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Desafio fiscal reforça importância da reforma tributária

Fim do teto de gastos deve gerar aumento de impostos e inflacionar a dívida pública


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Há muito tempo se discute a necessidade de uma reforma tributária no país que diminua a quantidade de impostos e aumente os benefícios à população. O fato é que o assunto ainda divide opiniões, sobretudo pelas diretrizes das propostas sugeridas até então.

Enquanto existem apenas especulações sobre o tema, duas situações são certas: o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem feito várias declarações defendendo que o governo faça uma reforma ainda no primeiro semestre de 2023. Tal declaração foi elogiada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, que apoia mudanças nas normas que definirão as novas regras fiscais. Dentre elas, há expectativa sobre alterações de isenção no Imposto de Renda (IR) e redução da tributação sobre consumo.

Reforma tributária, segundo o professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Emerson Esteves, nada mais é que uma ação político-econômica que visa mudança da estrutura legislativa de cobrança de impostos, taxas e outras contribuições vigentes. “Tais mudanças são defendidas para que haja modernização no sistema de tributação do país e, assim, sejam corrigidos problemas econômicos e, também, sociais. É o sistema tributário que rege o desenvolvimento da economia, a geração de investimentos e empregos e ainda permite o governo investir em políticas públicas para combater a desigualdade social”, detalha.

Teto de gastos

Enquanto uma proposta formal não é apresentada pelo governo, outras medidas – ainda que discutíveis – já foram aprovadas. Em dezembro, a equipe do governo Lula apresentou a “PEC da Transição” (também chamada de “PEC Emergencial”), uma proposta de emenda à Constituição com o objetivo de retirar do teto de gastos um valor para o novo governo.

A justificativa foi a de que, para que seja possível executar medidas além das que estão previstas no Orçamento de 2023, seria preciso alterar o texto da Constituição a fim de permitir que essas despesas extras sejam contabilizadas fora do teto. Essa alteração visa evitar que o presidente seja acusado de infringir regras fiscais.

Com a aprovação da proposta de emenda, há uma lista de medidas que poderão entrar no Orçamento. De acordo com Esteves, os recursos serão destinados, sobretudo, ao programa Bolsa Família (chamado pelo governo Bolsonaro de Auxílio Brasil), aos investimentos em áreas sociais e ao aumento do salário mínimo. “Estima-se que esse aumento no teto de gastos na faixa de R$ 145 bilhões poderá chegar a R$ 225 bilhões, se colocarmos outras despesas. Isso vai gerar um déficit de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB)”, antecipa. O valor aprovado – nas duas casas parlamentares (Câmara e Senado) – foi de que os R$ 145 bilhões ficarão de fora do teto de gastos por um período de até dois anos. Mas qual o impacto da medida para a população e os cofres públicos?

Contas públicas

O desafio fiscal está lançado para o reequilíbrio das contas públicas. De acordo com o professor, existem duas formas de se financiar essa soma de gastos. A primeira, com aumento de impostos. A segunda, com elevação da dívida pública. “Acredito que a solução do governo será emitir a dívida pública, porque os impostos já estão muito altos no Brasil, porém, não descarto essa hipótese. Quando a segunda opção acontece, o governo precisa pagar uma taxa de juros maior. Provavelmente, o que vai ocorrer é que a queda da taxa Selic (taxa básica de jutos na economia) será menor do que era o previsto. E é justamente ela que impacta na população: o crediário no comércio fica mais caro, porque fica mais caro o juro cobrado. Tudo isso também impacta os cofres públicos, já que se aumenta o estoque de dívidas”, explica, acrescentando que a taxa é a responsável por reger as operações de empréstimo e financiamento, além de interferir nos investimentos.

A previsão é que metade desses R$ 145 bilhões será destinada ao programa Bolsa Família, conforme anunciou o próprio governo. “De certa forma, esse dinheiro vai voltar para economia a partir do momento em que as pessoas vão gastar no mercado, na padaria, no açougue, na feira, vão pagar o aluguel. Mas, para o governo financiar esse custo, terá que emitir dívida e pagar juros mais altos. Ou seja, o crédito vai ficar mais alto e os juros do empresário também vão ficar mais altos”, sintetiza o professor. Atualmente, no Brasil, a dívida pública já chega aos R$ 4,19 trilhões. Cerca de R$ 3,1 trilhões compõem a dívida pública federal (DPF), formada pelas dívidas interna e externa. Com um rombo nesse patamar, os investimentos estão sendo sacrificados.

Emerson Esteves, da UEL:
“O crédito vai subir e os juros para o empresário também vão ficar mais altos”

Custo

Ainda conforme o professor, com a PEC da Transição em vigência, ainda não se sabe como a economia vai reagir às medidas adotadas pelo governo e se conseguirá absorver esse déficit. O que se sabe é que em curto e médio prazo, haverá um custo do financiamento à população.

“Seja numa loja ou comércio em que o cidadão vá comprar, a parcela a ser paga vai ser maior por causa do juro maior”, resume. Já para o empresário, um dos impactos diretos irá incorporar um custo maior ao financiar um equipamento ou investimento na empresa, como maquinário para ampliação ou programa de sistema. “O empresário também vai pagar um juro maior”.

Em um cenário pior, quanto menor for a capacidade do governo de honrar a sua própria dívida, maior vai ser a desconfiança dos agentes econômicos, maior vai ser o encurtamento do prazo da dívida e maior vai ser a taxa de juros cobrada para conceder novos empréstimos.

Reforma

Se o sistema tributário é base para o projeto do país, o Brasil está estabelecido sob alicerces considerados instáveis, já que um dos componentes está baseado na tributação sobre consumo. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), para a população mais pobre, essa tributação onera 26% de todo o orçamento familiar, enquanto para os mais ricos, apenas 10%.

Já para as empresas, ela é considerada a mais burocrática e cara do mundo, entre 141 países. “Se a reforma tributária vier para baixar os impostos dos empresários e da população, será necessária e útil. Mas temos que pensar que não vai ser isso. Alguns setores serão beneficiados e outros, não. No setor de alimentação, certamente haverá um aumento de gastos, porque as famílias de menor renda vão ter dinheiro para comprar e isso pode refletir em incremento das vendas”, pontua Esteves.

Dessa forma, ele lembra que a tributação sobre o consumo é o item que já possui o debate mais avançado numa possível reforma tributária e, para ele, pode ser interessante. “Existe um mecanismo que se chama devolução dos tributos para pessoas de menor renda, um mecanismo fiscalizado que pode devolver tributos às pessoas mais pobres e ajudar a reduzir a desigualdade. Outro mecanismo que se cogita é cobrar o imposto do consumo do produto no destino, e não na origem, porque os estados mais industrializados acabam recebendo mais impostos. Estima-se que 87% das cidades vão ter mais recursos, acarretando em menor desigualdade de arrecadação, reduzindo, portanto, a guerra fiscal. Nesses dois pontos, se a reforma vier, vai ser benéfica, tornando possível o consumo das pessoas de menor renda e movimentando a economia.”

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