mil metros quadrados do pavimento de blocos de cimento, que substituiu o famoso petit-pavé, é capaz de nos contar sobre o coração da cidade? Para responder a essa pergunta é preciso voltar no tempo. O projeto, inspirado na Rua XV de Novembro de Curitiba, nasceu em 1976, mas só foi executado no ano seguinte. Jaime Lerner, que havia projetado a rua da capital, também foi contratado para dar vida à proposta londrinense. O calçadão de Londrina tinha a nobre missão de humanizar o centro. Os carros deixariam o trecho, dando lugar à pedestres e consumidores, que encontrariam espaço de convivência e um importante centro comercial.
Desde essa época, a história do calçadão se mistura com a da cidade, tornando-se um reflexo das transformações sociais e até mesmo das tensões políticas. Desde o início, o projeto enfrentou resistência e despertou dúvidas. A principal delas dizia respeito ao impacto da falta de estacionamento próximo, com a Avenida Paraná fechada para carros. Apesar das incertezas, o projeto deu certo e seguiu em constante desenvolvimento, sendo uma peça chave para o comércio local e a economia da cidade. Uma das mudanças mais significativas foi, em grande parte do Calçadão, a substituição das pedras portuguesas por uma opção de mais fácil manutenção, mudando o aspecto da região.
Influência da ACIL
O jornalista e pesquisador Widson Schwartz, autor do livro ACIL 80 anos – O espírito empreendedor voando sempre mais alto, destaca a participação da Associação nas tentativas de revitalização: “O propósito do Calçadão era ser um eixo para revitalizar o comércio do centro da cidade. A ACIL foi fundamental no processo revitalizador do calçadão e ao torná-lo colorido”. Com a popularizaçao da televisão a partir dos anos 70, o público dos cinemas sofreu uma redução, ao mesmo tempo em que os shoppings surgiam como novidade. A grande maioria das salas de cinema do centro foram, gradativamente, fechando as portas.
Em uma iniciativa para recuperar a atratividade na área central, a ACIL entrou em cena durante a gestão do médico e empresário Farage Kouri (1993-94), que considerou a revitalização do calçadão “uma das coisas mais importantes que tivemos”. A ACIL esteve à frente da implementação de equipamentos, das jardineiras de flores, de um coreto e de toda a mudança do padrão do calçadão. “Além de uma atividade turística, eu queria tornar o calçadão um shopping a céu aberto”, pontuou Farange Kouri para Widson Schwartz no livro ACIL 80 anos. Além da reestruturação, a iniciativa também buscava conscientizar a população sobre a utilização saudável do espaço público com uma verdadeira força-tarefa. Durante a gestão de Francisco Negri Filho (1994-1996), o objetivo foi aumentar a circulação de pessoas. A estratégia ficou por conta da promoção de campanhas comerciais e a cooperação de guias de turismo. Na época, os cheques de outros Estados na economia local aumentaram de 1,62% para 3,80%, como consta no livro de Widson Schwartz. Negri também estimulou a decoração natalina, tudo com a benção do arcebispo D. Albano Cavallin.
Tradição
Lojas como a londrinense Bolivar estão tradicionalmente no centro da cidade antes mesmo do Calçadão, acompanhando mudanças, superando obstáculos e desafios para permanecerem ativas. “Nós chegamos antes do Calçadão ser Calçadão. Houve um boom do comércio nessa época. Os anos 80 foram os anos dourados”, relembra a empresária Katia Boechat, proprietária da Bolivar Calçados. Para a lojista, a história de londrina está no centro e por isso é preciso que o poder público olhe com mais carinho para os comerciantes da região. “Se o Calçadão está sendo bem cuidado, se tem atrativos para o público, nossas vendas também são melhores”, destaca Boechat, ressaltando ainda a importância de se evitar que o acervo histórico de Londrina seja perdido ou esquecido. “Duas gerações acima da minha já não conhecem mais o centro. Infelizmente, se não for tomada uma atitude, a história vai acabar morrendo”.
O Calçadão é acima de tudo um ativo da cidade. Independente das gestões políticas que assumem o comando do município, o Calçadão sempre será dos londrinenses. Cuidar do centro e prezar pela atividade comercial que existe nele é respeitar a história e a soberania do tempo. Um grande diferencial do comércio central está no fato de que, por exemplo, a maioria das lojas que têm permanecido e fomentando o movimento de consumidores, são lojas locais. Como afirma Katia Boechat: “Lojas locais estão trazendo o consumidor para o centro. Não tem multimarcas, tem lojas de Londrina com preços acessíveis e produtos bons”. Toda a história do Calçadão demonstra uma verdade inegável: “o Calçadão é justificado”, como expressa Widson Schwartz. O projeto que mudaria por completo a dinâmica da Av. Paraná tinha que acontecer. Como tudo o que envolve uma cidade, o Calçadão também teve suas fases, sofreu os impactos de iniciativas discordantes, passou por inúmeras transformações, mas mantém sua importância econômica e cultural e, por isso, merece ser celebrado.
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