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Projeto da UEL desenvolve próteses para mulheres mastectomizadas

Cerca de 70% das pacientes que passaram pelo procedimento não realizaram a reconstrução de mama, direito garantido pelo SUS desde 2013


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Tempo de leitura: 7 minutos

No Brasil, o câncer de mama é o mais incidente em mulheres, com exceção dos tumores de pele (não melanoma). Para o triênio 2020-2022 foram estimados 66.280 casos novos, configurando uma taxa de incidência de 61,61 casos novos a cada 100 mil mulheres, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer.

Quando se trata de sintomas, ser portadora dos genes BRCA1 e BRCA2 é um fator de risco, além da exposição prolongada a hormônios femininos, idade avançada, excesso de peso, histórico familiar ou mulheres que não tiveram filhos – ou tiveram o primeiro filho após os 35 anos. No entanto, há casos de mulheres que desenvolvem a doença sem apresentar algum sintoma considerável.

Mamografia

O método mais tradicional para diagnosticar a doença é a mamografia. Entretanto, segundo dados da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), apenas 21,8% dos municípios possuem pelo menos um mamógrafo. A falta do equipamento dificulta o diagnóstico precoce. Assim, têm se levantado novas formas de se detectar as células cancerígenas. Uma equipe de cientistas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), trabalha na investigação de biomarcadores presentes no sangue, que podem trazer novas respostas sobre o câncer de mama.

Cerca de 36% das mulheres diagnosticadas são submetidas à mastectomia, no qual o tecido mamário é removido completamente para tratamento ou prevenção do câncer de mama. Apesar de o procedimento de reconstrução da mama ser um direito garantido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) desde 2013 (Lei 12.802), cerca de 70% das mulheres não o realizam por falta de infraestrutura, número de cirurgiões treinados, risco de infecção e outras complicações. Nesses casos, o uso de próteses externas pode ser uma alternativa. Em geral, aproximadamente 80% das mulheres usam prótese externa, mas 44% demonstraram insatisfação com o resultado.

Um novo olhar

Juliane Cristina Leme, pesquisadora da UEL:
“Minha intenção era desenvolver projetos que de fato
causassem impacto na vida das pessoas”

Pensando nisso, a professora Juliane Cristina Leme, do Departamento de Ciências do Esporte da Universidade Estadual de Londrina e estudante de Doutorado em Educação Física pelo Programa de Pós Graduação Associado UEM/UEL, resolveu apresentar outra possibilidade.

Em conversa com o professor e orientador Felipe Arruda Moura, do Departamento de Ciências do Esporte da Universidade Estadual de Londrina, responsável pelo Laboratório de Biomecânica Aplicada (LBA), Juliane Leme investigou a influência de diferentes suportes para o seio e modelos de tênis esportivos nos movimentos dos seios e da coluna vertebral durante a caminhada e corrida. Nas investigações feitas em biomecânica, não eram levadas em consideração as particularidades do corpo feminino, o que instigava Felipe e Juliane.

A doutoranda conta que, ao fim do mestrado, sua vontade era continuar estudando mulheres e, numa segunda conversa com Felipe, encontrou seu novo objeto de pesquisa. O professor havia participado de um congresso e observado algumas tentativas em impressão 3D, o que resultou na ideia do projeto de próteses mamárias personalizadas produzidas nas impressoras. “Minha intenção, desde o início dos meus estudos, mesmo durante a graduação, era desenvolver projetos que de fato causassem um impacto e mudassem a vida das pessoas” relata Juliane.

Autoestima

Ela acrescenta que as mulheres que estão tratando do câncer e acabam perdendo uma ou duas mamas sofrem com a diminuição da autoestima. A perda da mama pode alterar a percepção da mulher sobre a imagem corporal, causar sensação de mutilação e perda de feminilidade, o que pode levar ao afastamento social e à depressão.

Para o orientador, essa iniciativa é a chance de combater injustiças e negligências em relação ao público feminino. Felipe Arruda Moura comenta que, recentemente, o British Journal of Sports Medicine, uma das melhores revistas científicas do mundo, publicou editoriais cobrando pesquisadores sobre pesquisas na área do esporte e exercícios com as mulheres. “Quando descobrimos, no início do projeto, que muitas mulheres colocavam alpiste no bojo do sutiã para criar um volume no seio mastectomizado, entendemos a importância social e impacto gigantescos que o projeto tem”.

As próteses convencionais não levam em conta a pigmentação e o formato da mama de cada mulher. Assim, o objetivo do projeto era trazer esse diferencial, customizando para cada paciente e disponibilizando pelo SUS.

O financiamento do projeto está sendo realizado por meio do Programa de Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde – PPSUS, da Fundação Araucária -, uma parceria do Ministério da Saúde com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Secretaria da Saúde do Paraná.

Fabricação

Felipe Arruda Moura, do LBA/UEL:
“Entendemos a importância social e impacto
gigantescos que o projeto tem”

A primeira etapa consiste na aquisição da forma da mama da paciente para a criação do modelo em 3D. No projeto, foram investigadas três formas diferentes para adquirir o formato: método de luz projetada, aplicativo de celular e exames de imagem (tomografia). O modelo passa por softwares de modelagem 3D para realizar ajustes necessários, espelhamento, criação do molde e contramolde. Em seguida, o arquivo é enviado para ser impresso em um material plástico de origem orgânica chamado PLA (poliácido láctico). Logo após, vem o processo de pigmentação do silicone com a cor mais próxima possível do seio remanescente da paciente. Por fim, o silicone é despejado no molde para iniciar o processo de secagem e, após 24 horas, retira-se a prótese do molde.

No início do projeto, foram realizados testes com duas mulheres saudáveis, as quais conseguiram definir o molde, o contramolde e também o tipo do silicone. Depois disso, em 2022, começaram a coletar os dados de mulheres que passaram pela mastectomia. Foram duas pelo método de luz projetada e com o aplicativo de celular, e uma com exames de imagem e tomografia. Até o momento, foram realizadas a aquisição do modelo em 3D e a impressão dos moldes e contramoldes, e está sendo estudado a fundo a etapa da pigmentação: “Queremos chegar no tom de pele mais próximo possível da pele das participantes”.

Para Leme, “poder ajudar de alguma forma a melhorar a autoestima dessas mulheres é de fato muito importante e gratificante para mim. Como mulher trabalhando em uma área como a Biomecânica, que, como comentei anteriormente, muitas vezes negligencia a pesquisa com mulheres, é ainda mais gratificante”.

Créditos

Além dos professores Juliane e Felipe, contribuem para o projeto o professor Dr. Rodrigo Martins de Oliveira Spinosa, do Departamento de Design da UEL; a professora Dra. Angelica Lodovico, da Faculdade de Tecnologia Inspirar, Diretoria de Pós-graduação e extensão – Unidade Curitiba; professora Dra. Maria Elizete Kunkel, do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de São Paulo, coordenadora do Mao3D; professora Dra. Roberta Targa Stramandinoli Zanicotti, do Serviço de Prótese Facial Reconstrutiva, Centro Hospitalar de Reabilitação do Complexo Hospitalar do Trabalhador, em Curitiba.

*Com supervisão de Ranulfo Pedreiro (editor).

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